**Diário Pessoal**
Estava a meio da reparação do galinheiro quando vi o Bóris, o meu velho Labrador amarelo, a trotar pela estrada de terra como sempre faz após as suas aventuras matinais. Mas desta vez, ele não estava sozinho.
Atrás dele vinha uma égua castanha escura com uma sela de couro gasto, as rédeas arrastando no pó — e o Bóris trazia-as na boca, orgulhoso, como se a estivesse a trazer para casa.
Fiquei ali, com o martelo numa mão, a tentar perceber se estava a alucinar. Não temos cavalos. Não desde que o meu tio faleceu e vendemos a maior parte do gado.
O Bóris parou mesmo ao portão, a abanar o rabo, com a língua de fora como se me tivesse trazido o maior pau do mundo. A égua ficou quieta atrás dele, calma como se nada fosse. Não tinha marca visível. A sela parecia ter visto muitos quilómetros, mas estava intacta.
A primeira coisa que fiz foi verificar a câmara de vigilância que temos na cerca do pasto. Vi o Bóris a correr para o bosque por volta das 7:40. Vinte minutos depois, voltou, a guiar a égua como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Aquele bosque abre caminho para terrenos privados, alguns com dono, outros abandonados. O vizinho mais próximo naquela direção é o Artur, mas ele não tem cavalos. Pelo menos, não nos últimos cinco anos.
Dei água à égua, procurei identificação e liguei para todo o lado — esquadra da GNR, veterinário local, até pus um aviso no grupo da aldeia no WhatsApp. Nada.
Mas ao pôr do sol, apareceu um camião vermelho que parou junto ao portão. Ninguém saiu. Ficaram ali um minuto, com o motor a trabalhar. Depois, recuaram devagar e foram-se embora.
Na manhã seguinte, vi marcas de pneus junto à cerca. O mesmo padrão do camião vermelho. Parecia que tinham parado outra vez a meio da noite. Comecei a sentir um aperto no estômago. Quem quer que fosse, não estava só curioso. Estava a vigiar.
Deixei a égua no cercado traseiro, dei-lhe feno e escovei-lhe o pelo. Era dócil, até meiga. Comecei a chamar-lhe Madalena — não sei porquê, mas o nome encaixava.
Passaram mais dois dias. Ninguém a reclamou. No terceiro dia, recebi uma chamada de número oculto.
Uma voz rouca, como se tivesse fumado a vida toda, disse: “Essa égua não é tua.”
Mantive-me calmo. “Nunca disse que era. Estou a tentar devolvê-la.”
Silêncio.
“Ela fugiu. Quero-a de volta.”
Perguntei: “Então porque não veio buscá-la?”
Desligou.
Naquela noite, não dormi bem. Cada barulho acordava-me. Por volta das 2:30, o Bóris começou a rosnar baixinho junto à porta. Ele quase nunca rosna. Olhei pela janela e, claro, lá estavam os faróis do camião vermelho lá no fundo da estrada.
Desta vez, saí para a varanda com a espingarda na mão. Só a segurei — não apontei. O camião ficou a trabalhar um instante, depois deu meia-volta e desapareceu.
Algo não batia certo. Liguei à minha amiga Filipa, que costumava ajudar num centro de acolhimento para cavalos, e pedi-lhe para vir dar uma vista de olhos. Ela veio de longe, trouxe o seu equipamento. Mal viu a sela, franziu a testa.
“Este tipo de arreios é usado por amadores, não por profissionais,” disse, examinando a boca da Madalena. “E vês estas marcas nos flancos? Quem a montou não sabia o que estava a fazer. Provavelmente forçou-a demais.”
A Filipa reparou noutra coisa. Uma pequena tatuagem dentro da orelha da Madalena. Desbotada, mas ainda visível.
Tirou uma foto e fez umas chamadas.
Descobrimos que a Madalena tinha sido dada como desaparecida por um santuário a três distâncias de distância — há três meses. Alguém a adoptara com documentos falsos. Depois, ela sumiu.
Liguei para o santuário e contei-lhes tudo. Ficaram incrivelmente gratos. Disseram-me que o tipo que a adoptara tinha histórico de negócios duvidosos. Comprava animais baratos, revendia-os rapidamente por dinheiro, às vezes até os abandonava se não conseguisse vender.
Acho que o Bóris deve ter encontrado a Madalena atada algures no bosque e… trouxe-a para casa. Como se soubesse que ela não pertencia ali.
Uns dias depois, o santuário enviou um voluntário para levá-la. Antes de ela ir, sentei-me no cercado com a Madalena, a escová-la pela última vez. O Bóris deitou-se junto à cerca, o rabo a abanar devagar.
“Foste um bom menino,” disse-lhe. “Foste mesmo muito bom.”
O camião vermelho nunca mais apareceu. Talvez tenham percebido que alguém os descobriu. Talvez não quisessem problemas agora que os verdadeiros donos estavam envolvidos.
O que aprendi com isto? Por vezes, fazer o que é certo significa meter-se na confusão dos outros. É incómodo. Confuso. Mas vale a pena.
E às vezes, o herói não é quem tem as respostas ou os planos — é aquele que leva a trela na boca, guiando quem está perdido de volta para casa.
O Bóris é só um cão. Mas naquela semana, lembrou-me o que lealdade, instinto e coração conseguem fazer.