Três Irmãos Criados Iguais – Até que Um Revelou Lembranças Inexplicáveis

**15 de Outubro, 2024**

Todos sempre brincavam que precisaríamos de laços coloridos para distingui-los.

Então, fizemos isso — azul, verde, vermelho.

Três cópias perfeitas, até os mesmos covinhas.

Completavam as frases um do outro.

Tinham sua própria linguagem.

Compartilhavam tudo.

Era como criar uma única alma em três corpos.

Mas há algumas semanas, o Verde — o Tomás — começou a acordar chorando.

Não era de pesadelos.

Era de memórias.

Foi assim que ele as chamou.

Dizia coisas como: “Lembra da casa velha com a porta vermelha?” Nunca tivemos uma porta vermelha.

Ou: “Por que não vamos mais à casa da Dona Adelaide? Ela sempre me dava rebuçados de hortelã.” Não conhecíamos nenhuma Adelaide.

Na noite passada, olhou para mim e murmurou: “Sinto falta do carro antigo do pai. Aquele verde com o pára-choques amassado.”

Fiquei paralisado.

Não estava a falar do meu carro.

Eu conduzo um Renault.

E nunca houve um carro verde na nossa família.

A princípio, achámos que era imaginação.

Eles tinham sete anos.

Contavam histórias malucas o tempo todo — navios piratas, dinossauros no sótão, fadas debaixo da varanda.

Mas isto era diferente.

Os olhos do Tomás ficavam vidrados quando falava, como se estivesse noutro lugar.

Não estava a tentar impressionar ninguém.

Acreditava genuinamente no que dizia.

A minha mulher, a Beatriz, tentou acalmá-lo.

“Talvez tenhas sonhado, querido. Às vezes, os sonhos parecem reais.”

O Tomás abanou a cabeça devagar.

“Não. Eu lembro-me. A porta vermelha chiava quando a abríamos. A mãe pedia para não batermos com força.”

“A mãe” era eu.

Mas ele não olhava para mim ao dizer isso.

Era como se eu tivesse desaparecido, substituída por outra pessoa na sua mente.

A Beatriz e eu começámos a anotar tudo o que ele dizia.

Íamos falar com o pediatra.

Talvez até um psicólogo infantil, se continuasse.

Depois, o Tomás começou a desenhar.

Páginas e páginas de uma casa com uma porta vermelha.

Sempre os mesmos detalhes: uma chaminé com hera, um caminho de pedra, um jardim cheio de cravos.

Os irmãos, o Miguel e o João, espreitavam por cima do ombro dele e diziam: “Que casa fixe”, mas não pareciam perturbados.

O Tomás não estava assustado.

Apenas… triste.

Como se lhe tivessem tirado algo precioso.

Um sábado de manhã, encontrei-o na garagem, a revirar caixas.

Olhou para mim, as mãos cheias de pó.

“Ainda temos a minha luva de basebol?”

“Não jogas basebol, filho”, respondi com cuidado.

“Jogava. Antes de cair.”

Abaixei-me.

“Antes de quê?”

“Antes de cair da escada. A que o pai disse para eu não subir.”

Tocou a parte de trás da cabeça.

“Doeu muito.”

Fi-lo em silêncio.

Havia uma certeza tranquila na voz dele.

Nem medo.

Nem confusão.

Apenas… lembrança.

Marcámos uma consulta com a Dra. Sofia, a pediatra.

Ela ouviu com atenção, anotou tudo e recomendou um psicólogo infantil especializado em memórias precoces.

“Não estamos a sugerir que haja algo errado”, garantiu.

“Mas se estas recordações o perturbam — ou distorcem a sua realidade — vale a pena investigar.”

Marcámos a sessão.

O psicólogo, o Dr. Tiago Castro, era caloroso e gentil.

O Tomás gostou dele logo.

Após duas consultas, ele disse-nos em particular: “Isto não é uma brincadeira imaginária comum. Ele descreve coisas com um nível de detalhe e consistência que sugere uma memória profundamente enraizada. Alguns chamam-lhe memória de vidas passadas, embora saiba que é controverso.”

Vidas passadas? Quase me ri.

Queria uma explicação médica.

Um desvio cerebral.

Imaginação fértil.

Não… reencarnação.

Mas o Dr. Castro não defendia nenhuma teoria.

Apenas disse: “Seja qual for a origem, ele está a processar algo muito real para ele. Não o desvalorizem.”

Naquela noite, pesquisei: “Crianças que se lembram de vidas passadas.”

Encontrei inúmeras histórias.

Um rapaz que se lembrava de morrer num acidente de carro.

Uma menina que falava sueco fluentemente sem nunca o ter ouvido.

Pais como nós, divididos entre a lógica e algo mais estranho.

Um artigo mencionava uma investigadora chamada Dra. Isabel Santos, que entrevistava crianças com experiências semelhantes.

Ela vivia a duas horas de distância.

Mandei-lhe um email.

Ela respondeu no dia seguinte.

“Gostaria de falar com o seu filho.”

Marcámos uma videochamada.

O Tomás, tímido no início, escondia-se atrás de mim, mas a Dra. Santos tinha um jeito calmo.

Fez perguntas simples.

“Lembras-te do teu nome daquela vez?” O Tomás acenou.

“Rui.”

“E o apelido?” O Tomás franziu a testa.

“Algo como Matias. Ou Martins. Não me lembro bem.”

“Onde vivias?”

“Na casa com a porta vermelha. Em Braga. Perto dos comboios.”

Nós vivíamos em Lisboa.

Nenhum de nós alguma vez tinha estado em Braga.

A Dra. Santos perguntou se ele se lembrava de mais alguma coisa — escola, amigos, o que lhe acontecera.

Hesitou, depois sussurrou: “Não devia ter subido à escada. Mas queria arranjar a bandeira. Caí. A minha cabeça…”

Tocou o mesmo lugar outra vez.

Depois, afastou o olhar, calado.

A Dra. Santos disse que investigaria.

Tinha acesso a registos antigos e conhecia casos assim.

Três dias depois, telefonou-me.

“Encontrei um Rui Matias. Viveu em Braga. Morreu em 1992. Tinha sete anos. Caiu de uma escada no quintal. Fratura no crânio.”

Um arrepio percorreu-me a espinha.

Ela mandou-me o obituário por email.

Havia até uma foto desfocada.

O rapaz parecia assustadoramente com o Tomás.

Os mesmos olhos.

A mesma covinha.

Não sabia como processar aquilo.

Não queria assustar o Tomás — nem os irmãos.

Contei à Beatriz.

Passámos a noite acordados a conversar.

Ela chorou.

Não de medo.

De algo mais difícil de nomear.

Talvez luto.

Confusão.

Espanto.

Na manhã seguinte, o Tomás entrou na cozinha e disse:

“Acho que não vou ter mais os sonhos.”

“Porquê, filho?” perguntou a Beatriz.

“Porque acho que lembrei-me de tudo o que precisava.”

Parecia mais velho do que sete anos.

Como se tivesse fechado um capítulo.

A partir daquele dia, as memórias pararam.

Não voltou a falar da porta vermelha ou do carro verde.

Voltou a desenhar dinossauros, não casas.

A brincar às apanhadas com os irmãos.

A rir como se nada tivesse acontecido.

Não pressionámos.

Deixámos ir.

Meses passaram.

Até que, uma tarde, recebi uma carta pelo correio.

SemDentro, havia uma fotografia desbotada de uma casa com uma porta vermelha, um caminho de pedra e um jardim cheio de cravos, e uma nota escrita à mão: *“Pensei que quisesses guardar isto.” — D. Adelaide.*

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