A vida pode mudar num instante, transformando uma noite comum num pesadelo que nunca vimos chegar. Aprendi esta lição da pior maneira, quando uma simples viagem de volta da casa de um amigo se tornou num acidente catastrófico que me deixou mais perguntas do que respostas. A última coisa que lembro foi cantar junto ao rádio antes de um carro em alta velocidade me atingir numa curva, mergulhando o meu mundo na escuridão.
Acordei num quarto de hospital sem memória do acidente ou da semana e meia que passei em coma. Os médicos disseram que tive sorte por estar viva e não ter ficado paralítica, mas desenvolvi amnésia parcial. Lembrava-me da minha família, dos meus amigos mais próximos e do meu querido cão Tó, mas esquecera-me onde trabalhava, o meu endereço e, mais importante, do homem que afirmava ser o meu noivo.
Dinis estava ali quando acordei, dizendo que estávamos juntos há um ano e meio e que noivarámos. Mostrou-me fotografias nossas e presentes que trocámos, mas nada parecia familiar. A minha mãe confirmou o nosso relacionamento, embora parecesse surpresa por eu não lhe ter contado dos planos de casamento. Apesar das garantias de todos, Dinis era um completo estranho para mim.
Quando finalmente recebi alta, Dinis levou-me para casa, onde Tó, o meu Jack Russell, me esperava. Em vez da alegre reunião que esperava, o cão rosnou e tentou morder Dinis—um comportamento totalmente oposto ao seu jeito dócil. Ele disse que o cão nunca gostara dele, mas aquela explicação não me convenceu.
Nos dias seguintes, surgiram mais sinais de alerta. Dinis substituiu o meu telemóvel avariado mas mudou o número, impedindo-me de contactar os meus amigos. Desencorajou-me de ver alguém, alegando que eu precisava de descanso. Queria apressar os preparativos do casamento, apesar da minha completa falta de memória do nosso relacionamento. O mais perturbador? Tó continuava a reagir mal sempre que Dinis se aproximava.
A verdade veio à tona quando a minha amiga Sónia me visitou, apesar das tentativas de Dinis para nos manter afastadas. Ela revelou que não havia registo da existência de Dinis e que eu nunca mencionara qualquer noivo antes do acidente. Nesse mesmo dia, chegou uma encomenda: um contrato de casamento que daria a Dinis metade dos meus bens em caso de divórcio—uma herança considerável da minha avó.
Chamámos a polícia, que descobriu que Dinis era, na verdade, Hélder, um antigo funcionário de um lar de idosos onde a minha avó passou os seus últimos meses. Ele soube da minha herança e usou a minha amnésia para criar uma identidade falsa. Se não fosse o instinto protetor de Tó, que me alertou de que algo estava errado, teria casado com um estranho e perdido tudo. Por vezes, os nossos animais sabem o que nós não sabemos, e, no meu caso, o ladrar do meu cão salvou-me de uma deceção devastadora. Nunca subestimem a lealdade de quem nos ama sem palavras.