Um homem de 40 anos acabara de receber uma chamada de um hospital no Algarve informando-o de que uma menina nascera e ele fora identificado como o pai.
O casal não tinha filhos biológicos e já havia adotado três, pois a adoção era algo que ambos desejavam abraçar. Por isso, estavam a reformar a casa para acomodar mais uma criança.
João era especialmente cuidadoso ao considerar acolher uma criança, pois ele próprio fora adotado. Desde pequeno, ele prometera a si mesmo que acolheria tantas crianças quanto possível.
“Se eu puder ajudar essas crianças a crescerem e serem a melhor versão de si mesmas, sentirei que fiz algo grandioso,” disse ele à esposa, enquanto discutiam o assunto.
João também era pai de dois filhos adultos, concebidos durante seu casamento anterior com Carla.
Conheceu a segunda esposa, Beatriz, dois anos depois e, após alguns meses de namoro, casaram-se. Tentaram ter filhos, mas sem sucesso.
Até que um dia, a persistência deles foi recompensada — Beatriz engravidou.
Decidido, ele marcou um voo para Beatriz, que estava de oito meses, para o Algarve, um lugar que ela sempre sonhara visitar.
Porém, ao chegar lá, ela entrou em trabalho de parto e foi levada às pressas para o hospital.
Infelizmente, ela faleceu durante o parto. Disseram a João que, por ser um recém-nascido, ele precisava viajar imediatamente.
Assim que o avião aterrissou, alugou um carro e dirigiu-se ao hospital onde a esposa havia falecido.
Ao chegar, foi recebido por uma voluntária da unidade de cuidados intensivos, uma senhora de 82 anos, recentemente viúva.
“O que aconteceu?” perguntou ele assim que entrou no escritório dela.
“Sente-se, Sr. Mendes,” disse ela com calma.
“Prefiro ficar em pé,” respondeu ele.
“Lamento muito sua perda, mas sua esposa teve complicações durante o parto.”
João chorou amargamente, e a Dona Esmeralda ficou em silêncio, deixando-o desabafar. Após alguns minutos, ela tossiu levemente e falou.
“Pelo que entendi, veio buscar a criança, mas preciso ter certeza de que tem condições de cuidar dela,” disse Dona Esmeralda.
“Chame-me se precisar de algo,” acrescentou.
No balcão de embarque, a funcionária negou-lhe a passagem.
“Esta é sua filha, senhor?” perguntou.
“Claro que é,” respondeu ele.
“Desculpe, mas ela parece muito nova para viajar de avião. Quantos dias tem?”
“Quatro dias. Posso passar agora?” retrucou João.
“Lamento, mas terá de apresentar a certidão de nascimento e esperar até que ela complete pelo menos sete dias para viajar,” disse a mulher com firmeza.
“O quê?” João irritou-se. “Está a dizer que tenho de ficar aqui vários dias? Não tenho família nesta região, preciso voltar para casa hoje!”
“É a política,” respondeu ela, virando-se para o próximo passageiro.
Preparava-se para passar a noite no aeroporto quando lembrou-se de Dona Esmeralda, a bondosa voluntária. Relutante em incomodá-la, mas sem opção, decidiu ligar.
“Olá, Dona Esmeralda,” disse ele. “Preciso da sua ajuda.”
“Ainda há compaixão neste mundo,” pensou consigo mesmo.
João ficou na casa de Dona Esmeralda por mais de uma semana antes de poder regressar a Lisboa.
O pai não acreditava na generosidade dela, chamando-a de “um anjo”. Até a bebê parecia adorá-la, sorrindo ao ouvir sua voz.
Durante a estadia, descobriu que ela tinha quatro filhos adultos, sete netos e três bisnetos.
Com a certidão em mãos, pôde finalmente voltar para casa, mas manteve contacto com a idosa que o ajudara.
Anos depois, num funeral, um advogado aproximou-se e disse-lhe que Dona Esmeralda lhe deixara parte da herança, tal como fizera com os próprios filhos.
Em honra à sua bondade, João doou o dinheiro a uma instituição de caridade que fundou em conjunto com os filhos dela.