Cinco anos depois de perder minha esposa, eu e minha filha fomos ao casamento do meu melhor amigo. Mas meu mundo desmoronou quando ele ergueu o véu da noiva. Enquanto minha filha sussurrava: “Papai, por que estás a chorar?”, a noiva fixou os olhos em mim — e naquele instante, tudo se desfez.
Nunca planejei ir àquela festa. Foi meu amigo Marcos que me arrastou para lá, jurando que aquilo me “tiraria do buraco”.
Tinha passado a semana a trabalhar em turnos duplos no estaleiro, e o meu corpo parecia ter músculos de cimento.
“Só uma hora”, ele insistiu, quase me atirando pela porta de um apartamento no Chiado. “Depois podes voltar para casa e ser eremita outra vez.”
Engraçado como os maiores momentos da vida surgem quando menos se espera.
A festa estava cheia de gente que nunca deve ter levantado nada mais pesado que uma taça de vinho. Sentia-me deslocado nos meus jeans gastos e camiseta velha.
Foi lá que vi a Inês.
Ela também não era para estar ali. Soube depois que só estava a entregar um recado a uma amiga.
Os nossos olhares cruzaram-se na sala, e alguma coisa se encaixou. Faísca, conexão, seja lá como se chama — eu sabia que a queria na minha vida.
“Quem é ela?”, perguntei ao Marcos, acenando discretamente na direção dela.
Ele seguiu o meu olhar e soltou um assovio baixo. “Inês. Nem penses, homem. A família dela tem metade de Lisboa.”
Mas eu já caminhava na direção dela.
Ela sorriu quando me aproximei, e aquele sorriso atingiu-me como um martelo.
“Chamo-me Tiago”, disse, estendendo a mão.
“Inês”, respondeu, a voz suave mas firme. A mão era pequena na minha, mas o aperto, seguro. “Pareces tão à vontade aqui como eu me sinto.”
Conversámos horas naquela noite.
Não era o que eu esperava — nada daquela arrogância de menina rica, apenas calor genuíno e curiosidade. Quando a noite acabou, eu sabia que estava em apuros.
“Os meus pais iam te odiar”, disse ela, enquanto a acompanhava até ao carro, o luar brincando nos seus cabelos escuros.
“Isso é um problema?”, perguntei.
Ela olhou-me com aqueles olhos que pareciam ver-me por dentro. “Devia ser. Mas acho que não me importo.”
Seis meses depois, casámo-nos. Os pais dela não compareceram. Cortaram relações completamente: nada de herança, nem férias em família.
Mas a Inês apertou-me a mão e disse: “Não quero o dinheiro. Só quero a ti.”
Durante um tempo, foi suficiente.
Mudámo-nos para um T2 pequeno. Eu trabalhava de dia no estaleiro e estudava arquitetura à noite. A Inês arranjou emprego numa galeria local. Éramos felizes — ou eu achava que éramos.
Depois, a Leonor nasceu, e algo mudou.
O calor nos olhos da Inês começou a desaparecer. Ela comparava a nossa vida àquela que deixara para trás.
“A minha colega da faculdade acabou de comprar uma casa no Algarve”, comentou uma noite, enquanto comíamos massa com queijo na nossa cozinha minúscula. A Leonor dormia no berço ao nosso lado.
“Que bom”, respondi, sem levantar os olhos dos projetos que estudava.
“Ela convidou-nos para visitar. Tive de dizer que não tínhamos dinheiro para a viagem.”
As palavras doeram. “Estamos bem, Inês. As coisas vão melhorar.”
“Quando?”, ela retorquiu, a voz afiada. “Quando a Leonor entrar na universidade? Quando nos reformarmos? Estou farta de esperar por ‘melhor’, Tiago.”
As discussões tornaram-se frequentes.
Ela odiava o orçamento apertado e desprezava a nossa vida modesta.
“Não foi isto que eu assinei”, dizia.
Como se eu a tivesse enganado. Como se o amor pagasse as contas.
“Sabias quem eu era quando casaste comigo”, lembrei-lhe numa discussão particularmente cruel.
“Talvez esse tenha sido o problema”, respondeu, fria. “Achei que já terias subido mais na vida.”
No dia seguinte, cheguei a casa mais cedo, para a surpreender com flores. O apartamento estava em silêncio.
A mala e as coisas da Inês tinham desaparecido.
No berço, encontrei um bilhete:
Quero o divórcio. Lamento, mas o nosso casamento foi um erro. Deixei a Leonor com a Dona Margarida, no apartamento ao lado. Podes ficar com ela.
Liguei-lhe cem vezes. Silêncio. Fui até à mansão dos pais dela, frenético e desesperado.
O segurança não me deixou entrar.
“O senhor não é bem-vindo aqui”, disse, quase com pena.
“Por favor, só preciso falar com a Inês”, implorei.
“Peço que se retire.”
Dois dias depois, chegaram os papéis do divórcio. A Inês renunciara aos direitos maternos de Leonor.
Os advogados do pai resolveram tudo com eficiência brutal.
Depois, o golpe final.
Seis meses depois, liguei uma última vez para a casa dos pais dela.
“Ela morreu”, disse a mãe, voz inexpressiva. “A Inês teve um acidente de carro. Não voltes a ligar. Não significaste nada para ela.”
A chamada terminou.
Desabei no chão da cozinha, soluçando até a Leonor acordar e chorar também.
Nem me deixaram ver o túmulo. Ela foi apagada da minha vida como se nunca tivesse existido.
Enterrei-me no trabalho e na Leonor. Terminei o curso e comecei a projetar casas, em vez de só construir. O meu talento começou a destacar-se.
Em três anos, eu tinha o meu próprio escritório. A Leonor cresceu uma menina inteligente e feliz, a imagem da mãe.
Cinco anos passaram. A vida seguiu em frente, e a dor tornou-se apenas uma cicatriz.
Até que chegou o convite.
ONo dia do casamento, quando o véu se ergueu e os nossos olhares se cruzaram novamente, percebi que finalmente podia deixá-la ir — não por ela, mas por mim.