O hospital estava cheio naquela manhã, com pessoas a preencher papéis e a esperar nas filas. A minha mulher, Beatriz, estava marcada para análises ao sangue e à urina. Quando ela entrou na sala de exames, fiquei do lado de fora, com o coração aos saltos, sem perceber porquê, mas sentia uma inquietação invulgar.
Cerca de dez minutos depois, o médico de serviço — um homem de meia-idade com um rosto sereno — saiu e chamou-me. Levantei-me à pressa, pensando que talvez precisasse de mais detalhes sobre o histórico clínico da Beatriz. Porém, ele aproximou-se, baixou a voz e murmurou no meu ouvido:
“Senhor… chame a polícia. Agora mesmo.”
Fiquei imóvel. Mil perguntas explodiram na minha mente. Chamar a polícia? Isso significava que não era apenas uma doença? Gaguejei:
“Doutor… o que se passa?”
O seu olhar grave e intenso trespassou-me:
“Mantenha a calma. A sua esposa está segura, mas os resultados e certos sinais no corpo dela levam-nos a suspeitar… que foi vítima de envenenamento prolongado. Isto é um caso criminal. Não a podemos deixar sair antes da polícia chegar.”
As minhas pernas amoleceram. O coração doía-me e a cabeça girava. Vítima? Como era possível eu não ter percebido nada?
O médico pousou uma mão no meu ombro e falou baixo:
“Você é o marido dela, mas para a proteger, precisa de manter a compostura. Não lhe diga nada ainda. Precisamos de tempo até as autoridades chegarem.”
Com as mãos trémulas, marquei o número da polícia. A voz cortou-se enquanto tentava explicar o que o médico me dissera. A operadora acalmou-me:
“Fique tranquilo, a viatura já está a caminho.”
Dez minutos depois, dois agentes entraram no hospital. Falaram com o médico e pediram-me para esperar no corredor. Fiquei a olhar para a porta fechada, como se o tempo tivesse parado. Mil pensamentos cruzavam-se na minha cabeça: Quem faria isto à Beatriz? Como é que eu não reparei?
Finalmente, chamaram-me. A Beatriz estava ali, pálida, com os olhos cheios de lágrimas, evitando o meu olhar. O médico suspirou e explicou com cuidado:
“Durante o exame, detetámos alterações no corpo dela que não são compatíveis com uma doença comum. São resultado de um envenenamento lento. Por isso pedi para chamar a polícia.”
Fiquei sem voz. A mente ficou em branco, só um nó na garganta. Peguei na mão dela, que tremia, e perguntei:
“Quem te fez isto?”
Ela desfez-se em lágrimas:
“Não sei ao certo… mas ultimamente, sempre que bebia o copo de água que ficava na cozinha, sentia tonturas e náuseas. Pensei que fosse cansaço. Não quis preocupar-te… Nunca imaginei…”
As lágrimas rolaram-me pelo rosto. Senti raiva, impotência, mas acima de tudo, uma dor profunda. A pessoa com quem eu partilhava a vida estava a sofrer, e eu não vi. A polícia tomou nota, pediu para recolher objetos da nossa casa como prova e começou a investigação.
Naquele dia, percebi que a vida da Beatriz foi salva graças à atenção e profissionalismo daquele médico. Sem aquele aviso, talvez nunca descobrisse a verdade. Apertei-lhe a mão e disse:
“Descansa. Enquanto eu estiver aqui, ninguém te voltará a magoar.”
Nos dias seguintes, ela começou a desintoxicação. Estava muito fraca, mas aos poucos a visão ia melhorando. A polícia trabalhava afincadamente para encontrar o culpado. Eu passava noites em claro, entre a preocupação e a esperança de que tudo se resolvesse.
Numa dessas noites, ao lado da sua cama, ela pegou-me na mão e disse, com os olhos húmidos:
“Obrigada… se não tivesses insistido para eu vir, talvez já não estivesse aqui.”
Abracei-a com força, contendo a emoção:
“Não, foi o médico que te salvou. Mas prometo-te que nunca mais vais enfrentar nada sozinha.”
Naquele quarto branco, com o som constante dos aparelhos a monitorizar o coração dela, senti uma estranha paz. Sabia que ainda havia desafios pela frente, mas tinha a certeza de que, enquanto estivéssemos juntos, nada nos iria derrubar.