Abandonada No Parto Para que Ele Fosse Curtir Com a Família

Chamo-me Beatriz. Tenho 29 anos e entro no último mês da minha primeira gravidez.

Há uma mistura estranha de antecipação e ansiedade que parece rodear-me constantemente—como se estivesse à beira de algo belo, mas esmagador. Nas tardes calmas, quando estou sozinha no sofá gasto da nossa modesta casa nos arredores de Lisboa, coloco a mão na barriga, sinto o suave movimento dos pés do meu bebé e murmuro: “A mamã está aqui.”

O meu marido, Rui, tem 33 anos e trabalha em contabilidade empresarial. Vive a dizer que está sobrecarregado, stressado, e que precisa de “recarregar” aos fins de semana. Como um relógio, quase todas as sextas-feiras, dirige-se à casa dos pais, que fica a duas horas de distância. Já me habituei ao silêncio—a andar da cozinha para o sofá, carregando uma barriga que cresce mais pesada a cada dia. O Rui mal levanta um dedo em casa. Certa vez, pedi-lhe ajuda para arrumar o quarto do bebé. Ele olhou para mim e resmungou: “Não estás de licença de maternidade? Tens tempo.”

Nunca esquecerei um sábado, não há muito tempo, em que tentei carregar um saco pesado de ração para cães do carro. Fiquei parada no passeio, suada, com as costas a doer, desejando por uma mão amiga. Mas ele estava a fazer uma caminhada com o pai. Mandei-lhe uma mensagem, e a resposta foi: “És forte. Tu consegues.”

Às vezes, sento-me sozinha na cozinha, perdida em pensamentos, perguntando-me: “Casei-me com o homem errado?” Mas então o bebé dá um pontapé suave, lembrando-me que não estou realmente sozinha.

O Rui nem sempre foi assim. No início, era atencioso e gentil. Mas quando engravidei, tudo mudou. Tornou-se mal-humorado, frio, sempre a ralhar. Um dia, esqueci-me de comprar a marca de café que ele preferia, e ele disse, seco: “A sério? Ficas em casa o dia todo sem fazer nada e não te lembras do café?” As palavras doeram, mas calei-me. Ele diria que eram as hormonas. Engoli a dor, forcei um sorriso e murmurei: “Espera. Quando o bebé nascer, vai melhorar.” Mas parte de mim temia estar a enganar-me.

Naquela manhã, acordei cedo com uma dor surda nas costas. Arrastei-me até à cozinha e preparei café para o Rui. Deixei a chávena ao lado de um pequeno-almoço simples. Ele entrou a olhar para o telemóvel. “A torrada está queimada. Não consegues usar uma torradeira?”

Mordi o lábio. “Desculpa. Ela andava a avariar.”

“Que seja,” murmurou. “Aposto que a minha mãe já tem panquecas prontas.” Não era só a torrada—era mais uma farpa. A mãe dele, a Dona Amélia, era o padrão dourado que eu nunca conseguiria alcançar. Eu já ouvira as comparações tantas vezes que se tornaram ruído de fundo. Mas naquele dia, com os tornozelos inchados e a barriga pesada, não consegui ficar calada.

“Ah, e,” acrescentou ele, “a minha mãe convidou-nos para jantar hoje. Não te esqueças de levar um presente. Ela ainda está chateada com aquele candeeiro horrível que lhe deste.”

“Vou ficar. Preciso de descansar. A data está a aproximar-se.”

“Não comeces com isso outra vez. As grávidas não são frágeis. A minha mãe trabalhou até ao dia em que eu nasci. Tu só estás em casa a publicar coisas naquele blogue parvo.”

Aquele blogue é o meu fio de salvação. Partilho pores do sol, as refeições que cozinho, os meus altos e baixos. Coisas que o Rui nem nota.

Mais tarde, depois de jantar sozinha, limpei a cozinha em silêncio. A casa parecia vazia, como se eu fosse a única alma nela. Encostei a cabeça à porta do armário e segurei as lágrimas. Costumava imaginar que a gravidez seria cheia de amor e apoio. Em vez disso, sinto-me como um fardo, uma empregada na minha própria casa.

Num domingo de manhã, o Rui surpreendeu-me dizendo: “Beatriz, faz as malas. Vamos a Sintra com os meus pais na próxima semana. Uma última viagem antes do bebé.”

Congelei. “Na próxima semana? O médico disse que posso entrar em trabalho de parto a qualquer momento.”

Ele abanou a mão. “Meu Deus, és sempre tão dramática. O ar puro vai fazer-te bem. A minha mãe disse que o ar da serra é ótimo.”

Sabia que discutir não adiantaria. Fiz as malas em silêncio, rezando para que nada corresse mal. Mas no dia da viagem, mal me sentei no carro, senti uma pressão estranha na barriga. Depois, um jorro de líquido quente molhou o meu vestido. Tinha rebentado águas.

“Rui, está a acontecer. Temos de ir para o hospital. Agora.”
Ele virou-se para mim, irritado, como se eu estivesse a estragar as férias dele. “O quê? Agora mesmo?”

“Sim! Isto não é um treino! O bebé está a vir!”

Em vez de me levar, o Rui saiu do carro e olhou para a mancha molhada. “A sério? Estragaste o banco? Não conseguiste segurar?”

Fiquei paralisada. “Rui, por favor. Preciso de ajuda.”

Ele soltou um suspiro aborrecido e abriu a porta. “Sai. Não vou estragar o carro. Chama um Uber ou algo assim.”
“O que estás a dizer? Não posso ir sozinha.”

“Não tenho tempo. Os meus pais estão à espera. Não vou perder esta viagem só porque estás em pânico.” E então, diante dos meus olhos incrédulos, o Rui tirou a minha mala do porta-bagagens, deixou-a no passeio e foi-se embora, deixando-me sozinha enquanto a primeira contração começava a apertar-me o ventre.

Reuni as forças que me restavam e liguei para uma ambulância. Foi então que um carro parou ao meu lado. “Beatriz?” Reconheci a voz. Era a Leonor, a vizinha que morava mais abaixo na rua. Ela saiu do carro, o rosto cheio de preocupação. “Rebentaram-te asA Leonor segurou a minha mão durante todo o caminho até ao hospital, e quando finalmente abracei a minha filha, percebi que, às vezes, a família verdadeira não é a que nascemos, mas a que escolhemos.

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