A chuva caía incessante sobre o telhado de vidro da mansão do bilionário, situada nos arredores de Lisboa. Dentro, Rodrigo Almeida permanecia junto à lareira, a saborear um café puro enquanto observava as chamas. Estava acostumado ao silêncio—até mesmo numa casa tão imponente, ele o seguia. O sucesso trouxera-lhe dinheiro, mas não paz.
Uma batida seca ecoou pelo corredor.
Rodrigo franziu a testa. Não esperava visitas. A equipa tinha folga, e raramente alguém aparecia. Deixando a chávena em cima da mesa, caminhou até à porta e abriu-a.
Uma mulher estava à sua frente, encharcada, segurando uma menina de não mais de dois anos. As suas roupas estavam gastas, os olhos fundos de cansaço. A criança agarrava-se ao seu casaco, quieta mas curiosa.
— Peço desculpa por incomodar, senhor — disse a mulher, com a voz a tremer. — Mas… não como há dois dias. Lavo-lhe a casa inteira—só por um prato de comida para mim e para a minha filha.
Rodrigo ficou imóvel.
O coração parou—não de pena, mas de choque.
— Inês? — sussurrou.
A mulher ergueu o olhar, os lábios entreabertos de espanto. — Rodrigo?
O tempo dobrou-se sobre si mesmo.
Sete anos antes, ela desaparecera sem explicação. Sem aviso. Sem despedida. Simplesmente sumiu da sua vida.
Rodrigo recuou, atordoado. A última vez que vira Inês Sousa, ela vestira um vestido vermelho de verão, descalça no seu jardim, a rir como se o mundo não lhe doesse.
E agora… estava à sua frente, em farrapos.
O peito apertou-lhe. — Onde estiveste?
— Não vim para reencontros — disse, com a voz a falhar. — Só preciso de comer. Por favor. Saio logo a seguir.
Ele olhou para a menina. Cachos louros. Olhos azuis. Os mesmos olhos da mãe.
A voz falhou-lhe. — É… minha?
Inês não respondeu. Desviou o olhar.
Rodrigo franziu a testa e fez sinal para entrarem. — Entrem.
Dentro da mansão, o calor envolveu-as. Inês permanecia desajeitada sobre o mármore polido, ainda a pingar água da chuva, enquanto Rodrigo chamou o cozinheiro para trazer comida.
— Ainda tens criadagem? — perguntou ela, baixinho.
— Claro. Tenho tudo — respondeu ele, incapaz de disfarçar o tom cortante. — Excepto respostas.
A menina esticou a mão para um prato de morangos e olhou para ele, tímida. — Obgado — murmurou.
Ele sorriu, ligeiro. — Como se chama?
— Leonor — sussurrou Inês.
O nome atingiu-o como um soco no estômago.
Leonor era o nome que haviam escolhido para uma futura filha. Quando tudo era bom. Antes de tudo se desfazer.
Rodrigo sentou-se, devagar. — Explica. Porque é que partiste?
Inês hesitou. Depois, sentou-se à frente dele, os braços apertados à volta de Leonor.
— Descobri que estava grávida na mesma semana em que a tua empresa abriu capital — disse. — Trabalhavas vinte horas por dia, mal dormias. Não quis ser um peso.
— Isso era uma decisão *minha* — retorquiu ele, severo.
— Eu sei — murmurou, enxugando os olhos. — Mas depois… descobri que tinha cancro.
O coração de Rodrigo afundou-se.
— Era um estágio II. Os médicos não sabiam se sobreviveria. Não queria que tivesses de escolher entre a empresa e uma namorada a morrer. Parti. Dei à luz sozinha. Fiz quimioterapia sozinha. E sobrevivi.
Ele ficou sem palavras. Fúria e dor rodopiavam dentro dele.
— Não confiaste em mim para te ajudar? — perguntou, por fim.
Inês encheu-se de lágrimas. — Nem em mim mesma para sobreviver.
Leonor puxou-lhe a manga. — Mamã, tenho sono.
Rodrigo ajoelhou-se à frente dela. — Queres descansar numa cama quentinha?
A menina anuiu.
Virando-se para Inês, disse: — Não vais a lado nenhum esta noite. Vou mandar preparar o quarto de hóspedes.
— Não posso ficar — respondeu ela, rápida.
— Vais ficar — afirmou ele, firme. — Não és uma qualquer. És a mãe da minha filha.
Inês gelou. — Então acreditas que é tua?
Rodrigo levantou-se. — Não preciso de teste. Vejo. Ela é minha.
Naquela noite, depois de Leonor adormecer no quarto de cima, Rodrigo ficou na varanda, a encarar o céu iluminado pelo temporal. Inês juntou-se a ele, envolta num roupão que uma das empregadas lhe dera.
— Não quis destruir a tua vida — disse.
— Não destruíste — respondeu. — Só te apagaste dela.
O silêncio esticou-se entre ambos.
— Não estou aqui para mendigar nada — disse Inês. — Só estava desesperada.
Rodrigo virou-se para ela. — Foste a única mulher que amei. E partiste sem me deixar lutar por ti.
Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.
— Ainda te amo — sussurrou. — Mesmo que me odeies.
Ele não respondeu. Em vez disso, olhou para a janela onde Leonor dormia, segura e quentinha.
Depois, finalmente, disse: — Fica. Pelo menos até sabermos o que fazer a seguir.
Na manhã seguinte, o sol rasgou as nuvens cinzentas, banhando a propriedade de Rodrigo com uma luz dourada. Pela primeira vez em anos, a casa não lhe pareceu vazia.
Lá em baixo, Rodrigo estava ao fogão—algo raro—a mexer ovos. O cheiro da torrada e da manteiga enchia a cozinha. Ouviu passos leves atrás de si.
Inês estava à entrada, segurando a pequena mão de Leonor. A menina vestia um pijama limpo, o cabelo penteado em cachos.
— Agora cozinhas? — perguntou Inês, com um sorriso ténue.
— Estou a tentar — respondeu ele, entregando o prato a Leonor. — Por ela.
Leonor subiu para a cadeira e comeu como se não provasse comida decente há semanas.
— Ela gosta de ti — murmurou Inês, sentando-se à mesa.
Rodrigo olhou para ela. — É fácil gostar dela.
Nos dias seguintes, caíram num ritmo estranho, mas calmo. Inês quase não falava, ainda incerta se aquilo era real ou temporário. Rodrigo observava-a—cada gesto, cada olhar para Leonor—como se tentasse recuperar o tempo perdido.
Mas nem todos estavam satisfeitos.
Uma tarde, ao voltar de uma reunião, a sua assistente, Carolina, esperava à porta, de braços cruzados.
— Agora tens uma mulher e uma criança a viver contigo? — perguntou.
Rodrigo suspirou. — Sim. É a Inês e a filha.
— *Tua* filha?
Ele anuiu.
Carolina fez uma pausa. — Não estás a ser subtil. O conselho já anda a perguntar.
— Que perguntem — respondeu ele, friamente. — Não lhes devo explicações quando se trata da minha família.
A palavra *família* soou-lhe estranha—mas certa.
Naquela noite, Inês estava no terraço, a ver Leonor perseguir borRodrigo aproximou-se, envolveu-a nos braços e, sob o luar que banhava o jardim, sussurrou: “Desta vez, prometo que não nos perderemos.”