**15 de Junho de 2024**
O Café Monte Verde não mudara em cinquenta anos. As bancas azul-turquesa, o chão em xadrez e o cheiro quente de café davam-lhe uma familiaridade reconfortante — especialmente para quem ali vinha há décadas.
Afonso Mendonça entrou pela porta de vidro numa manhã de outono, trajando um fato azul-marinho impecável. O cabelo prateado e os sapatos polidos destacavam-se no ambiente simples, mas ele não parecia incomodado. Na verdade, parecia… nostálgico.
Escolheu uma mesa no canto.
Beatriz, uma empregada de mesa de 23 anos com um sorriso gentil e mãos ágeis, aproximou-se para anotar o pedido. Trazia o habitual uniforme cor de creme e o cabelo preso num coque impecável. «Bom dia, senhor. O que posso trazer-lhe?»
Ele ergueu os olhos lentamente, quase surpreendido. «Um café. Preto. E a especialidade do dia, por favor.»
Ela anuiu. «Já lhe trago.»
Ao afastar-se, Afonso seguiu-a com o olhar. Havia algo nela — algo perturbadoramente familiar.
Minutos depois, Beatriz regressou com o pedido. Ele sorriu-lhe levemente e pegou na carteira para tirar umas notas. Mas ao abri-la, uma fotografia desgastada escorregou e caiu sobre a mesa.
Os olhos de Beatriz alargaram-se.
Apanhou-a.
O coração parou.
Era a sua mãe. Uma versão jovem — não teria mais de dezoito anos — com um sorriso doce e os olhos cheios de sonhos. Era inconfundível. Beatriz vira aquele rosto mil vezes nos álbuns antigos lá de casa.
Mas o que fazia na carteira de um estranho?
Olhou para ele, a tremer. «Senhor… porque tem uma foto da minha mãe na sua carteira?»
Afonso ficou imóvel. A mão cerrou-se, depois relaxou. Ergueu o olhar para ela.
«Qual é o nome da sua mãe?», perguntou, baixinho.
«Catarina Rocha», respondeu. «Ela cresceu por estas bandas.»
A expressão dele mudou — como se fosse puxado para trás, através de décadas de memórias.
«Conheci-a», disse, devagar. «Há muito tempo.»
Beatriz sentou-se à sua frente sem pedir licença. As mãos tremiam.
«Como? Porque guarda a foto dela?»
Ele pegou na fotografia, segurando-a com delicadeza. «Porque foi a única mulher que verdadeiramente amei.»
As palavras atingiram Beatriz como um choque. «Não é possível. A minha mãe nunca falou de si. Nunca.»
Ele sorriu com tristeza. «Não me surpreende. Magoei-a. E arrependo-me disso todos os dias.»
Ela fitou-o, o ar pesado. «Precisa de explicar.»
Afonso olhou para a janela por um momento, depois para ela.
«Foi em 1983», começou. «Eu era um estudante de Direito pobre, a trabalhar noites num posto de combustível ali perto. A sua mãe trabalhava aqui no café enquanto estudava cabeleireira. Tinha um riso… que iluminava a sala.»
Riu-se baixinho, depois suspirou.
«Apaixonámo-nos como só os jovens e tolos sabem — rápido e sem reservas. Mas os meus pais eram ricos e rígidos. Quando descobriram que eu andava com uma rapariga do Bairro Alto, ameaçaram deserdar-me. Fui cobarde. Acabei tudo e mudei-me para longe.»
Beatriz cerrou a mandíbula. «Abandonou-a.»
«Não só a abandonei», disse ele, a voz pesada. «Nunca sequer me despedi. Escrevi uma carta… e nunca a enviei.»
Lágrimas encheram os olhos de Beatriz. «Ela criou-me sozinha. Nunca tivemos muito. Trabalhou dois empregos para me manter na escola. E nunca me falou de si.»
«Ela não o faria», sussurrou ele. «Era orgulhosa. Demasiado boa para um homem como eu.»
A voz de Beatriz quebrou. «Está a dizer que é…?»
Ele olhou-a atentamente. «Não tenho certeza. Mas carreguei esta fotografia durante quarenta anos, perguntando-me… e se?»
Ela levantou-se abruptamente, as mãos cerradas. «Não pode aparecer aqui de fato elegante e com uma história triste, como se fosse nobre tê-la recordado. Ela sofreu. Eu vi-a sofrer.»
O rosto de Afonso empalideceu.
«Tem razão», disse. «Não posso mudar o passado. Mas se há sequer a possibilidade de ser seu pai, quero saber. Quero fazer o que devia ter feito há décadas.»
Beatriz calou-se. A raiva ardia-lhe no peito, mas algo mais borbulhava por baixo — algo doloroso e confuso.
Esperança.
Naquela noite, confrontou a mãe.
Catarina ficou parada na cozinha, estupefacta, quando Beatriz pousou a fotografia em cima da mesa e contou tudo.
Primeiro, negou.
Depois, chorou.
E então, entre lágrimas, murmurou: «Sim. Foi ele.»
Beatriz fez a pergunta que a atormentara o dia todo.
«Ele é o meu pai?»
Catarina limpou os olhos. «Nunca quis que soubesses da dor. Mas sim, filha. Acho que é.»
Beatriz ficou ali parada, destroçada.
Um estranho entrara no café naquela manhã.
E agora, a sua vida desfazia-se em fios.