Despedi-me do meu marido entre lágrimas… até ouvir o segredo que mudou tudo

Sentei-me num banco de madeira do lado de fora do Hospital Universitário de Coimbra, apertando as mãos até os meus nós dos dedos ficarem brancos. O ar da primavera trazia o cheiro doce das flores das amendoeiras, mas nada disso chegava até mim. O meu marido, Pedro Matias, estava ali atrás daquelas paredes, na unidade de cuidados intensivos, lutando pela vida contra um inimigo que nunca esperámos.

Pedro costumava ser invencível. Era o tipo de homem que trabalhava doze horas por dia a fazer móveis à medida, chegava a casa e ainda tinha energia para cozinhar o jantar. Tinha um sorriso que fazia acreditar que tudo ia ficar bem. Era o meu porto seguro, o meu chão firme. Agora, vendo-o a enfraquecer, sentia-me como se estivesse a afundar na areia movediça.

Há seis meses, pensámos que tínhamos uma vida inteira pela frente. Até que ele chegou a casa uma noite, pálido e exausto. O cansaço persistiu, piorou, e transformou-se em nódoas negras inexplicáveis e noites em que ele mal conseguia respirar. O médico disse palavras que não pareciam reais: anemia plaquetária. O corpo dele estava a destruir a sua medula óssea, desligando a fábrica que produzia o seu sangue. Sem um transplante de células estaminais, disseram-nos, não havia esperança.

Tentei ser forte, segurando a sua mão e sussurrando: *”Vamos superar isto.”* Mas todas as noites chorava sozinha na casa de banho. Porque eu sabia algo que o Pedro não sabia. Ele tinha crescido num orfanato, sem conhecer os pais, sem saber se tinha irmãos. Sem familiares próximos, as hipóteses de encontrar um dador compatível eram quase impossíveis.

A espera podia demorar meses, talvez anos, e o Pedro não tinha esse tempo. Hoje de manhã, o médico chamou-me à parte. As suas palavras trespassaram-me: *”Sofia, estamos a ficar sem opções. Se não encontrarmos um dador em breve…”* Não terminou a frase. Não precisava.

Fiquei ali, com lágrimas a escorrer pelo rosto, sentindo-me completamente inútil. Eu era enfermeira, passava a vida a ajudar os outros a sarar. Mas não conseguia curar o homem que mais amava. A dor já começava a apertar o meu coração com os seus dedos gelados. E então, como se o mundo não fosse cruel o suficiente, ouvi algo. Uma conversa que mudaria tudo.

Conheci o Pedro numa noite em que a vida parecia leve e comum. Tinha acabado o meu exame final de enfermagem e as minhas amigas arrastaram-me até um café em Lisboa. Lembro-me de vê-lo entrar, com as calças manchadas de tinta, e aquele ar calmo que fazia qualquer pessoa olhar duas vezes. Sorriu timidamente quando os nossos olhos se cruzaram e perguntou se podia sentar-se à minha frente. Ficámos a conversar durante duas horas sobre tudo e nada. Quando ele ria, os olhos dele ficavam cheios de luz, e algo dentro de mim soube naquele instante.

Dois anos depois, estávamos debaixo de uma velha oliveira a dizer os nossos votos. Usei os brincos de pérola da minha mãe, e o Pedro chorou quando me viu a aproximar-me. Mudámo-nos para uma casa pequena, em ruínas, que ele insistia que conseguia arranjar sozinho. E conseguiu. Passou fins de semana a lixar o chão, a construir prateleiras e até fez uma cadeira de balanço para mim, de aniversário. Essa cadeira ainda está na nossa varanda.

A vida parecia cheia, mesmo que não fosse perfeita. A única coisa que faltava eram filhos. Tentámos durante anos. Os médicos disseram que o meu corpo não cooperava. A cada teste negativo, sentia-me um pouco mais partida. Mas o Pedro nunca me culpou. Nas noites em que chorava, ele segurava-me e sussurrava: *”Sofia, isto não muda o quanto te amo.”*

*”Mereces uma mulher que te dê uma família,”* soluçava.

Ele levantava então o meu queixo, fitando-me nos olhos. *”Sofia, não me casei contigo pelos filhos. Casei-me por ti. Tu és a minha família.”*

Assim era o Pedro: firme, gentil, desprendido. Quando adoeceu, o mundo que conhecíamos desmoronou-se. E ainda assim, ali deitado, fraco e pálido, ele continuava a tentar ser o forte.

Uma tarde, depois de outra transfusão, o médico deu-me a notícia sombria. Saí para o pátio do hospital, desesperada por ar. Foi então que ouvi. Dois funcionários estavam a conversar, sem perceber que eu podia ouvi-los.

*”Sabes aquele doente da UCI, o Matias? Parece-se muito com um homem que vive em Monsanto. Juro, é como ver a mesma pessoa.”*

O meu coração parou. Monsanto, uma vila pequena a umas horas de distância. Seria uma coincidência? Ou haveria ali família dele, alguém que pudesse ser compatível? Pela primeira vez em semanas, senti algo que não me atrevia a sentir: esperança.

Na manhã seguinte, pedi uma licença de emergência, fiz as malas e conduzi. A estrada deu lugar a caminhos serpenteantes e às colinas verdes de Monsanto. Estacionei perto de uma mercearia, com uma foto do Pedro no telemóvel.

*”Desculpe,”* disse ao dono da mercearia, um homem de cinquenta anos com olhos bondosos. *”Estou à procura de alguém. Não sei o nome dele, mas dizem que se parece com este homem.”* Mostrei-lhe a foto.

Os olhos dele arregalaram-se. *”Deves estar a falar do Tiago Mendes. Vive perto dos campos, na Rua da Igreja. Sim, parece-se mesmo com ele.”*

As minhas mãos tremiam no volante enquanto seguia para o que podia ser a resposta a todas as minhas preces desesperadas. A casa era velha, com paredes rústicas. Bati à porta, e um homem apareceu, mais alto do que esperava, com cabelo castanho claro. Os olhos dele—prendeu-me o ar. Eram do mesmo azul intenso que os do Pedro.

*”Posso ajudar?”* a voz dele era grave, cautelosa.

Estendi o telemóvel com mãos trémulas. *”Este… é o meu marido. Chama-se Pedro Matias. Dizem que se parece consigo.”*

Ele franziu a testa, fixando a imagem. A expressão mudou—confusão, incredulidade, e algo quase doloroso. *”Bem, não vou negar,”* disse, olhando para mim com mais suavidade. *”Quem é você?”*

*”Sofia. Sou a mulher dele. Ele está no hospital. Muito doente. Precisa de um transplante de medula.”* A voz falhou-me. *”Disseram-me que ele não tem família. Mas depois ouvi falar de si e… Tive de vir.”*

Tiago Mendes sentou-se à minha frente, inclinando-se. Olhou para a foto de novo, abanando a cabeça devagar. *”Acho… Acho que ele pode ser o meu irmão.”*

Aquela frase atingiu-me com tanta força que quase não respirei.

*”A nossa mãe,”* explicou ele, *”teve muitos filhos. Quando eu era pequeno, teve outro rapaz. Disse que não o ia criar. Assinou os papéis no hospital e deixou-o lá. Eu era demasiado novo para fazer alguma coisa, mas nunca esqueci. Sempre me perguntei o que lhe aconteceu.”* Passou uma mão pelo rosto, a voz a falhar. *”Nem sequer sabia o nome dele até agora.”*

Os meus olhos encheram-se de lágrimas. *”O Pedro passou a vida à procurar de família. Achava que estava completamente sozinho.”*

Tiago apertou o maxilarTiago levantou-se decidido, pegou nas chaves do carro e disse: “Vamos, agora mesmo, para salvar o meu irmão.”

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