Na mansão Lobo não se ouviam risos de meninas, apenas gritos de babás pedindo demissão. Essa era a frase que corria entre os empregados e vizinhos da luxuosa residência de Eduardo Lobo, um dos empresários mais poderosos do país. Em apenas um mês, dez babás haviam passado por aquelas portas e todas saíram apavoradas. O problema não era o salário. Lobo pagava fortunas, nem pela falta de conforto, mas sim pelas três pequenas criaturas que habitavam a ala norte. Leonor, Beatriz e Matilde, as filhas do milionário. Tinham 7 anos, eram trigêmeas idênticas na aparência, mas muito diferentes no carácter.
Leonor, a mais velha por minutos, mantinha sempre o cenho franzido como se estivesse em guerra com o mundo. Beatriz, a do meio, era a mais travessa, especialista em peças pesadas. Matilde, a mais nova, era silenciosa, com olhos enormes que pareciam guardar segredos grandes demais para uma criança. Juntas haviam transformado a mansão num campo de batalha. Derramavam jarros de água sobre as babás, escondiam seus sapatos, enchiam as camas com farinha, gritavam em coro até romper a paciência de qualquer um.
Mas a verdade que ninguém via era outra. Essas meninas não eram monstros, eram órfãs de mãe e cada travessura era um grito disfarçado de dor. Naquela manhã, uma nova cena de caos se desenrolava no corredor principal. A última babá, com os cabelos cobertos de tinta verde, corria chorando enquanto arrastava sua mala. “São endemoninhadas, não há quem as aguente”, gritava ao empurrar a porta de saída. As trigêmeas, escondidas atrás de uma coluna, riam às gargalhadas. Beatriz batia palmas com orgulho. Onze minutos. Durara menos que a anterior. Leonor, porém, não ria tanto. “O pai vai dizer que somos um problema.” Matilde baixou a voz quase num sussurro. “O pai já acha que somos.”
No escritório, Eduardo Lobo observava pela janela com expressão dura, alto, de cabelo engomado e terno impecável, parecia uma estátua de aço. O mordomo Manuel entrou com cautela. “Senhor, a senhorita Ferreira desistiu.” Eduardo apertou a mandíbula. “A décima em um mês.” “Sim, senhor.” O milionário virou-se bruscamente. “E o que estão esperando? Arranjem outra.” Manuel engoliu em seco. “Com respeito, senhor, nenhuma aguenta. Dizem que as meninas são impossíveis.” Os olhos de Eduardo endureceram ainda mais. “Não são elas, são as babás, fracas, incapazes.” Deixou-se cair na poltrona de couro e murmurou, mais para si que para o mordomo. “Se Isabel estivesse aqui, nada disso aconteceria.” O nome da falecida esposa pairou na sala como um fantasma.
Na ala norte, as trigêmeas se escondiam no quarto, abraçadas. Apesar de terem rido da travessura, um peso as esmagava por dentro. “A mãe não deixaria que trocássemos de babá o tempo todo”, sussurrou Matilde. “A mãe já não está”, respondeu Leonor com dureza, embora a voz tremesse. Beatriz escondeu o rosto entre as mãos. “Só quero que o pai olhe para nós outra vez.” Nenhuma respondeu. O silêncio tornou-se insuportável.
Enquanto isso, na portaria da mansão, um táxi parava. Dele desceu uma jovem com uma mala pequena e roupas simples. Chamava-se Catarina. Não vinha de agências de luxo nem trazia cartas de recomendação, apenas respondera a um anúncio desesperado. Ao ver a imensidão da mansão, engoliu em seco. Não parecia o tipo de lugar onde alguém como ela pudesse se encaixar. O guarda zombou ao vê-la. “Você, a nova babá, não dura três dias.” Catarina olhou-o nos olhos e, com uma calma que surpreendeu o homem, respondeu: “Não vim para durar, vim para ficar.”
O que ninguém sabia ainda era que aquela mulher humilde iria romper o muro de gelo que nem o dinheiro, nem as babás anteriores, nem mesmo Eduardo haviam conseguido atravessar. E que graças a ela, as três pequenas invisíveis voltariam a ser vistas. O portão de ferro fechou-se com um golpe seco atrás do táxi. Catarina respirou fundo e observou a mansão diante dela – um edifício imponente com janelões altos e jardins tão perfeitos que pareciam pintados. Apertou a mala contra o corpo como se fosse um escudo.
Manuel, o mordomo, recebeu-a com olhar céptico. “Senhorita Catarina, não? Adianto desde já: aqui ninguém dura. As meninas… Bem, verá por si mesma.” Catarina apertou os lábios. “Não se preocupe, sei lidar com crianças.” O homem soltou uma risada breve, carregada de ironia. “Todas dizem isso antes de fugir correndo.”
Na ala norte, ao abrir a porta, Catarina encontrou três pares de olhos cravados nela. Leonor, Beatriz e Matilde estavam sentadas em fila, idênticas com seus vestidos impecáveis como bonecas de porcelana. Nenhuma sorriu, nenhuma falou. Beatriz quebrou o silêncio com voz zombeteira: “Não vais durar três dias como todas.” As outras duas riram com cumplicidade. Catarina não se intimidou. Ajoelhou-se até ficar à altura delas. “Então esses três dias terão de ser os melhores das vossas vidas.”
A primeira prova veio minutos depois. Beatriz derramou de propósito um copo de sumo no tapete. “Oi, derramei”, disse com malícia. Catarina, em vez de ralhar, sentou-se no chão e começou a limpar com um guardanapo. “Não tem problema. Os tapetes têm sorte quando se sujam – significa que alguém vive aqui.” As três meninas ficaram mudas. Estavam acostumadas a gritos, repreensões ou castigos, não a alguém que reagisse com calma.
No jantar, outra emboscada. As trigêmeas trocaram o sal por açúcar no saleiro. Quando Catarina provou a sopa, disfarçou o susto. “Que invenção interessante”, disse com um sorriso. “Quem foi a grande chef?” Beatriz gargalhou enquanto Leonor tentava manter a seriedade. Matilde cobriu a boca para esconder um riso.
De um canto, Eduardo Lobo observava a cena em silencio. Não estava acostumado a ver as filhas rirem daquele jeito. “Não vai durar”, murmurou para o mordomo. Mas no fundo, algo nele vibrou. Fazia anos que não ouvia aquele tipo de riso em sua casa.
Naquela noite, enquanto as trigêmeas dormiam, Matilde sussurrou no escuro: “E se ela ficar mais de três dias?” Leonor bufou: “Ninguém aguenta tanto.” Beatriz, pensativa, enrolou-se sob os lençóis: “Mas seria bom se ficasse.” O silêncio reinou. Pela primeira vez em muito tempo, uma centelha de esperança entrara no coração das três meninas.





