Flores Anônimas no Túmulo do Meu Marido – A Surpresa que Me Calou

Já se passou um ano desde que o meu marido, Francisco, faleceu, e todo dia 15 do mês, visito o seu túmulo—só eu, o silêncio e as nossas memórias. Mas alguém lá chegava sempre primeiro, deixando flores frescas. Quem seria? Quando descobri, fiquei paralisada, com lágrimas a escorrerem pela cara.

Dizem que a dor muda com o tempo, mas nunca desaparece. Depois de 35 anos de casamento, ficava sozinha na cozinha, a estranhar o silêncio onde costumavam estar os passos do Francisco, de manhã cedo.

Um ano depois do acidente, ainda me virava no sono à procura dele. Acordar sem ele não se tornou mais fácil—apenas aprendi a suportar a saudade.

“Mãe? Estás pronta?” A Carolina estava à porta com as chaves na mão. A minha filha tinha os olhos castanhos quentes do pai, com pequenos reflexos dourados que brilhavam na luz perfeita.

“É só apanhar o casaco, querida,” respondi, forçando um pequeno sorriso.

Era dia 15—o nosso aniversário de casamento e a minha visita mensal ao cemitério. Ultimamente, a Carolina vinha comigo, preocupada por eu ir sozinha.

“Posso esperar no carro, se quiseres um tempo a sós,” ofereceu ela enquanto entrávamos no cemitério.

“Será bom, minha querida. Não demoro.”

O caminho até ao túmulo do Francisco era familiar—doze passos do grande carvalho, depois virar à direita na estátua do anjo. Mas, ao chegar perto, parei.

Um ramo de rosas brancas estava cuidadosamente colocado junto à lápide.

“Isso é estranho,” murmurei, tocando nas pétalas macias.

“O quê?” chamou a Carolina, aproximando-se.

“Alguém deixou flores outra vez.”

“Talvez algum colega do pai?”

Abanei a cabeça. “Estão sempre frescas.”

“Incomoda-te?”

Olhei para as rosas, sentindo um conforto estranho. “Não. Quero saber quem continua a lembrar-se dele assim.”

“Talvez descubramos na próxima vez,” disse a Carolina, apertando-me o ombro.

A caminhar de volta para o carro, senti como se o Francisco estivesse a olhar, com aquele sorriso maroto que sempre me faltou.

“Quem quer que seja,” disse, “deve tê-lo amado também.”

A primavera virou verão, e cada visita trazia novas flores no túmulo. Margaridas em junho. Girassóis em julho. Sempre frescas, sempre lá antes de eu chegar.

Numa manhã quente de agosto, decidi ir mais cedo. Talvez apanhasse o misterioso visitante. A Carolina não pôde vir, então fui sozinha.

O cemitério estava sossegado, só se ouvia o som suave de um ancinho nas folhas secas. Um coveiro, a limpar perto de um monumento. Conhecia-o—o senhor mais velho, com mãos calejadas, que sempre nos cumprimentava.

“Desculpe,” chamei, aproximando-me. “Posso perguntar-lhe uma coisa?”

Ele parou, enxugando o suor da testa. “Bom dia, senhora.”

“Alguém tem deixado flores no túmulo do meu marido toda semana. Sabe quem é?”

Ele nem hesitou. “Ah, sim. O rapaz das sextas. Vem pontualmente desde o verão passado.”

“Um rapaz?” O meu coração acelerou. “Um homem vem todas as sextas?”

“Exato. De poucas palavras. Trinta e poucos anos. Cabelo escuro. Traz as flores ele mesmo, põe-nas com cuidado. Fica um bocado, às vezes fala.”

A minha mente disparou. O Francisco tinha muitos amigos—colegas da escola, antigos alunos. Mas alguém assim tão dedicado?

“Poderia…” hesitei, um pouco constrangida. “Se o vir outra vez, poderia tirar uma foto? Preciso de saber.”

Ele olhou para mim e, depois de um momento, anuiu. “Percebo, senhora. Farei o possível.”

“Obrigada,” disse baixinho. “Significa muito.”

“Algumas ligações,” disse ele, olhando para o túmulo do Francisco, “não desaparecem, mesmo depois de partirmos. É especial, à sua maneira.”

Quatro semanas depois, o telefone tocou enquanto dobava roupa. Era o coveiro, o António. Tinha-lhe dado o meu número, caso descobrisse algo.

“Senhora? Sou o António, do cemitério. Tirei a foto que pediu.”

As minhas mãos tremiam enquanto o agradeci, prometendo passar por lá nessa tarde.

O ar de setembro era fresco enquanto caminhava pelo cemitério. O António estava ao lado da casinha dos funcionários, segurando o telemóvel com certa dificuldade.

“Ele veio mais cedo hoje,” disse. “Tirei a foto de trás das árvores. Espero que sirva.”

“Está perfeito. Obrigada.”

Deu-me o telemóvel e, quando olhei para o ecrã, congelei.

O homem ajoelhado junto ao túmulo do Francisco, colocando tulipas amarelas, era-lhe tão familiar. Os ombros largos, a ligeira inclinação da cabeça… Tinha visto aquilo tantas vezes à nossa mesa de jantar.

“Está bem, senhora?” A voz do António pareceu distante.

“Sim,” engoli em seco, devolvendo-lhe o telemóvel. “Obrigada. Eu conheço-o.”

Saí do cemitério atordoada, a cabeça a andar à roda. Mandei mensagem à Carolina: “Jantar ainda está de pé hoje?”

A resposta veio logo: “Sim! O Pedro vai fazer a lasanha dele. Às 20h. Estás bem?”

“Perfeito. Até lá.”

O cheiro de alho e molho de tomate enchia a casa da Carolina quando cheguei. O meu neto, o Tomás, de sete anos, correu para mim quase a derrubar-me com o abraço.

“Avó! Trouxeste bolachas?”

“Não hoje, meu amor. Próxima vez, prometo.”

O meu genro, o Pedro, veio corredor fora, a enxugar as mãos num pano.

“Ana! Chegaste na hora certa. O jantar está quase.” Inclinámos os rostos para o beijinho habitual.

O jantar seguiu como sempre—o Tomás a pedir mais pão com alho, a Carolina a gozar com o Pedro. Ri-me junto, mas a minha mente estava noutro lugar.

Quando a Carolina subiu com o Tomás para o banho, o Pedro e eu ficámos a arrumar a mesa em silêncio.

“Queres mais vinho?” ofereceu ele, erguendo a garrafa.

“Sim.” Peguei no copo e inspirei fundo. “Pedro, preciso perguntar-te uma coisa.”

Ele olhou para cima, sobrancelhas levantadas. “Sim?”

“Eu sei que foste tu. Tu és quem tem deixado flores no túmulo do Francisco.”

O copo que ele segurava parou a meio caminho da lava-loiça. Deixou-o devagar, os ombros curvados como se um peso enorme os pressionasse.

“Há quanto tempo sabes?”

“Só hoje. Mas as flores… estão lá há meses. Todas as sextas.”

O Pedro fechou os olhos por um segundo e sentou-se. “Não queria que descobrisses. Não foi… para impressionar.”

“Porquê, Pedro? Tu e o Francisco… não eram assim tão próximos.”

Ele olhou para mim, os olhos brilhando. “É aí que te enganas, Ana. Aproximámo-nos… nos últimos tempos.”

A Carolina desceu as escadas, parando ao sentir a tensão. “O que se passa?”

O Pedro olhou para mim, depois para a mulher.A mão que segurei naquele momento, a mesma que viu os últimos instantes do meu Francisco, era agora a mão que nos unia numa promessa silenciosa de perdão e nova família, porque no final, como diz o velho ditado português, o amor é mais forte do que a morte.

Leave a Comment