Chamo-me Andreia. Tenho 29 anos e estou no último mês da minha primeira gravidez.
Há uma mistura estranha de expectativa e ansiedade que me envolve constantemente—como se estivesse à beira de algo belo, mas também avassalador. Nas tardes mais calmas, quando fico sozinha no sofá desgastado da nossa modesta casa nos arredores de Lisboa, coloco a mão na barriga, sinto os pontapés suaves do meu bebé e murmuro: “A mamã está aqui.”
O meu marido, Rui, tem 33 anos e trabalha como contabilista numa empresa. Diz sempre que está sobrecarregado, stressado, e que precisa de “recarregar energias” nos fins de semana. Como um relógio, quase todas as sextas-feiras, ele vai para casa dos pais, que ficam a duas horas de distância. Já me habituei à quietude—a andar entre a cozinha e a sala, carregando uma barriga que cresce mais pesada a cada dia. O Rui quase não ajuda em casa. Uma vez, pedi-lhe para arrumar o quarto do bebé. Ele olhou para mim e resmungou: “Não estás de licença de maternidade? Tens tempo.”
Nunca me esquecerei de um sábado, não há muito tempo, em que tentei carregar um saco pesado de ração para o cão. Fiquei parada no passeio, a suar, com as costas a doer, só a desejar uma mão amiga. Mas ele estava a fazer caminhadas com o pai. Mandei-lhe uma mensagem, e a resposta foi: “Tu és forte. Consegues.”
Às vezes, fico sentada sozinha na cozinha, perdida em pensamentos, a perguntar-me: “Casei-me com o homem errado?” Mas então o bebé dá um pontapé suave, e lembro-me que não estou verdadeiramente sozinha.
O Rui nem sempre foi assim. No início, era atencioso e gentil. Mas quando engravidei, tudo mudou. Tornou-se mal-humorado, frio, sempre a irritar-se. Um dia, esqueci-me de comprar a marca de café que ele prefere, e ele disse, seco: “A sério? Ficas em casa o dia todo sem fazer nada e nem consegues lembrar-te do café?” As palavras doeram, mas mantive-me calada. Ele diria que eram só as hormonas. Engoli a dor, forcei um sorriso e murmurei: “Espera só. Quando o bebé nascer, tudo vai melhorar.” Mas no fundo, temia estar apenas a iludir-me.
Naquela manhã, acordei cedo com uma dor surda nas costas. Arrastei-me até à cozinha e preparei o café para o Rui. Deixei a chávena ao lado de um pequeno-almoço simples. Ele entrou a olhar para o telemóvel. “A torrada está queimada. Nem sequer consegues usar uma torradeira?”
Mordi o lábio. “Desculpa. A torradeira está com problemas.”
“Tanto faz,” murmurou ele. “Aposto que a minha mãe já tem panquecas prontas.” Não era só a torrada—era mais uma crítica. A mãe dele, a Dona Isabel, era o padrão de perfeição que eu nunca alcançaria. Já tinha ouvido as comparações tantas vezes que se tornaram como ruído de fundo. Mas naquele dia, com os tornozelos inchados e a barriga pesada, não consegui guardar silêncio.
“Ah, e,” ele acrescentou, “a minha mãe convidou-nos para jantar hoje. Não te esqueças de levar um presente. Ela ainda está chateada com aquela vela horrível que lhe deste.”
“Vou ficar. Preciso de descansar. A data do parto está próxima.”
“Não comeces outra vez com isso. Mulheres grávidas não são inválidas. A minha mãe trabalhou até ao dia em que pariu. Tu só passas o dia a publicar fotos naquele blogue parvo.”
Aquele blogue era o meu porto seguro. Partilho pores-do-sol, as refeições que faço, os altos e baixos. Coisas que o Rui nunca nota.
Mais tarde, depois de jantar sozinha, limpei a cozinha em silêncio. A casa parecia vazia, como se eu fosse a única pessoa ali. Apoiei a cabeça na porta do armário e segurei as lágrimas. Sempre imaginei que a gravidez seria cheia de amor e apoio. Em vez disso, sinto-me como um fardo, uma empregada na minha própria casa.
Num domingo de manhã, o Rui surpreendeu-me ao dizer: “Andreia, faz as malas. Vamos para a Serra da Estrela com os meus pais na próxima semana. Uma última viagem antes do bebé nascer.”
Congelei. “Na próxima semana? O médico disse que posso entrar em trabalho de parto a qualquer momento.”
Ele acenou como se eu estivesse a exagerar. “Meu Deus, és sempre tão dramática. O ar puro vai fazer-te bem. A minha mãe disse que o ar da montanha é milagroso.”
Sabia que discutir não adiantava. Fiz as malas em silêncio, a rezar para que nada corresse mal. Mas no dia da viagem, mal me sentei no carro, senti uma pressão estranha na barriga. Depois, um líquido quente encharcou o meu vestido. Tinha rebentado a bolsa.
“Rui, está a acontecer. Temos de ir para o hospital. Agora.”
Ele virou-se para mim, irritado, como se eu estivesse a estragar-lhe as férias. “O quê? Agora mesmo?”
“Sim! Isto não é um ensaio! O bebé está a chegar!”
Em vez de me ajudar, o Rui saiu do carro e olhou para a mancha molhada. “A sério? Estragaste o banco? Não conseguiste segurar?”
Fiquei paralisada. “Rui, por favor. Preciso de ajuda.”
Ele suspirou, abriu a porta do carro e disse: “Sai. Não vou estragar o carro. Chama um Uber ou algo do género.”
Traguei seco. “O que estás a dizer? Não posso ir sozinha.”
“Não tenho tempo. Os meus pais estão à espera. Não vou perder esta viagem só porque estás a fazer um drama.” E então, diante dos meus olhos incrédulos, o Rui tirou a minha mala do porta-bagagens, pousou-a no passeio e afastou-se, deixando-me ali sozinha enquanto a primeira contração começava a apertar-me o ventre.
Juntei as forças que me restavam e liguei para uma ambulância. Foi então que um carro parou ao meu lado. “Andreia?” Era uma voz familiar. A Leonor, a vizinha que morava a poucas casas de distância. Saiu do carro, o rosto cheio de preocupação. “Rebentaste as águas! Entra. Levo-te.”
No caminho para o hospital, ela segurou a minha mão com firmeza, oferecendo-me conforto. “Onde está o teu marido?” perguntou com suavidade. Não respondi. Olhei para a janela, as lágrimas a escorrerem em silêncio.
A seguir, acordei sob as luzes fluorescentes do hospital. Quando abri os olhos, a Leonor estava ao meu lado, com uma chávena de café ainda quente.
“Acordaste,” murmurou ela. “Tu e a bebé estão bem.”
“A minha bebé…?”
“É uma menina. Ela é perfeita,” disse a Leonor, apertando-me a mão. “Correu tudo bem.”
Pouco depois, a porta abriu-se e os meus pais entraram a correr. A minha mãe caiu nos meus braços, a chorar. O meu pai, normalmente estoico, parecia abalado, os olhos vermelhos. “Lamentamos muito, Andreia,” disse a minha mãe, soluçando. “Devíamos ter estado aqui por ti.”
A Leonor ia a sair quando se virou e disse: “Há maisQuando finalmente olhei para a minha filha, senti que, apesar de tudo, a vida tinha um jeito estranho de nos mostrar o caminho certo enquanto secava as últimas lágrimas e sorria pela primeira vez sem medo.