Nas profundezas da região do Douro, onde os bosques sussurram histórias e os rios tecem padrões de prata, escondia-se a aldeia de Vale do Sol. As suas ruas, como ossos antigos, secavam sob o sol do tempo. A juventude há muito fugira para as cidades, como água por entre fendas, deixando apenas viúvas idosas—aquelas cujos corações batiam ao som dos sinos da capela abandonada. Tinham mais de setenta, muitos já com oitenta, mas os seus olhos, como brasas na cinza, ainda guardavam uma centelha de vida. Raramente, no calor de julho, chegavam netos—rosados, barulhentos, com malas cheias de agitação urbana.
Entre eles estava Leonor—uma menina de cabelos como trigo maduro e olhos que refletiam a profundidade dos lagos de xisto. Os pais, médicos do Porto, mandavam-na todos os verões para a avó Matilde, certos de que o ar de Vale do Sol, impregnado de alecrim e aleluia, a fortaleceria como um carvalho. A casa de Matilde ficava na extremidade da aldeia, onde os campos se encontravam com um denso pinhal. No quintal, apenas a vaca Carlota, galinhas de crista colorida e a gata Preta, cujas cicatrizes no focinho contavam histórias de batalhas com raposas.
Mas numa manhã, quando o orvalho ainda não evaporara, Preta trouxe do bosque um pacote tremeluzente entre os dentes. Matilde, enxugando as mãos no avental, exclamou:
—Meu Deus, mas é um rato!
Leonor, ajoelhando-se, viu—entre o pelo negro, patas rosadas e olhos ainda fechados, como duas pérolas.
—Avózinha, não é um rato! É… um lobito!
E era verdade: pequeno, quase sem vida, agarrava-se à mão da menina como um gatinho. Preta, arqueando o lombo, ronronava como se o tivesse parido. Talvez o encontrara no bosque—abandonado pela mãe ou perdido na tempestade. As gatas às vezes confundem lobitos com gatos, dando-lhes um amor que não sabe criar predadores.
—Vamos ficar com ele, avó! — suplicou Leonor, apertando-o contra o peito. —Eu cuido dele, prometo!
Matilde suspirou, olhando a neta, cujas faces coravam de alegria. Como negar algo a quem vê o mundo como um presente?
Assim chegou Brisa—nome inventado por Leonor ao ouvir o vento cantar nos pinheiros. Alimentava-o com mamadeira, enrolava-o num xaile, e Preta ensinou-o a saltar o muro e limpar o focinho. Brisa cresceu copiando os gatos—dormia enrolado, ronronava e caçava borboletas. Mas a cada dia, o lobo nele despertava—o pelo engrossava, o olhar afiava-se, os passos silenciavam.
Aos dezasseis, Leonor já não vivia sem Vale do Sol. Os pais não a deixavam levar Brisa para o Porto, mas ela visitava a avó toda semana. O lobo, agora um animal alto e prateado, esperava-a no portão como se conhecesse o horário do autocarro. Não ladrava—apousava a cabeça no seu colo, e ela contava-lhe sobre a escola, sonhos, o peso da cidade.
Num entardecer de julho, o sol derretia o horizonte quando Leonor voltava da vila. O autocarro, um velho Mercedes, parou na estrada escura.
—Avariou. — o motorista resmungou. —São três quilómetros a pé.
Ela não temia o bosque. Mas quando as luzes da aldeia brilharam ao longe, um ronco surgiu atrás. Um jipe preto surgiu da escuridão. Um homem, com camisa amarrotada e cheiro a álcool, agarrou-lhe o pulso.
—Eu levo-te.
—Não, obrigada. — ela recuou, mas ele já a empurrava para dentro.
Quando o jipe virou para um trilho, Leonor gritou. Correu até os espinhos lhe arranharem o rosto. Ele alcançou-a. Mas então, das sombras, um vulto prateado atacou.
Brisa.
Lançou-se ao homem como um furacão. Os dentes cravaram-lhe o braço, atirando-o contra uma árvore. O homem guinchou, mas o lobo rasgava-lhe a roupa, chegando-lhe à garganta. No último instante, o homem fugiu para o jipe, desaparecendo na noite.
Leonor tremia, abraçada ao pescoço de Brisa. O pelo dele cheirava a resina e calor, e o coração batia tão forte que abafava os guinchos das corujas.
—Salvaste-me… — sussurrou, enterrando os dedos na sua juba.
O lobo lambeu-lhe as lágrimas—salgadas como o mar.
De manhã, Matilde ouviu a história e benzou-os três vezes.
—Ele não é lobo. — disse a velha, olhando o animal que não saía de perto. —É um anjo de pele.
Desde então, em Vale do Sol, dizia-se: se ouvires um lobo prateado uivar, foge. Mas se ele guardar uma casa, ali vive uma alma que nem a escuridão ousa tocar. Leonor, agora professora, levava livros e crianças à aldeia, para que não esquecessem—ainda há lugares onde o bem é mais forte que o medo.
E todas as noites, quando o sol se afogava no xisto, Brisa deitava-se à porta, vigiando o sono da menina que um dia lhe chamou “lar”.