Grávidas dão azar a carros novos! Saiam daqui!” gritou o homem, batendo a porta do veículo.6 min de lectura

A esposa, Leonor Mendes, com seis meses de gravidez, ficou parada à beira da estrada. As mãos tremiam-lhe enquanto segurava a barriga, os olhos arregalados de incredulidade.

Era para ter sido uma noite feliz. O Afonso acabara de buscar o carro de luxo da concessionária no centro do Porto. A Leonor sorrira o dia todo, ansiosa por dar o primeiro passeio com o marido. Imaginara-os a rir, a falar de nomes para o bebé e a sonhar com a futura família.

Mas o sonho desfez-se no momento em que o Afonso travou bruscamente numa rua tranquila do subúrbio.

“Sai já do carro!”, rosnou.
A Leonor pestanejou, pensando que fosse brincadeira. “Afonso… o que estás a dizer? Está escuro aqui fora. Eu não—”
“Estou a falar a sério!”, cortou ele, num tom cortante. “Vais estragar a sorte do meu carro novo. Não devias ter vindo.”

Desapertou-lhe o cinto e praticamente a empurrou para fora do lugar. A Leonor tropeçou, mal conseguindo manter-se em pé. A porta bateu com força, e o Afonso acelerou, as luzes traseiras a desaparecer na noite.

Por momentos, Leonor ficou imóvel sob o candeeiro da rua. Depois, a realidade caiu sobre ela como uma onda. Ele deixara-a mesmo ali. O marido — o homem que um dia se ajoelhara para beijar-lhe a barriga e sussurrar promessas de eternidade — abandonara-a por causa de uma superstição.

O vento era frio. Envolveu-se nos próprios braços, sentindo humilhação e dor. Uma pontada forte no ventre fez-lhe encolher-se, e o pânico subiu-lhe pelas veias. “Por favor, não agora”, murmurou. “Por favor, meu amor, fica calmo.”

Um carro abrandou ao seu lado. O vidro baixou, revelando uma senhora de meia-idade com olhos bondosos. “Minha querida, estás bem? Precisas de ajuda?”

A Leonor hesitou, mas a preocupação na voz da mulher quebrou o seu orgulho. “Sim… por favor”, sussurrou.

A mulher, Catarina Almeida, ajudou-a a entrar no carro e ofereceu-lhe água. Durante a viagem silenciosa até casa, o telemóvel da Leonor vibrou. Era o Afonso.

“Não chores. Vais superar isto.”
“Já te disse, não quero que estragues o meu carro novo.”
“Deixa de drama.”

Cada mensagem era como uma facada no coração.

A Catarina reparou nas lágrimas silenciosas de Leonor e disse, com suavidade: “Querida, um homem que te trata assim não merece ser pai. Tu e o teu bebé merecem paz.”

Naquela noite, Leonor sentou-se no sofá do pequeno apartamento, a olhar para a parede sem ver. Percebeu a verdade que ignorara por demasiado tempo: a arrogância do Afonso não era nova — apenas mostrava a sua verdadeira face.

E, ao passar a mão lentamente pela barriga, sussurrou: “Não vou deixar que cresças neste tipo de crueldade.”

Na manhã seguinte, o Afonso agiu como se nada tivesse acontecido. Assobiava na cozinha enquanto navegava por críticas de carros no telemóvel. “Devias ter visto as caras na concessionária”, disse, orgulhoso. “Todos olharam quando saí. Aquele carro é um monstro.”

A Leonor ficou sentada à mesa, pálida e silenciosa, a mexer o chá. Os olhos inchados de tanto chorar, mas o Afonso nem percebeu — ou importou-se.

“Porque estás assim? Já te disse para não exagerar. Andas muito emocional ultimamente. Sê grata por eu te sustentar.”

A Leonor não disse nada. Mas, por dentro, o coração endureceu. Percebera que não restava bondade naquele homem. Apenas ego.

Naquela tarde, quando o Afonso saiu para o trabalho, ligou ao irmão, Tiago Mendes. O Tiago nunca gostara do Afonso; vira a sua arrogância desde o início. Quando a Leonor lhe contou o que acontecera, houve silêncio do outro lado da linha.

Por fim, o Tiago disse: “Faz as malas. Vens para cá. Não vou permitir que esse homem te trate assim.”

As mãos da Leonor tremeram enquanto empacotava as roupas. Cada pontapé do bebé lembrava-lhe porque tinha de ser forte. Olhou em volta — cada fotografia, cada memória — e percebeu que já não pertencia àquele lugar.

Antes de sair, deixou um bilhete manuscrito em cima da mesa da cozinha:

“Escolheste o carro em vez da família. Não vou deixar que escolhas também pelo meu filho. —Leonor.”

Quando o Afonso chegou a casa e viu o armário vazio, explodiu. Ligou-lhe vezes sem conta, deixou mensagens furiosas e até andou pela cidade à sua procura. Mas a Leonor não respondeu.

Na casa do irmão, rodeada de calor e amor, sentiu-se finalmente em segurança. Dormiu em paz pela primeira vez em meses.

Os dias viraram semanas. Concentrou-se na gravidez, juntou-se a aulas pré-natais online e falou com um advogado sobre o divórcio. O Afonso, entretanto, desmoronava-se. Os colegas descobriram o que fizera — o Tiago assegurara-se disso. Rumores seguiam-no por toda parte.

O homem que antes só se importava com as aparências via-se agora publicamente humilhado. Pela primeira vez, o Afonso começou a arrepender-se das suas escolhas.

Dois meses depois, numa fresca manhã de primavera, a Leonor entrou em trabalho de parto. O irmão levou-a a correr para o hospital, segurando-lhe a mão enquanto ela suportava a dor. Horas depois, os gritos transformaram-se em riso suave quando a enfermeira lhe colocou uma pequena menina nos braços.

“Bem-vinda ao mundo, Beatriz”, sussurrou, com lágrimas de alegria a escorrerem-lhe pelo rosto.

O Afonso soube do nascimento através de um amigo em comum. Sem hesitar, foi direto ao hospital. O fato outrora impecável estava amassado, os olhos cansados. Pela primeira vez, o homem orgulhoso parecia pequeno.

Quando entrou no quarto, gelou. A Leonor estava sentada, a sorrir para a Beatriz, com o Tiago ao lado, protector. As enfermeiras ignoraram a sua presença.

“Vim… ver a minha filha”, disse baixinho.

A Leonor ergueu o olhar. A expressão era calma, mas distante. “A nossa filha não precisa de um pai que expulsa a mãe do carro”, afirmou, firme. “Perdeste esse direito quando escolheste o teu ego em vez da família.”

A voz do Afonso quebrou. “Leonor, por favor. Errei. Fui estúpido. Vou mudar.”

Mas ela abanou a cabeça. “A Beatriz merece melhor. Deves pensar no tipo de homem que queres ser — mas eu não vou esperar mais por ti.”

O Afonso saiu do hospital em silêncio. Sentou-se no seu Mercedes, os bancos de pele frios e sem vida. Pela primeira vez, sentiu apenas vazio. O carro que simbolizara o sucesso era agora um monumento ao seu fracasso.

Entretanto, a Leonor floresceu. Mudou-se para uma casa acolhedora, arranjou trabalho remoto e rodeou-se de quem verdadeiramente se importava. A Beatriz crescia saudável e feliz, o riso a encher a casa de luz.

O Afonso via-as ocasionalmente à distância — a Leonor a levar a Beatriz ao jardim, a rir sob o sol. Cada vez, sentia a ferroada daquilo que perdera.

Trocara o amorE, enquanto o tempo passava, o Afonso percebeu, tarde demais, que um carro jamais aqueceria o coração como o riso de uma filha que nunca conheceria.

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