Quase não atendi o telefone naquela manhã de sexta-feira.
O nome de Tomás brilhando na tela me paralisou—como ver um fantasma em plena luz do dia. Três anos se passaram desde que ele sumiu sem aviso, escolhendo outra mulher e uma vida nova a poucos quarteirões de distância. Nada de despedida. Nada de explicação. Apenas… desapareceu.
Mas desta vez, a voz dele soou diferente.
“Beatriz,” ele disse, tom baixo, como se o arrependimento finalmente tivesse batido. “Tenho pensado muito… na Catarina. Quero vê-la. Quero acertar as coisas.”
Falou sobre finais de semana juntos, recuperar o tempo perdido, e como nunca deixou de amá-la. Parte de mim queria desligar, trancar aquela porta para sempre. Mas a outra parte—aquela que viu Catarina adormecer abraçada ao ursinho que um dia batizou de “Papai”—não podia negar à filha a chance que ela tanto desejava.
Então eu disse sim.
Catarina ficou radiante. Ajudou a arrumar a mochila: pijama brilhante, bolachas de animais, o coelho de pelúcia já gasto e um desenho que escreveu “Senti sua falta, Papai.” Sorriu para mim com aquele otimismo infantil que ao mesmo parte e conserta o coração.
“Vou pedir se podemos comer panquecas e ir ao jardim zoológico!” ela vibrou.
Eu sorri, forçando-me a acreditar que isso era bom. Que era cura.
O sábado passou com mensagens alegres—fotos de Catarina no balanço, segurando algodão-doce, cavalgando num carrossel. Pela primeira vez em anos, deixei um lampejo de paz assentar no meu peito.
Mas a paz pode enganar.
Domingo à tarde, minha irmã ligou. Nunca esquecerei o pânico na voz dela.
“Bia, vê o Instagram. Agora.”
“O que foi?” perguntei, já abrindo o aplicativo.
“Ele casou. Hoje. A tua filha—ela esteve no casamento.”
Eu congelei.
Ali na tela estava Tomás, sorrindo num terno impecável, ao lado de uma mulher de branco—Mafalda. E no meio deles, Catarina. Vestida num vestido branco que eu nunca tinha visto, segurando um buquê quase do seu tamanho, olhando para a câmara com olhos arregalados.
A legenda dizia:
#MelhorDiaDaMinhaVida #FamíliaReunida #NossaPrincesa
Minhas mãos ficaram geladas. Senti a garganta apertar.
Liguei. Ele não atendeu. Liguei outra vez. Correio de voz. De novo.
Então peguei o carro.
O local era uma quinta nos arredores de Lisboa. Rosas brancas enfeitavam a entrada. Champanhe fluía. Música tocava. Tomás dançava com Mafalda sob luzes cintilantes enquanto os convidados brindavam ao “para sempre.”
E ali—sozinha num banco, afastada do riso—estava Catarina. A tiara torta, o coelho de pelúcia apertado ao peito.
Quando me viu, correu. “Mamã,” sussurrou, escondendo o rosto no meu casaco, “podemos ir para casa?”
Não disse uma palavra. Peguei-a ao colo e virei-me para sair. Foi então que Mafalda apareceu à minha frente, toda sorrisos e simulação.
“Espera!” ela cantou. “Ainda não tiramos a foto de família!”
Eu encarei-a.
“Ela não é um enfeite,” disse, a voz a tremer de raiva. “É uma criança. Não um adereço para a tua fantasia de Instagram.”
O sorriso de Mafalda nem vacilou. “Relaxa. Ela estava adorável. Só precisávamos de uma florzinha.”
Foi quando uma das madrinhas se aproximou, hesitante.
“Ela planeou isto,” murmurou. “A Mafalda disse que faria o Tomás ‘pedir a menina emprestada’ para as fotos ficarem perfeitas. Disse-nos que ias cair nessa.”
O mundo desmoronou.
Não olhei para o Tomás. Não gritei. Apenas carreguei a minha filha para o carro, protegendo-a de uma sala cheia de estranhos que não mereciam conhecê-la.
Em casa, deitei-a na cama. Ela não chorou. Apenas segurou na minha mão e perguntou, “Mamã… sou mesmo a princesa dele?”
Engoli as lágrimas.
“Não, minha querida. És a minha princesa. E nunca mais vou deixar que te usem assim.”
Na manhã seguinte, as fotos do casamento desapareceram das redes sociais. O conto de fadas da Mafalda desfez-se quando amigos em comum começaram a deixar de segui-la. Ninguém ligou. Nem mesmo o Tomás.
Aquele fim de semana foi a última vez que ele viu a Catarina.
E talvez seja mesmo o melhor.
Porque algumas pessoas não voltam para te amar—voltam para te usar. E algumas mães não criam apenas os filhos—protegem-nos daqueles que deviam ter sido melhores.
Posso não ser perfeita, e já tropecei no caminho. Mas nunca desapareci. Nunca usei a minha filha para consertar a minha imagem ou tapar uma mentira.
A Catarina vai crescer sabendo que o amor não é algo que se ganha por ser “adorável” o suficiente para uma foto de casamento. É algo que se dá livremente. Ferozmente.
E quando olhar para trás, não vai lembrar-se de quem não ficou.
Vai lembrar-se de quem nunca a abandonou.