Anos Depois da Perda, Um Casamento Revela uma Verdade Inesperada

Cinco anos depois de perder a minha mulher, a minha filha e eu fomos ao casamento do meu melhor amigo. Mas o meu mundo desmoronou quando ele levantou o véu da noiva. Quando a minha filha sussurrou: “Pai, por que estás a chorar?”, a noiva fixou os olhos em mim — e naquele instante, tudo se partiu.

Nunca tinha planeado ir àquela festa. Foi o meu amigo Rui que me arrastou para lá, prometendo que ia “tirar-me da fossa”.

Tinha passado a semana a fazer horas extras no estaleiro, e o meu corpo parecia ter músculos de cimento.

“Só uma horinha”, disse o Rui, quase a empurrar-me para dentro de um apartamento qualquer no Chiado. “Depois podes voltar para casa e ser eremita outra vez.”

Engraçado como os maiores momentos da vida acontecem quando menos esperamos.

A festa estava cheia de gente que nunca devia ter levantado nada mais pesado que um copo de vinho. Eu, de calças rotas e t-shirt desbotada, sentia-me deslocado.

Foi então que a vi.

A Inês também não devia estar lá. Soube depois que só tinha ido levar uma coisa a uma amiga.

Os nossos olhos cruzaram-se, e algo se encaixou. Faíscas, conexão, como lhe queiram chamar — eu sabia que a queria na minha vida.

“Quem é aquela?”, perguntei ao Rui, acenando discretamente na direção dela.

Ele seguiu o meu olhar e assobiou baixinho. “Inês. Não percas tempo, homem. A família dela é dona de metade de Lisboa.”

Mas eu já estava a caminhar na direção dela.

Ela sorriu quando me aproximei, e aquele sorriso atingiu-me como um tijolo.

“Chamo-me Tiago”, disse, estendendo a mão.

“Inês”, respondeu ela, com uma voz suave mas firme. A mão dela era pequena na minha, mas o aperto era sólido. “Pareces tão à vontade aqui como eu me sinto.”

Conversámos horas naquela noite. Não era o que eu esperava — nada de princesinha mimada, só simpatia genuína e curiosidade — e quando a noite acabou, eu sabia que estava em apuros.

“Os meus pais iam odiar-te”, disse ela, enquanto a acompanhava até ao carro, o luar a brilhar no seu cabelo escuro.

“Isso é um problema?”, perguntei.

Ela olhou para mim com aqueles olhos que pareciam ver-me a alma. “Provavelmente. Mas acho que não me importo.”

Seis meses depois, estávamos casados. Os pais dela não foram ao casamento. Cortaram relações por completo: nem herança, nem férias em família, nada.

Mas a Inês apertou-me a mão e disse: “Não me importo com o dinheiro. Só quero a ti.”

Durante algum tempo, foi suficiente.

Mudámo-nos para um apartamento pequeno de dois quartos. Eu trabalhava no estaleiro de dia e fazia cursos noturnos de design de arquitetura. A Inês arranjou emprego numa galeria local. Éramos felizes — pelo menos, eu pensava que sim.

Depois nasceu a Leonor, e algo mudou.

O brilho nos olhos da Inês começou a desaparecer. Ela comparava a nossa vida à que tinha deixado para trás.

“A minha colega de faculdade acabou de comprar uma casa de férias no Algarve”, comentou uma noite, enquanto comíamos esparguete à bolonhesa na nossa mesa minúscula. A Leonor dormia no berço ao nosso lado.

“Que giro”, respondi, sem levantar os olhos dos meus projetos.

“Ela convidou-nos para lá ir. Tive de dizer que não podíamos pagar a viagem.”

As palavras dela doeram. “Nós estamos bem, Inês. As coisas vão melhorar.”

“Quando?”, perguntou ela, com a voz cortante. “Quando a Leonor for para a universidade? Quando nos reformarmos? Estou cansada de esperar por ‘melhor’, Tiago.”

As discussões tornaram-se mais frequentes. Ela odiava fazer contas e desprezava a nossa vida modesta.

“Não foi para isto que eu casei”, dizia.

Como se eu a tivesse enganado. Como se o amor pagasse as contas.

“Sabias quem eu era quando casaste comigo”, lembrei-lhe numa discussão particularmente feia.

“Talvez aí estivesse o problema”, respondeu, friamente. “Pensei que já terias feito mais pela vida.”

No dia seguinte, cheguei a casa mais cedo, com um ramo de flores para a surpreender. O apartamento estava silencioso.

As malas dela e todas as suas coisas tinham desaparecido.

No berço, estava um bilhete:

Quero o divórcio. Lamento, mas o nosso casamento foi um erro. Deixei a Leonor com a Dona Adelaide, lá do corredor. Podes ficar com ela.

Liguei-lhe cem vezes. Ninguém atendeu. Fui até à mansão dos pais dela, desesperado.

O segurança não me deixou passar.

“Não é bem-vindo aqui, senhor”, disse, quase com pena.

“Por favor, só quero falar com a Inês”, implorei.

“Senhor, vai ter de se retirar.”

Dois dias depois, chegaram os papéis do divórcio. A Inês tinha renunciado aos direitos parentais sobre a Leonor. Os advogados do pai dela trataram de tudo com uma eficiência brutal.

Depois veio o golpe final.

Seis meses depois de ela ter partido, liguei uma última vez para casa dos pais dela.

“Ela já não está aqui”, disse a mãe, com uma voz plana. “A Inês morreu num acidente de carro. Não ligues mais. Nunca significaste nada para ela.”

Desligou.

Desabei no chão da cozinha, a chorar até a Leonor acordar, também aos gritos.

Nem sequer me deixaram ver a campa dela. Foi apagada da minha vida como se nunca tivesse existido.

Enterrei-me no trabalho e em criar a Leonor. Acabei o curso e comecei a projetar casas, em vez de só as construir. O meu talento começou a ser reconhecido.

Em três anos, tinha a minha própria empresa. A Leonor cresceu para se tornar uma menina inteligente e feliz, a cara chapada da mãe.

Cinco anos passaram. A vida continuou, e a dor tornou-se apenas uma mossa ocasional.

Até que chegou o convite.

O Carlos, o meu melhor amigo de há uns anos, ia casar. Tínhamos perdido o contacto quando ele se alistou no exército, mas agora queria-me no seu casamento.

“O que achas, Leonor? Devíamos ir ver o Tio Carlos casar?”, perguntei, enquanto ela pintava.

“Vai haver bolo?”, perguntou, séria.

Ri-me. “Vai, sim. Um bolo enorme e chique.”

“Então temos de ir”, decidiu ela, voltando à sua obra-prima.

O casamento era num resort à beira-mar, tudo flores brancas e brisa do oceano. O Carlos abraçou-me com força quando chegámos.

“Olha só para ti! Tudo crescido e bem-sucedido”, disse, dando-me uma palmadinha no braço. “E esta menina linda deve ser a Leonor.”

A Leonor sorriu, tímida.

A cerimónia foi linda. As cadeiras brancas na praia encheram-se de convidados. A Leonor sentou-se ao meu lado, a balançar as pernas e a brincar com a flor que lhe pus no cabelo.

A música começou, e todos se levantaram.

A noiva desceu o corredor com o véu cobrindo o rosto.

Depois veio o momento.

O Carlos sorriu quando ela se aproximou. Quando ela chegou ao altar, ele ergueu o véu delicadamente.

Parei de respirar. As lágrimas caíram-me pela cara antes de perceber que estava a chorar.

A Leonor olhou para mim, confusa, e eu finalmente consegui sorrir, porque percebi que a única pessoa que realmente importava naquela história era a pequena mão que segurava a minha.

Leave a Comment