Inês sempre se sentiu uma estranha na própria casa. A mãe claramente preferia as irmãs mais velhas — Beatriz e Catarina —, dando-lhes muito mais atenção e carinho. Essa injustiça magoava profundamente a menina, mas ela guardava o ressentimento para si, tentando constantemente agradar a mãe e conquistar um pouco do seu afeto.
“Nem penses em viver comigo! O apartamento ficará para as tuas irmãs. E tu desde pequena que me olhas como uma lobinha. Portanto, vive onde quiseres!” — com estas palavras, a mãe expulsou Inês de casa assim que ela fez dezoito anos.
Inês tentou argumentar, explicar que era injusto. Beatriz era só três anos mais velha, e Catarina cinco. Ambas tinham terminado a universidade paga pela mãe; ninguém as pressionara a tornarem-se independentes. Mas Inês sempre fora a ovelha negra. Por mais que se esforçasse para ser “boazinha”, na família só era amada superficialmente — se é que aquilo podia ser chamado de amor. Só o avô a tratava com bondade. Ele era quem acolhera a filha grávida depois do marido a abandonar e desaparecer sem deixar rasto.
“Será que a mãe tem receio por causa da minha irmã? Dizem que me pareço muito com ela”, pensava Inês, tentando justificar a frieza materna. Várias vezes tentara ter uma conversa sincera com a mãe, mas acabava sempre em gritaria ou birra.
Mas o avô era o seu verdadeiro porto seguro. As melhores memórias da infância estavam ligadas à aldeia onde passavam os verões. Inês adorava trabalhar na horta, aprender a ordenhar vacas, a assar bolos — qualquer coisa para adiar o regresso a casa, onde todos os dias era recebida com desprezo e críticas.
“Avô, porque é que ninguém gosta de mim? O que é que eu tenho de errado?”, perguntava ela, segurando as lágrimas.
“Eu gosto muito de ti”, respondia ele, suave, mas nunca dizia uma palavra sobre a mãe ou as irmãs.
A pequena Inês queria acreditar que ele tinha razão, que era amada, só de uma maneira especial… Mas quando fez dez anos, o avô faleceu, e a partir daí a família tratou-a ainda pior. As irmãs gozavam com ela, e a mãe estava sempre do lado delas.
A partir daquele dia, nunca teve nada novo — só roupa usada de Beatriz e Catarina. Elas troçavam:
“Oh, que blusa tão fashion! Para limpar o chão ou para a Inês — o que for preciso!”
E se a mãe comprava doces, as irmãs comiam tudo, entregando-lhe só os papéis:
“Toma, parva, guarda os embrulhos!”
A mãe ouvia tudo e nunca as repreendia. Foi assim que Inês cresceu como a “lobinha” — dispensável, sempre a mendigar amor de quem a via como objeto de gozo e desprezo. Quanto mais se esforçava, mais a detestavam.
Por isso, quando a mãe a expulsou no décimo oitavo aniversário, Inês arranjou trabalho como auxiliar de saúde num hospital. Resistência e trabalho duro tornaram-se o seu hábito, e agora, pelo menos, era paga — ainda que pouco. Mas ali, ninguém a odiava. Se não és recebida com maldade onde és boa, já é progresso. Era o que ela pensava.
O seu empregador até lhe deu a oportunidade de conseguir uma bolsa e formar-se como cirurgiã. Na pequena cidade, esses especialistas eram escassos, e Inês já mostrara talento enquanto enfermeira.
A vida era dura. Aos vinte e sete, não tinha familiares próximos. O trabalho tornou-se a sua vida — literalmente. Vivia para os doentes que salvava. Mas a solidão nunca a abandonava: vivia sozinha numa residência, tal como antes.
Visitar a mãe e as irmãs era uma desilusão constante. Inês tentava ir o menos possível. Todos saíam para fumar e fofocar, e ela ia para a varanda chorar.
Um dia, num desses momentos, um colega — o auxiliar Tiago — aproximou-se:
“Porque estás a chorar, linda?”
“Que linda… Não gozes comigo”, respondeu Inês, baixinho.
Considerava-se uma ratazana sem graça, nem sequer reparando que, perto dos trinta, se tornara uma loira encantadora, de olhos azuis e nariz perfeito. A timidez da juventude desaparecera, os ombos endireitaram-se, e o cabelo claro, preso num rabo-de-cavalo, parecia querer rebentar.
“És mesmo bonita! Valoriza-te e não andes com a cabeça baixa. Além disso, és uma cirurgiã promissora, e a tua vida está a encaminhar-se bem”, incentivou ele.
Tiago trabalhava com ela há quase dois anos, por vezes dando-lhe chocolates, mas esta foi a primeira conversa a sério. Inês chorou e contou-lhe tudo.
“Talvez devas ligar ao António Martins? Aquele que salvaste há pouco. Ele trata-te bem. Dizem que tem bons contactos”, sugeriu Tiago.
“Obrigada, Tiago. Vou tentar”, respondeu Inês.
“E se isso não resultar, podemos casar. Tenho casa, não te maltrato”, disse ele, a brincar.
Inês corou e percebeu que ele falava a sério. Ele não via uma órfã coitadinha, mas uma mulher que merecia amor.
“Está bem. Também vou considerar essa opção”, sorriu, sentindo pela primeira vez em anos que não era uma “burra de carga” nem dispensável, mas uma mulher jovem e bonita, com a vida toda pela frente.
Nessa mesma noite, Inês ligou ao António Martins:
“Sou a Inês, a cirurgiã. Deu-me o seu número e disse para contactar se tivesse problemas…”, começou, hesitante.
“Inês! Olá! Que bom que finalmente ligaste! Como estás? Mas, sabes que mais, vamos antes encontrar-nos. Vem cá a casa, tomamos um chá e falamos. Nós, os mais velhos, gostamos de conversar”, respondeu ele, calorosamente.
No dia seguinte era o seu dia de folga, por isso foi vê-lo de imediato. Contou-lhe a situação e perguntou se ele conhecia alguém que precisasse de uma cuidadora.
“António Martins, estou habituada a trabalhar duro, mas sinto que já não aguento mais…”
“Não te preocupes, Inês! Posso arranjar-te um lugar como cirurgiã numa clínica privada. E podes viver comigo. Sem ti, eu já não estaria aqui”, disse ele.
“Claro que aceito! Mas os seus familiares não vão achar estranho?”
“Os meus familiares só aparecem quando eu já não estou. Só se interessam pelo apartamento”, respondeu ele, triste.
Assim, começaram a viver juntos. Dois anos passaram, e um romance floresceu entre ela e Tiago, muitas vezes à volta de chávenas de chá. Mas o António Martins não gostava de Tiago e não perdia ocasião para dizer a Inês:
“Desculpa, querida, mas o Tiago é um bom rapaz, só que fraco e muito influenciável. Não podes confiar nele. Tenta não te apegares muito.”
“Oh, António Martins… já é tarde. Já decidimos casar. Aliás, ele propôs-me em brincadeira há dois anos. E agora estou grávida…”, anunciou Inês, radiante de felicidade. Descobrira recentemente a notícia, mas acrescentou logo: “Mas o senhor continua a ser muito importante para mim! Vou visitá-lo todos os dias. É como família.”
“Ora bem, Inês… não estou a sentir-me bem. Vamos fazer o seguinte: amanhã vamos ao notário, e vou-te registrarE assim, quando o bebé nasceu, Inês descobriu que a verdadeira felicidade estava em cuidar daquela que se tornara a sua única família, longe das mágoas do passado.