Beatriz Lopes trabalhava como ama em Lisboa há quase seis anos, mas nada a preparou para o que encontrou na casa dos Vasconcelos. Quando aceitou o emprego, tudo parecia perfeito — a casa elegante, os pais afáveis e, o mais importante, o bebé feliz de nove meses, Martim. A mãe, Leonor, era agente imobiliária e trabalhava longas horas, enquanto o pai, Eduardo, era engenheiro informático e trabalhava maioritariamente de casa.
As primeiras semanas correram bem. Beatriz adorava Martim — o seu riso enchia a casa silenciosa, e ele tinha o temperamento mais calmo que alguma vez vira num bebé. Mas depois começou a notar coisas que a inquietaram. Sempre que mudava a fralda, havia pequenas marcas vermelhas nas coxas dele. No início, achou que fosse irritação ou a fralda demasiado apertada. Mas as marcas não pareciam normais — tinham formas estranhas, quase como impressões digitais.
Num tarde, mencionou isso com cuidado a Leonor. A mãe mostrou-se confusa, até preocupada, e prometeu falar com o pediatra. Mas na semana seguinte, Beatriz encontrou novas marcas em sítios diferentes. O padrão era demasiado estranho para ignorar.
Depois, havia os sons. Quando Martim dormia, ouvia passos no andar de cima, mesmo que Eduardo dissesse estar no escritório na cave. Uma vez, foi ver o bebé e ouviu um leve clique de uma porta a fechar-se — dentro do quarto dele.
O desconforto transformou-se em pavor. Uma manhã, ao descobrir outra marca — desta vez um pequeno hematoma — tomou uma decisão. Comprou uma câmara minúscula, disfarçada de ambientador, e colocou-a num canto do quarto.
Durante dois dias, nada aconteceu. Na terceira tarde, enquanto Martim dormia, reviu as imagens no telemóvel. As mãos tremiam quando carregou em “reproduzir”.
Os primeiros minutos mostravam apenas o bebé a dormir. Depois, a porta rangeu ao abrir-se — devagar, silenciosamente. Uma figura entrou. Beatriz gelou. Não era Leonor. Nem Eduardo. Era alguém que nunca tinha visto antes.
A respiração cortou-se-lhe quando a desconhecida se inclinou sobre o berço.
Era uma mulher, talvez nos seus cinquenta e poucos anos, vestida com um vestido de flores desbotado. Os seus movimentos eram cuidadosos, quase ternurentos, enquanto estendia a mão para tocar no rosto de Martim. Depois, para horror de Beatriz, a mulher desapertou o body do bebé e pressionou algo frio e metálico contra a pele dele. Martim resmungou mas não chorou.
O primeiro instinto foi correr para casa, mas forçou-se a continuar a ver. A mulher movia-se pelo quarto como se o conhecesse intimamente. Pegou na chupeta do bebé, cheirou-a e sorriu — como quem saboreia uma memória. Depois, murmurou algo que o microfone da câmara quase não apanhou: “És tão parecido com ele.”
Naquela noite, Beatriz não dormiu. A mente percorria todas as possibilidades — uma vizinha com chave, uma familiar que nunca conhecera, uma intrusa delirante. Mas na manhã seguinte, Eduardo mencionou, casualmente, que trabalharia até tarde, e Leonor estaria numa visita até à meia-noite. O momento parecia… estranho.
Decidiu confrontá-los — mas antes escondeu mais duas câmaras: uma no corredor e outra virada para a porta da frente.
Na noite seguinte, ao rever as imagens, a verdade tornou-se ainda mais perturbadora. A misteriosa mulher aparecia outra vez — mas não entrara pela porta da frente nem pelo corredor. Saíra da cave.
O sangue gelou nas veias de Beatriz. A cave era o espaço de trabalho de Eduardo. Ele tinha sido claro: era “proibida” devido aos seus projectos confidenciais. Mas agora parecia haver algo muito mais sombrio ali.
No dia seguinte, quando Eduardo saiu para compras, Beatriz desceu às escondidas. O ar era húmido, pesado com um cheiro metálico. No fundo, havia uma porta trancada com um teclado numérico. Havia arranhões à volta da fechadura — como se alguém tivesse tentado abri-la por dentro.
Recuou rapidamente, o coração aos saltos. Naquela noite, fez uma chamada anónima à polícia, relatando um possível intruso.
Quando os agentes chegaram, Eduardo manteve-se calmo — até colaborativo. Autorizou a busca, incluindo a cave. Não encontraram nada. A porta trancada, explicou, dava para um antigo armazém. Deu o código e abriu-a: prateleiras vazias, pó e um cheiro fraco de lixívia.
A polícia foi-se embora. Beatriz sentiu-se humilhada — e ainda assim, algo não batia certo. Porque é que a mulher desaparecera tão completamente? Porque é que Martim ainda tinha marcas no dia seguinte?
Manteve as câmaras a gravar. E duas noites depois, viu a verdade.
O vídeo começou como os outros — o quarto silencioso, Martim a dormir. Depois, do canto da imagem, a porta da cave abriu-se outra vez. A mesma mulher surgiu, o olhar vidrado, os movimentos robóticos.
Mas desta vez, Eduardo seguia-a.
Beatriz prendeu a respiração. Nas imagens, Eduardo falava baixinho, guiando a mulher pelo braço. “Está tudo bem, Mãe,” sussurrou. “Podes vê-lo só um minuto.”
Mãe.
A revelação atingiu Beatriz como um soco. A mulher não era uma estranha — era a mãe de Eduardo. Mais tarde, os registos policiais confirmariam que era Mariana Vasconcelos, uma ex-enfermeira psiquiátrica que desaparecera há cinco anos, depois de um diagnóstico de demência severa. Eduardo contara a todos que ela morrera num lar.
Mas não morrera. Ele escondera-a na cave.
O vídeo mostrava Eduardo a destrancar a porta e a levar a mãe de volta após ela tocar no bebé. Antes de descerem, Mariana olhou directamente para a câmara — como se soubesse. “Ele parece o meu Eduardinho,” murmurou. “Não deixes que lho levem.”
Beatriz entregou o vídeo à polícia na manhã seguinte. Em horas, os agentes voltaram com um mandato. Atrás de uma falsa parede na cave, descobriram um quarto improvisado — uma cama, fotografias antigas e suprimentos médicos. Mariana estava lá, assustada e confusa, mas ilesa.
Eduardo confessou que não suportara internar a mãe após o seu declínio. Mantivera-a escondida durante anos, convencendo Leonor de que ela falecera. Mariana subia às escondidas por uma passagem antiga para ver o neto quando Eduardo não a vigiava — até as câmaras de Beatriz o revelarem.
A história espalhou-se rapidamente pelo bairro. Leonor pediu a separação pouco depois, e Eduardo enfrentou acusações de sequestro e falsificação. Beatriz deixou a casa dos Vasconcelos para sempre, mas guardou a câmara disfarçada de ambientador numa gaveta — uma lembrança do dia em que o seu instinto salvou uma criança e desenterrou um segredo escondido à vista de todos.





