**Diário de um Homem**
Eu e a minha mulher, a Luísa, estamos casados há oito anos. Nunca tivemos muito, mas a nossa casinha em Braga estava sempre cheia de risos e amor. O Luís era um homem calado — daqueles que chegava do trabalho, abraçava a nossa filha, beijava-me na testa e nunca se queixava de nada.
Mas, há uns meses, comecei a notar que algo não estava bem. Estava sempre cansado, comichão nas costas sem parar, e coçava-se tanto que as camisas ficavam cheias de marcas. Pensei que não era nada — talvez picadas de mosquitos ou alergia ao detergente da roupa.
Até que, uma manhã, enquanto ele dormia, levantei a sua camisa para passar um pouco de creme — e congelei.
Havia pequenas borbulhas vermelhas nas suas costas. No início, eram só algumas. Mas, com os dias, apareceram mais — dezenas delas, agrupadas em padrões estranhos e simétricos. Pareciam quase ovos de insetos debaixo da pele.
O meu coração disparou. Algo estava muito errado.
«Luís, acorda!» sacudi-o, em pânico. «Temos de ir ao hospital, agora!»
Ele riu-se, sonolento. «Calma, amor, é só uma irritação.»
Mas eu recusei-me a aceitar. «Não», disse, a tremer. «Nunca vi nada assim. Por favor, vamos.»
Corremos para as urgências do Hospital de São João. Quando o médico levantou a camisa do Luís, a sua expressão mudou num instante. O médico, antes calmo, ficou pálido e gritou para a enfermeira:
«Chamem a polícia — já!»
O meu sangue gelou. Chamar a polícia? Por causa de uma irritação?
«O que se passa?» gaguejei. «O que ele tem?»
O médico não respondeu. Em segundos, mais dois profissionais entraram a correr. Cobriram as costas do Luís com lençóis estéreis e começaram a questionar-me, urgentemente:
«O seu marido teve contacto com produtos químicos recentemente?»
«O que é que ele faz no trabalho?»
«Mais alguém na família teve sintomas iguais?»
A minha voz tremia quando respondi: «Ele trabalha na construção civil. Está num novo projeto há uns meses. Tem andado cansado, mas pensámos que era só do trabalho.»
Quinze minutos depois, chegaram dois agentes da PSP. A sala ficou em silêncio, só o barulho das máquinas a ecoar. As minhas pernas falharam. Porque estava ali a polícia?
Depois de uma espera interminável, o médico voltou. Falou com calma, mas firme:
«Senhor Fernandes», disse, suavemente, «não entre em pânico. O seu marido não tem uma infeção. Estas marcas não surgiram naturalmente. Acreditamos que alguém fez isto de propósito.»
Senti o corpo ficar dormente. «Alguém… fez isto?»
Ele confirmou. «Suspeitamos que ele foi exposto a uma substância química — possivelmente algo corrosivo que lhe foi aplicado diretamente na pele. Causou esta reação tardia. Trouxeram-no a tempo.»
Lágrimas escorriam-me pelo rosto. «Mas quem o faria? E porquê?»
A polícia começou a investigação de imediato. Perguntaram sobre os colegas, a rotina, alguém que tivesse tido acesso a ele no trabalho. Foi então que me lembrei — ultimamente, o Luís chegava a casa mais tarde. Dizia que ficava «a arrumar o estaleiro». Uma vez, senti um cheiro forte a químicos na roupa dele, mas ele ignorou.
Quando mencionei isso, o agente trocou um olhar grave com o médico.
«É isso», murmurou o detetive. «Não foi acidental. Alguém provavelmente aplicou um composto corrosivo na pele dele — diretamente ou através da roupa. Foi um ataque.»
As minhas pernas fraquejaram. Apeguei-me à cadeira, a tremer.
Após alguns dias de tratamento, o Luís estabilizou. As borbulhas começaram a desaparecer, deixando cicatrizes suaves. Quando finalmente conseguiu falar, pegou na minha mão e sussurrou:
«Desculpa não te ter falado antes. Há um homem no estaleiro — o capataz. Andava a pressionar-me para aprovar faturas falsas de materiais que nunca chegaram. Recusei. Ele ameaçou-me, mas nunca pensei que faria algo assim.»
O meu coração partiu-se. O meu marido, bondoso e honesto, quase tinha morrido por se recusar a ser corrupto.
A polícia confirmou tudo mais tarde. O homem — um subempreiteiro chamado Rui Damásio — tinha espalhado um irritante químico na camisa do Luís enquanto ele se mudava no estaleiro. Queria «dar-lhe uma lição» por não colaborar.
O Rui foi detido, e a empresa abriu um inquérito interno.
Quando soube, não sabia se sentir alívio ou raiva. Como podia alguém ser tão cruel — tudo por um punhado de dinheiro sujo?
Desde esse dia, nunca mais dei os momentos com a minha família como garantidos. Antes, achava que segurança era trancar a porta e evitar estranhos. Agora sei que, por vezes, o perigo esconde-se naqueles em quem achamos que podemos confiar.
Até hoje, quando me lembro daquele momento — o médico a gritar «Chamem a polícia!» —, sinto o peito apertar. Mas foi esse instante que salvou a vida do Luís.
Ele costuma dizer-me agora, enquanto passa os dedos pelas cicatrizes nas costas:
«Talvez Deus tenha querido lembrar-nos do que realmente importa — que ainda temos um ao outro.»
Aperto-lhe a mão e sorrio, com lágrimas nos olhos.
Porque ele tem razão. O amor verdadeiro não se prova nos dias tranquilos — aparece na tempestade, quando nos recusamos a soltar as mãos um do outro.





