Quando a sua filha de cinco anos começou a falar de um “clone” estranho, Beatriz tentou levar na brincadeira. Até que uma câmera escondida e uma voz suave, falando numa língua que não reconhecia, revelaram um segredo guardado desde o seu nascimento. Esta é uma história comovente e genuína sobre maternidade, identidade e família — daquelas que a gente nem sabia que precisava ouvir.
Naquele dia, ao voltar do trabalho, senti um cansaço que só as mães entendem — aquela fadiga que fica nos olhos, mesmo com um sorriso no rosto. Tirei os saltos, tomei um copo de sumo de laranja e já ia a caminho do sofá quando senti um puxão na minha blusa.
“Mãe,” disse a Catarina, com os olhos arregalados e uma seriedade de gente grande. “Queres conhecer a tua cópia?”
“O quê?” soltei, meio sem reação. A Catarina, com menos de cinco anos, entendia mesmo o conceito de um clone?
“A tua cópia,” repetiu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. “Aparece quando estás no trabalho. O pai diz que ela vem pra ele não ter tanta saudade.”
Achei graça. Aquele riso nervoso que a gente solta quando as crianças dizem coisas estranhas, sem saber se devemos nos preocupar ou não. A Catarina era avançada para a idade, mas havia algo no tom dela, tão natural e confiante, que me deixou com os pelos do braço arrepiados. Aquilo não parecia um amigo imaginário.
O meu marido, o Tiago, estava em licença de paternidade há seis meses. Depois da minha promoção, combinámos que eu trabalharia a tempo inteiro enquanto ele ficava em casa com a Catarina. Fazia sentido. Ele era incrível com ela — paciente, brincalhão, um pai presente. Mas, ultimamente, algo parecia diferente. Eu ignorava os pensamentos intrusivos, mas agora não dava mais. As observações estranhas da Catarina não ajudavam.
“Tua cópia abraçou-me antes da sesta.”
“Mãe, a tua voz era diferente quando contaste a história do urso e da abelha.”
“O teu cabelo estava mais cacheado hoje de manhã, mãe.”
O que se passava?
Atribuí à imaginação dela, mesmo que o meu instinto dissesse o contrário. Não podia ser real. Era impossível. O Tiago só ria e dizia: “Sabes como as crianças são.” Mas aquele frio na barriga? Não ia embora.
Numa noite, enquanto penteava o cabelo da Catarina depois do jantar, ela olhou pra mim e soltou:
“Mãe, ela chega sempre antes da sesta. Às vezes entram no quarto e fecham a porta.”
“Quem?” perguntei, calmamente.
“O pai e a tua cópia!” respondeu. “Disseram-te para não entrares?”
“Mas eu espreitei uma vez,” confessou.
“E o que estavam a fazer?” perguntei, já tremendo antes mesmo de ouvir a resposta.
“Não sei,” disse. “O pai parecia estar a chorar. Ela abraçou-o. Depois ele falou numa língua esquisita.”
Noutra língua? O que se passava na minha casa?
Naquela noite, depois de a Catarina adormecer, fiquei sentada à mesa da cozinha, às escuras, a olhar para o prato sem vontade de comer. Os meus pensamentos giravam em círculos, todos à volta da mesma pergunta: E se não for só imaginação?
Depois de uma noite em branco, acordei mais cansada do que quando deitei. Enquanto a luz da manhã entrava no quarto, peguei na velha câmera de bebé da Catarina, guardada num caixote no armário. Com o Tiago em casa, nunca precisámos de babysitter ou monitor. As minhas mãos tremiam enquanto desembaraçava o fio. Felizmente, ainda funcionava. Coloquei-a na prateleira do quarto, num ângulo discreto.
Liguei para o trabalho e disse que precisava da tarde livre. Era mentira, mas pouco me importava. O meu coração já acelerava horas antes de acontecer algo.
Pouco depois do meio-dia, estava na biblioteca municipal, com o portátil aberto para ver a transmissão ao vivo. Bebi um gole de água e sorri para um par de miúdos a esconder-se entre as estantes. O Tiago e eu também fazíamos isso. Éramos aquelaE quando finalmente abracei a minha irmã, percebi que às vezes a vida nos prega surpresas tão grandes que só mesmo o coração de uma criança consegue enxergar primeiro.