**Diário de Rodrigo Almeida**
Toda a sala de reuniões ficou em silêncio quando eu, Rodrigo Almeida, o CEO bilionário da AlmeidaTech, recostei-me na minha cadeira de couro, sorri com arrogância e disse: “Vou casar-me com a primeira mulher que atravessar aquela porta.” As palavras pairaram no ar como um desafio, uma provocação ou — quem sabe — uma confissão disfarçada pelo meu orgulho.
Os executivos à minha volta olharam para mim, incrédulos se eu falava a sério. Afinal, não sou conhecido por sentimentalismos. Sou conhecido por números, por aquisições implacáveis e por ser o bilionário mais jovem do setor tecnológico em Lisboa. Amor, romance ou relacionamentos nunca pareceram fazer parte da minha vida blindada de luxo.
Mas agora, eu dissera aquilo. E ninguém ousou rir.
Odeio casamentos. Acabara de voltar do casamento absurdamente luxuoso do meu irmão mais novo na região do Alentejo, onde o amor fora exibido como um troféu e os convidados brindaram ao “para sempre” como se fosse um vinho caro.
Odeio como todos me olhavam, perguntando quando seria a minha vez — como se o casamento fosse um rito de passagem obrigatório. Como se estar casado tornasse alguém completo.
Eu revirava os olhos durante toda a festa e voltei para casa com um desgosto renovado por qualquer coisa que cheirasse a compromisso.
Por isso, quando o meu assistente executivo, Tiago, me provocou dizendo que eu nunca me casaria porque tinha “medo de conexões reais”, eu me irritei.
“Tudo bem”, disse. “Vou provar que isso tudo é bobagem.”
“Como assim?”, ele perguntou.
“Vou casar-me com a primeira mulher que entrar por aquela porta”, declarei, apontando para a porta de vidro da sala de reuniões.
Um murmúrio de incredulidade percorreu a sala.
“Estás falando sério?”, perguntou Sofia, minha diretora de marketing.
“Morto de sério”, respondi. “Ela entra, conversamos, eu proponho. Simples assim. O amor é um contrato. Nada mais. Assino os papéis, vestirei a aliança, sorrirei para as câmeras. Vamos ver quanto dura.”
Todos me encararam, uma mistura de choque e desconforto nos rostos. Mas não vacilei. Eu falava a sério — ou pelo menos pensava que sim.
Lá fora, passos ecoaram no corredor.
Alguém se aproximava. A equipa virou-se nas cadeiras, esperando para ver quem o destino — ou a loucura — traria.
Então, a porta se abriu.
E eu congelei.
Ela não era o que eu esperava.
Na verdade, ela nem sequer devia estar ali.
Não estava vestida com marcas de luxo ou um blazer impecável. Usava jeans, uma t-shirt cinza com o logotipo desbotado de uma livraria e trazia nas mãos uma pilha de correio entregue por engano.
O cabelo dela estava preso num rabo de cavalo desalinhado, desarrumado pelo calor do Verão, e os olhos se arregalaram quando parou, confusa com a atenção repentina voltada para ela.
“Acho que isto foi entregue no andar errado”, disse, erguendo o correio. “Eu trabalho—”
“Quem és tu?”, interrompi, levantando-me da cadeira.
Ela pestanejou. “Sou… a Leonor. Leonor Gaspar. Trabalho no café do 5º andar.”
Um riso contido percorreu a sala, mas eu não ri. Nem sequer pisquei.
O meu coração, que normalmente só batia por eficiência, deu uma falha.
Porque havia algo nela. Algo completamente fora do lugar no meu mundo calculado de metas trimestrais e projeções anuais.
Devia ter-me rido, chamado a tudo de brincadeira, mas as palavras que eu dissera — “Vou casar-me com a primeira mulher que atravessar aquela porta” — ecoaram na minha mente como um desafio do universo.
E, pela primeira vez em muito tempo, não soube o que dizer.
Leonor, ainda mais confusa, arqueou uma sobrancelha. “Isto é… alguma reunião?”
“Sim”, respondi, recuperando-me. “Sim, é. E tu acabaste de entrar nela.”
De volta ao meu escritório, revi a cena na cabeça. Não conseguia parar de pensar nela — no modo como inclinara a cabeça com curiosidade, na sua honestidade, na sua completa ignorância sobre quem eu era.
“Não acredito que vais fazer isto”, disse Tiago, seguindo-me.
“Disse que faria”, respondi.
“Ela é uma barista, Rodrigo.”
“Ela é uma mulher. Foi essa a única condição, lembras-te?”
“Mas hesitaste. Ficaste parado.”
“Não a esperava, só isso.”
“Então, vais me”Vais mesmo pedi-la em casamento?” perguntou Tiago, e eu, olhando para o horizonte de Lisboa pela janela, respondi com calma: “Sim, vou, porque no fim percebi que a única fortuna que vale a pena ter é aquela que não cabe num banco, mas sim nos olhos dela.”