**Diário Pessoal**
Quando a minha filha de cinco anos começou a falar de um “clone” estranho, tentei levar na brincadeira, até que uma câmara escondida e uma voz suave a falar numa língua desconhecida revelaram um segredo escondido desde o nascimento. Esta é uma história comovente e autêntica sobre maternidade, identidade e família—algo que nunca soube que precisávamos.
Naquele dia, ao chegar a casa depois do trabalho, senti um cansaço que só as mães entendem—aquele peso atrás dos olhos, mesmo com um sorriso nos lábios. Tirei os saltos, bebi um sumo de laranja e ia a caminho do sofá quando senti um puxão na manga do meu casaco.
“Mãe,” disse a Leonor, os olhos amplos e sérios. “Queres conhecer a tua cópia?”
“O quê?” soltei, espantada. Leonor, com menos de cinco anos, entendia sequer o conceito de um clone?
“A tua cópia,” repetiu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. “Aparece quando estás a trabalhar. O pai diz que ela está cá para ele não ter tantas saudades tuas.”
A princípio, achei graça. Aquele riso leve e desconfortável que os adultos deixam escapar quando as crianças dizem coisas estranhas, sem sabermos se devemos preocupar-nos. A Leonor sempre foi eloquente para a idade, o que, por vezes, até intimida. Mas havia algo no tom dela, tão natural e seguro, que me arrepiou a pele. Tinha a certeza de que não era um amigo imaginário.
O meu marido, o Tiago, estava em licença de parentalidade há seis meses. Depois da minha promoção, combinámos que eu trabalharia a tempo inteiro enquanto ele ficava em casa com a Leonor. Fazia sentido—ele era paciente, brincalhão, um pai presente. Mas ultimamente, algo parecia diferente. Eu ignorava os meus receios, mas agora já não tinha escolha. Os comentários estranhos da Leonor não ajudavam.
“O teu gémeo deu-me um abraço antes da sesta.”
“Mãe, a tua voz era diferente quando leste a história do urso e da abelha.”
“O teu cabelo estava muito mais encaracolado esta manhã.”
O que se passava? Atribuía tudo à imaginação dela, mesmo que o meu instinto dissesse o contrário. Não fazia sentido. Era impossível. O Tiago apenas sorria e dizia: “Sabes como são as crianças.” Mas aquele desconforto não me largava.
Uma noite, enquanto ele penteava o cabelo da Leonor depois do jantar, ela olhou para mim.
“Mãe, ela aparece sempre antes da sesta. Às vezes, entram no quarto e fecham a porta.”
“Elas?” perguntei, calma.
“Quem?”
“O pai e a tua cópia!” exclamou. “Disseram-te para não entrares?”
“Não, mas eu espreitei uma vez.”
“E o que estavam a fazer?” perguntei, a tremer antes mesmo de ouvir a resposta.
“Não sei,” disse ela. “O pai parecia estar a chorar. Ela abraçou-o. E depois ele disse uma frase noutra língua.”
Noutra língua? O que se passava na minha casa?
Naquela noite, depois de a Leonor adormecer, fiquei sentada à mesa da cozinha, no escuro, a olhar para o prato sem vontade de comer. A minha cabeça girava como água num ralo entupido, sempre com a mesma pergunta: e se não for só imaginação?
Depois de uma noite em claro, acordei mais cansada do que quando tinha ido para a cama. Com a primeira luz da manhã, fui buscar a antiga câmara de bebé da Leonor, guardada num armário do corredor. Como o Tiago estava em casa, já não precisávamos de babysitter nem de monitor. As minhas mãos tremiam ligeiramente enquanto desembaraçava o cabo. Testei—felizmente, ainda funcionava. Coloquei-a no nosso quarto, escondida na prateleira, no ângulo perfeito.
Liguei para o trabalho e pedi a tarde livre. Era uma mentira, mas não me importava. O meu coração acelerou horas antes de qualquer coisa acontecer. Pouco depois do meio-dia, estava na biblioteca municipal, com o portátil aberto para a transmissão ao vivo. Bebi água e sorri para um par de crianças a esconderem-se entre as estantes. O Tiago e eu também fomos assim—aquela paixão de jovens casal, sempre juntos, sempre sorridentes.
Mas antes que os meus pensamentos fugissem, houve movimento na transmissão. Pus os auscultadores, pronto para ouvir algo—qualquer coisa.
Havia uma mulher. Entrou no meu quarto como se fosse a sua casa. O cabelo era um pouco mais comprido que o meu, o tom de pele ligeiramente mais escuro. Mas aquele rosto… era inegavelmente o meu. Olhei para o ecrã, esperando que falhasse, que houvesse um erro. A minha boca secou. As mãos ficaram geladas. Fechei o portátil e conduzi até casa. Estacionei uma rua antes e corri.
“Não há nada de errado,” murmurei, entrando silenciosamente pela porta das traseiras, escondida na sombra do corredor, o coração aos saltos.
Ouvi risos suaves vindos da sala. Uma voz feminina, macia… a falar num idioma estrangeiro. Avancei, devagar, com passos firmes.
O Tiago estava de pé, de mão dada com a Leonor. Os olhos vermelhos—não de cansaço, mas de choro. Ele sempre foi sensível. Não frágil, apenas… cheio de emoções. Estava a desabafar. E ao lado dele, estava ela. A mulher do vídeo. A minha cópia. A minha igual. A minha… qualquer coisa.
Ela parecia-se comigo como se fôssemos espelhos de universos paralelos. Mais magra, mais quente, um pouco desleixada. Não era uma impostora. Nem sequer era uma estranha.
“Mãe!” gritou a Leonor, radiante. “Surpresa! Chegas-te mais cedo! Não achas que ela é linda? A tua cópia!”
Os olhos da mulher brilhavam. Ela aproximou-se, trémula.
“Peço imensa desculpa… Não queria assustar-te, Matilde,” disse, alongando o meu nome. “Esperei por este momento a vida toda.” A voz dela tinha um sotaque suave—o português era perfeito, mas com uma doçura que soava como música.
O Tiago virou-se para mim, expressão gentil, quase receosa. “Esta é a Camila,” disse, baixinho. “É a tua gémea idêntica.”
Fiquei sem palavras. As pernas já não me sustentavam. Sentei-me no sofá. Primeiro, veio o frio. Depois, o entorpecimento. Por fim, o calor voltou.
Uma gémea? Como?
O Tiago ajoelhou-se ao meu lado, voz grave. “Ela contactou-me há dois meses. Através de um registo de adoção internacional. Estava à tua procura há anos. Não quis sobrecarregar-te de repente.”
Fez uma pausa. Deixei o silêncio dominar a sala. A Leonor também se calou.
“A Camila procurou-me primeiro… só para confirmar. Tive medo. Sim, sei. Ia contar-te naquela noite. Mas entrei em pânico. Temia que nunca me perdoasses.”
Ele contou-me tudo. Sobre o hospital rural onde nasci, um detalhe que a minha memória tinha apagado. Ela falou-me da adoção aberta, da papelada desorganizada, do casal amoroso de Braga que a criou. Foi criada bilingue, estudou em boas escolas, sempre soube que tinha uma irmã algures.
A Camila passou anos à procura. Encontrou um artigo sobre a minhaE no meio de todas aquelas revelações, senti que o meu coração, que antes parecia dividido, agora se enchia de uma alegria silenciosa, como se uma parte de mim, perdida há tanto tempo, tivesse finalmente voltado para casa.