Leonor Martins já tinha trabalhado para famílias abastadas, mas a casa dos Albuquerque era singular. Tudo brilhava—pisos de mármore polido, retratos em molduras de prata de antepassados severos, flores frescas trocadas diariamente por um florista que nunca sorria.
A mansão era silenciosa, exceto pelo tique-taque do relógio de parede no corredor. As tarefas de Leonor eram simples: limpar, cozinhar ocasionalmente e ajudar a Dona Filipa, a governanta, no que fosse preciso. A bebê, Beatriz Albuquerque, ficava sob os cuidados do pai, Rodrigo, e de uma sucessão de babás profissionais. Ultimamente, as babás tinham desistido uma após a outra, murmurando sobre o choro incessante da menina, sua recusa em dormir e as exigências absurdas do pai.
Naquela noite, o pranto durou horas. Leonor não deveria entrar no quarto da bebê, mas não conseguiu ignorar os gritos desesperados vindos de dentro. Entrou em silêncio, o coração apertado ao ver Beatriz no berço—pequenos punhos agitados, o rosto molhado, ofegante entre soluços. “Xii, meu anjo”, Leonor sussurrou, pegando a criança no colo quase por instinto. A menina estava quentinha e tremia, a cabeça afundando no ombro de Leonor como se finalmente tivesse encontrado refúgio. Sentou-se no tapete, balançando devagar enquanto cantarolava uma canção de ninar que não usava há anos. O choro foi se acalmando. Em minutos, a respiração de Beatriz ficou lenta e profunda.
Leonor estava exausta, mas não teve coragem de deitar a menina. Deitou-se no tapete com Beatriz no peito, ambas envolvidas no ritmo suave da respiração. Naquela calma, acabou adormecendo. Não ouviu os passos pesados até que estivessem ao seu lado.
“O que raio pensa que está a fazer?”
A voz era tão cortante que parecia partir o ar ao meio. Leonor acordou de um salto com Rodrigo Albuquerque diante dela, o rosto marcado por uma fúria gélida. Antes que ela reagisse, ele arrancou a bebê de seus braços. O vazio foi como um soco no estômago.
“Nojenta.”
“Não, por favor”, Leonor implorou, levantando-se sobre os cotovelos. “Ela só adormeceu. Chorava sem parar—”
“Não quero saber”, ele cortou, seco. “Você é a criada. Não a mãe. Nada.”
Assim que Beatriz se viu longe de Leonor, soltou um grito. As mãozinhas se abriram no ar, o choro desesperado e agudo. “Calma, Beatriz… Tá tudo bem, flor”, Rodrigo murmurou, desajeitado, mas a menina só chorou mais, se debatendo nos braços dele, o rosto vermelho e suado.
“Por que ela não para?”, ele resmungou.
Leonor falou baixo, mas firme: “Já tentei de tudo. Ela só dorme se eu a segurar. Só isso.”
Rodrigo cerrou a mandíbula. Ficou parado, como se hesitasse em acreditar nela. O choro da bebê ficou mais angustiado.
“Devolva-me ela”, Leonor ordenou, a voz agora firme.
Os olhos dele estreitaram. “Eu disse—”
“Você está a assustá-la”, Leonor interrompeu. “Devolva.”
Rodrigo olhou para a filha, depois para Leonor. Um lampejo cruzou sua expressão—confusão, hesitação e, por fim… derrota. Entregou Beatriz de volta. A menina se aconchegou no peito de Leonor como se ali estivesse seu lugar no mundo. O choro cessou em trinta segundos. Apenas uns soluços esporádicos, antes que adormecesse de vez.
Leonor deitou-se novamente no tapete, balançando devagar, murmurando sem pensar: “Eu sei. Eu sei, pequenina.”
Rodrigo ficou em silêncio, observando. A noite seguiu calma, mas o ar na casa ficou mais pesado. Horas depois, quando Leonor colocou Beatriz no berço, não voltou para o seu quarto. Ficou num canto do quarto até o amanhecer, de olho na menina.
Na manhã seguinte, Dona Filipa entrou sem fazer ruído e parou ao ver Leonor ali. Observou a bebê, depois olhou para Leonor. “Ela só se acalma contigo”, a mulher sussurrou, quase para si mesma.
Rodrigo não falou no café da manhã. A gravata estava torta, e o café, intocado.
Naquela noite, tentaram de novo—primeiro Dona Filipa, depois Rodrigo. Nenhum dos dois conseguiu. Beatriz chorou até a voz ficar rouca. Só quando Leonor apareceu, de braços abertos, é que a menina se calou instantaneamente.
Na terceira noite, Rodrigo esperou do lado de fora do quarto. Primeiro, só ouviu. Nenhum choro. Apenas uma cantiga de embalar, meio cantada, meio sussurrada. Por fim, bateu na porta.
Leonor abriu e saiu para o corredor. “Precisamos conversar”, ele disse baixinho.
Ela cruzou os braços. “O que foi?”
“Devo um pedido de desculpas”, ele falou.
“Por quê?”
“Pela forma como te tratei. Pelo que disse. Foi cruel. E errado.”
Leonor estudou o rosto dele por um tempo antes de responder. “A Beatriz sabe a verdade”, disse finalmente. “Ela não liga para dinheiro ou posição. Só quer carinho.”
“Eu sei”, ele admitiu, os olhos baixos. “Ela não dorme se não se sentir segura.”
Leonor completou: “Ela nãoE, numa manhã de sol, enquanto Rodrigo segurava Beatriz pela primeira vez sem que ela chorasse, Leonor sorriu, sabendo que, finalmente, aquela casa tinha virado um lar.