Onde Está o Dinheiro? Já Não Adianta Nada!

Fiquei diante do espelho, a examinar o meu reflexo como se tentasse encontrar a mulher que outrora fui. Mas em vez da mulher confiante e radiante de trinta e dois anos, via apenas uma sombra pálida e exausta. A pele, antes luminosa, agora parecia cinzenta, sem vida. Olheiras profundas marcavam o meu rosto—não apenas sinais de cansaço, mas um testemunho do peso dos últimos meses. O cabelo, que antes caía em ondas vivas, agora estava opaco e sem energia, como se também tivesse desistido. Não me reconhecia. E não era apenas por causa da doença—ela, claro, tinha o seu papel, mas a vida que se desenrolava em torno do diagnóstico fora igualmente cruel. Cancro em segundo estágio. Há apenas três meses, essas duas palavras tinham virado a minha realidade de pernas para o ar. De um futuro cheio de planos, passei a questionar se ele sequer existiria.

Mas vamos recuar um pouco. Cinco anos atrás… como tudo era diferente. Naquela época, acreditava que o mundo era um mar de oportunidades aos meus pés. Tinha acabado de me formar com distinção em Economia e iniciara a minha carreira como analista júnior no departamento de marketing da “GlobalTech”, uma das gigantes do sector. Não era apenas um emprego—era a minha paixão. Dedicava-me a cada projeto, trabalhava noites adentro sem perceber o tempo passar. E os resultados vieram. A minha chefe, Dona Isabel, costumava dizer:

“Leonor, tens um raciocínio brilhante. Se continuares assim, em poucos anos poderás liderar não apenas uma equipa, mas toda uma área.”

Essas palavras enchiam-me de confiança. Estava pronta para qualquer desafio, pronta para avançar, custasse o que custasse. Os colegas chamavam-me “mulher de ferro”, e eu sorria. Vida pessoal? Podia esperar. O foco era a carreira. Tinha a certeza de que tudo estava à minha frente. Mas, como descobri, o destino adora pregar-nos partidas.

Foi nessa altura, entre reuniões de negócios e apresentações, que conheci o André. Tudo começou numa festa da empresa, a celebrar o lançamento de uma campanha para uma grande cadeia de fast-food. Nem queria ir—achava que tinha demasiado trabalho. Mas a minha amiga Catarina arrastou-me para fora do escritório, insistindo que precisava de uma pausa.

A festa aconteceu num dos hotéis mais luxuosos de Lisboa. O salão estava repleto de música, risos e o brilho de cristais. Dirigia-me ao buffet quando esbarrei num homem alto e moreno. Ele derrubou um copo de sumo de laranja em mim, corou e começou a pedir desculpas. Sorri, acalmando-o, e entabulámos conversa.

Chamava-se André, era gerente naquele hotel. Tínhamos tanto em comum! Falou das suas aventuras com hóspedes, das situações mais absurdas e engraçadas do dia a dia. Eu partilhei histórias do escritório—dos colegas, dos prazos apertados, das ideias malucas da equipa criativa. Rimo-nos, conversámos, e o tempo voou.

Ele confessou que sempre sonhara trabalhar numa grande empresa como a minha, mas, depois da faculdade, acabara a trabalhar no hotel e lá ficara. Prometi ajudá-lo a procurar vagas na “GlobalTech”. Ele agradeceu com um sorriso e pediu o meu número.

No dia seguinte, ligou e convidou-me para sair. Aceitei, apesar de, normalmente, ser cautelosa com relacionamentos. O nosso primeiro encontro foi num café acolhedor no centro da cidade. Estava nervosa—há muito tempo que não saía com alguém—mas o André era encantador e atencioso. A meio do jantar, confessou:

“Sabes, normalmente não tenho pressa em relacionamentos, mas contigo sinto que quero quebrar todas as regras.”

A partir daí, tudo avançou rapidamente. Um mês depois, estávamos praticamente a viver juntos. Ele passava cada vez mais tempo em minha casa, e eu não me opunha—sentia-me bem ao seu lado. Dizia que eu era especial, que nunca encontrara alguém como eu e que era sortudo por me ter na sua vida. Eu sentia o mesmo. Parecia ter encontrado a minha alma gémea. Era carinhoso, atento, sempre a ouvir, a apoiar, a dar conselhos. Com ele, sentia-me amada, desejada, viva.

Mas, pouco a pouco, algo começou a mudar. Notei que o André falava demasiado da mãe—Dona Margarida. Desaparecia a meio da noite se ela se queixasse de indisposição ou solidão. Tentei sugerir que podia esperar até de manhã, mas ele respondia:

“A minha mãe é só uma, Leonor. Não tem mais ninguém além de mim. Tenho de cuidar dela.”

Tentei não dar importância, pensando que cuidar dos pais era nobre. Mas a situação piorou. Seis meses depois de nos conhecermos, o André pediu-me em casamento. Foi ao pôr-do-sol, na praia. Ajoelhou-se, abriu uma caixinha de veludo, e o meu coração parou. Não estava à espera, mas disse “sim” sem hesitar.

O casamento foi simples mas emotivo, só com familiares próximos. Brilhei no meu vestido branco, e ele olhava-me com tanto amor que eu sentia que podia voar. Mudámo-nos para o meu apartamento, e eu continuei a trabalhar, subindo na carreira. O André manteve o emprego, mas orgulhava-se de mim, apoiava-me, chamava-me “a minha inteligente”. Gostava de criar um lar, cuidar dele, construir uma vida a dois.

Contudo, a sombra de Dona Margarida crescia. Ela ligava várias vezes ao dia, queixava-se de doenças, exigia atenção. O André largava tudo e corria para ela. Tentei explicar que ela o manipulava, mas ele não ouvia:

“A minha mãe preocupa-se comigo. Quer o meu bem. Tu é que não a entendes.”

Com o tempo, os pedidos dela tornaram-se absurdos—presentes caros, telemóveis novos, ajuda com reformas. O André comprava tudo, mesmo quando precisávamos desse dinheiro. Não aguentei e confrontei-o:

“Ela controla-te por completo! Não vês como ela te manipula?”

O André franziu a testa e respondeu:

“És egoísta e sem coração. Não sabes o que é ser um filho devoto.”

A partir daí, o nosso relacionamento arrefeceu. Mergulhei no trabalho, assumindo um projeto exigente. O André, pelo visto, ficou aliviado—agora podia dedicar mais tempo à mãe sem os meus comentários.

Estava num beco sem saída. A vida, que antes parecia um caminho ilimitado, transformara-se numa estrada tortuosa de dor, desilusão e traição. E enquanto o mundo seguia em frente, como se nada fosse, dentro de mim tudo desmoronava, como um castelo de areia levado pela maré.

Tudo começou com uma fraqueza persistente. Atribuí-a ao cansaço, ao stress, às noites mal dormidas. Mas os sintomas pioraram—tonturas, náuseas, perda de peso, uma fadiga que nem o sono aliviava. Sabia que não podia adiar mais—precisava de ir ao médico.

E então, no silêncio do consultório, entre termos médicos e a luz fria das lâmpadas, veio o diagnóstico como um trovão: cancro, segundo estágio. A palavra pairou no ar como uma sentença. Senti o ar faltar. O mundo reduziu-se àquele espaço e depois desabou em estilhaços. E agora? O que fazer? Como seguir em frente? Como enfrentar os meus pais? Como contar ao André?

Mas reuni as minhas forças. Sabia que, se eu caísse, eles também cairiam. Tinha de ser forte. A minha mãe abraçou-me e disse que iríamos superar isto juntos. O meu pai, o meuE hoje, ao olhar para trás, vejo que cada lágrima, cada batalha, me transformou na mulher que finalmente aprendeu a escolher-se a si mesma.

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