Margarida Albuquerque era a imagem do poder. De cabelos prateados, vestida com um fato preto sob medida e segurando uma mala de designer, movia-se com a elegância de quem construiu impérios — e carregava luto no coração.
Seu único filho, Guilherme Albuquerque, morrera há um ano. O funeral fora privado. A dor, não. Pelo menos não para ela.
Naquela tarde, no aniversário de sua morte, voltou sozinha ao túmulo. Sem repórteres. Sem assistentes. Apenas silêncio e saudade.
Mas, ao caminhar entre as lápides de mármore do Cemitério da Família Albuquerque, algo a parou de repente.
Ali, ajoelhada diante da sepultura de Guilherme, estava uma jovem negra, vestindo um uniforme desbotado de empregada de mesa. O avental estava amarrotado. Seus ombros tremiam. Nos braços, envolto num cobertor branco, trazia um bebê com poucos meses de vida.
Margarida sentiu o peito apertar.
A mulher não a viu de imediato. Sussurrava para a lápide: *”Queria que estivesses aqui. Queria que pudesses segurá-lo.”*
A voz de Margarida cortou o ar como uma faca. *”O que estás a fazer aqui?”*
A mulher sobressaltou-se, virando-se com surpresa, mas sem medo.
*”Peço desculpa…”*, gaguejou. *”Não queria incomodar.”*
Margarida franziu os olhos. *”Não tens direito de estar aqui. Quem és?”*
A jovem levantou-se, acalmando o bebê. *”Chamo-me Leonor. Conheci o Guilherme.”*
*”Conheceste-o como?”*, exigiu Margarida, a voz subindo. *”Trabalhavas numa das nossas propriedades? Ou era uma estagiária das suas instituições?”*
Os olhos de Leonor encheram-se de lágrimas outra vez — mas a voz manteve-se firme. *”Fui mais que isso.”* Olhou para o bebê. *”Este é o filho dele.”*
Silêncio.
Margarida olhou para ela. Depois para o bebê. E novamente para ela. *”Estás a mentir.”*
*”Não estou”*, Leonor respondeu, baixinho. *”Conhecemo-nos no Café do Porto. Eu trabalhava no turno da noite. Ele apareceu depois de uma reunião de direção. Conversámos. Na semana seguinte, voltou. E na outra também.”*
Margarida recuou, como se tivesse levado um soco. *”Isso não é possível. O Guilherme nunca…”*
*”Cairia de amores por alguém como eu?”*, Leonor completou suavemente. *”Eu sei como soa.”*
*”Não”*, Margarida cortou. *”Ele nunca esconderia algo assim de mim.”*
*”Tentou contar-lhe. Disse que tinha medo.”* Baixou os olhos. *”Medo de que nunca aceitasse.”*
As lágrimas rolaram pelo rosto de Leonor, mas ela manteve-se firme. O bebê mexeu-se.
Margarida olhou para a criança. Os seus olhos abriram-se — e, por um segundo aterrador, viu nele os inconfundíveis olhos cinzento-azulados de Guilherme.
Era inegável.
*Um Ano Antes*
Guilherme Albuquerque sempre se sentira um estranho no próprio mundo da família. Criado no luxo, destinado a herdar milhões — mas buscava algo mais simples. Dedicava-se a causas sociais. Lia poesia. E, às vezes, jantava sozinho em pequenas tascas.
Foi assim que conheceu Leonor.
Ela era tudo o que o seu mundo não tinha: calorosa, humilde, verdadeira. Fazia-o rir. Desafiava-o. Perguntava-lhe quem realmente queria ser.
E ele apaixonara-se. Profundamente.
Mantiveram o relacionamento em segredo. Ele não estava preparado para a tempestade que viria. Não dos tabloides — da própria mãe.
Até que veio o acidente. Uma noite de chuva. Uma partida demasiado súbita.
Leonor não pôde despedir-se.
E nunca teve a chance de lhe dizer que estava grávida.
*Presente – No cemitério*
Margarida ficou imóvel.
Toda a sua vida de negociante ensinara-a a detetar mentiras. Aquela mulher não mentia.
Mas aceitar a verdade parecia uma traição — não apenas da imagem que tinha do filho, mas do mundo que construíra em torno da sua memória.
Leonor quebrou o silêncio. *”Não vim aqui pedir nada. Nem dinheiro. Nem drama. Só… Queria que ele conhecesse o pai. Mesmo que fosse assim.”*
Colocou um pequeno chocalho de brinquedo sobre a lápide. Depois, com a cabeça baixa, virou-se para sair.
Margarida não a impediu.
Não conseguiu.
O seu mundo acabara de mudar.
Permaneceu parada, mesmo quando Leonor se afastou, o bebê aconchegado ao peito. Os olhos de Margarida fixaram-se na lápide — no chocalho agora repousado ao lado das palavras gravadas:
*Guilherme Manuel Albuquerque – Filho Amado. Visionário. Partido Cedo Demais.*
Filho amado.
As palavras soavam falsas, porque o filho que julgava conhecer… fora um estranho.
*Naquela Noite – Mansão Albuquerque*
A mansão parecia mais fria que o habitual.
Margarida sentava-se sozinha na ampla sala, com um copo de whisky intocado na mão, olhando para a lareira que não a aquecia.
Em cima da mesa, dois objetos que não conseguia esquecer:
O chocalho.
E uma foto que Leonor deixara discretamente no túmulo antes de ir embora.
Nela, Guilherme sorria, num café. O braço envolvia Leonor, que ria. Ele parecia… verdadeiramente feliz. Uma felicidade que Margarida não via há anos — ou talvez nunca tivesse permitido ver.
Seus olhos pousaram no bebê na foto. Os olhos de Guilherme. Inconfundíveis.
Sussurrou: *”Porque não me contaste, Gui?”*
Mas lá no fundo, já sabia a resposta.
Ela não teria aceitado. Não teria aceitado *ela*.
*Dois Dias Depois – Tasquinha no Bairro*
Leonor quase deixou cair a bandeja quando o sino da porta tocou — e ela entrou.
Margarida Albuquerque.
Vestida com um casaco escuro, cabelo impecavelmente preso, a milionária parecia completamente fora de lugar entre mesas de plástico e manchas de café. Os clientes fitaram-na. O gerente de Leonor ficou tenso.
Mas Margarida dirigiu-se direto a ela.
*”Precisamos conversar”*, disse.
Leonor pestanejou. *”Veio tirar-me ele?”* A voz tremia.
*”Não.”* A voz de Margarida, embora suave, carregava o peso de anos. *”Vim pedir desculpas.”*
O café silenciou. Até o zumbido do ventilador pareceu pausar.
*”Julguei-a. Sem a conhecer. Sem saber a verdade. E por causa disso… Perdi um ano com o meu neto.”* A voz falhou na última palavra. *”Não quero perder mais.”*
Leonor baixou o olhar. *”Por que agora?”*
*”Porque finalmente vi o homem que o meu filho se tornou — através dos seus olhos. Dos olhos dele.”*
Tirou um envelope da bolsa e colocou-o na mesa. *”Isto não é dinheiro. São os meus contactos, e um convite. Quero fazer parte da vossa vida. Se me permitir.”*
Leonor ficou em silêncio por um momento. Depois: *”Ele merece conhecer a família do pai. Não lhoLeonor sorriu enquanto Margarida pegava no pequeno Elias, e naquele momento, entre lágrimas e o calor do abraço das duas, sentiram que Guilherme, de algum modo, finalmente descansava em paz.