A tempestade lá fora ecoava a que rugia dentro da casa. Beatriz permanecia imóvel, os nós dos dedos brancos enquanto segurava o pequeno Tomás contra o peito. O marido, Rodrigo Mendes, magnata bilionário e cabeça da família Mendes, encarava-a com uma fúria que não via nos dez anos de casamento.
“Rodrigo, por favor,” sussurrou Beatriz, a voz trémula. “Não sabes o que estás a dizer.”
“Sei perfeitamente,” retorquiu, cortante. “Aquele miúdo… não é meu. Fiz o teste de ADN na semana passada. Os resultados são claros.”
A acusação doeu mais que uma bofetada. As pernas de Beatriz quase cederam.
—Fizeste um teste… sem me dizer?
—Tive de o fazer. Ele não se parece comigo. Não age como eu. E já não podia ignorar os rumores.
—Rumores? Rodrigo, é um bebé! E é teu filho! Juro por tudo o que tenho.
Mas Rodrigo já tomara a decisão.
—As tuas coisas serão enviadas para casa do teu pai. Não voltes aqui. Nunca.
Beatriz ficou ali mais um instante, na esperança de que fosse apenas mais um dos seus impulsos, daqueles que passavam no dia seguinte. Mas o gelo na voz dele não deixava margem para dúvidas. Virou-se e saiu, os saltos a ecoar no mármore enquanto os trovões ribombavam sobre a mansão.
Beatriz crescera num lar modesto, mas entrara num mundo de privilégios ao casar com Rodrigo. Era elegante, discreta, inteligente — tudo o que as revistas celebravam e a alta sociedade invejava. Mas nada disso importava agora.
No carro que os levava, ela e Tomás, para a casa do pai no campo, a mente revolvia-se. Fora fiel. Amara Rodrigo, apoiara-o quando os mercados desabaram, quando a imprensa o destruiu, até quando a própria mãe a rejeitou. E agora, era expulsa como uma estranha.
O pai, António Pereira, abriu a porta, os olhos arregalados ao vê-la.
—Bia? O que aconteceu?
Ela caiu nos seus braços. “Disse que o Tomás não é dele… Expulsou-nos.”
António cerrou o maxilar. “Entra, filha.”
Nos dias seguintes, Beatriz adaptou-se à nova realidade. A casa era pequena, o seu quarto quase inalterado. Tomás, alheio ao mundo, balbuciava e brincava, dando-lhe momentos de paz no meio da dor.
Mas uma coisa a atormentava: o teste de ADN. Como poderia estar errada?
Desesperada por respostas, foi ao laboratório onde Rodrigo fizera o exame. Também ela tinha influências — e favores por cobrar. O que descobriu gelou-lhe o sangue.
O teste fora adulterado.
Entretanto, Rodrigo permanecia sozinho na mansão, atormentado pelo silêncio. Convencera-se de que agira bem — que não poderia criar o filho de outro homem. Mas a culpa corroía-o. Evitava entrar no quarto de Tomás, mas um dia, a curiosidade falou mais alto. Vendo o berço vazio, a girafa de peluche e os sapatos minúsculos na prateleira, algo dentro dele quebrou.
A mãe, Dona Amélia, não ajudava.
“Avisei-te, Rodrigo,” disse, tomando o chá. “Aquela Pereira nunca foi digna de ti.”
Mas até ela estranhou quando ele não respondeu.
Dias passaram. Depois, uma semana.
E então, chegou uma carta.
Sem remetente. Apenas uma folha e uma fotografia.
As mãos de Rodrigo tremiam enquanto a lia.
“Rodrigo, estiveste errado. Gravemente. Quiseste provas — aqui as tens. Encontrei os resultados originais. O teste foi alterado. E esta é a foto que achei no escritório da tua mãe… Tu sabes o que significa.” — Beatriz
Rodrigo olhou para a fotografia. Era antiga. A preto e branco. Um rapazinho, idêntico ao pequeno Tomás, ao lado de Amélia Mendes.
Não era ele. Era o seu pai.
E o parecido era inegável.
De repente, tudo fez sentido.
A rejeição de Amélia. A hostilidade para com Beatriz. Os subornos discretos aos empregados. E agora — a prova adulterada.
Ela sabia.
Ela fizera isto.
Rodrigo levantou-se tão abruptamente que a cadeira caiu. Cerrou os punhos e, pela primeira vez em anos, sentiu medo — não de escândalo ou reputação, mas do que se tornara.
Expulsara a mulher. O filho.
Por uma mentira.
Irrompeu no quarto da mãe sem bater. Dona Amélia lia junto à lareira e ergueu o olhar com desdém.
“Alteraste o teste de ADN,” disse ele, a voz firme.
Ela arqueou uma sobrancelha. “Ah, sim?”
—Vi os resultados originais. Vi a foto. O miúdo — o meu filho — tem os olhos do avô. E os teus também.
Amélia fechou o livro com calma e levantou-se.
—Rodrigo, às vezes um homem deve tomar decisões difíceis para proteger o legado da família. Aquela mulher — a Beatriz — teria arruinado tudo.
“Não tinhas esse direito,” rosnou ele. “Não tinhas o direito de destruir a minha família.”
—Ela nunca foi uma de nós.
Aproximou-se, trémulo de fúria.
—Não magoaste só a Beatriz. Magoaste o teu neto. Transformaste-me num monstro.
Mas Amélia encarou-o friamente. “Faz o que tiveres de fazer. Mas lembra-te: o mundo vê o que eu permito que vejam.”
Rodrigo bateu com a porta. Já não lhe importava o mundo. Nem os rumores, nem os títulos. Agora, só uma coisa importava: reparar o estrago.
Na casinha do pai, Beatriz estava no jardim a observar Tomás perseguir uma borboleta. Sorriu levemente, mas a dor ainda lhe nublava o olhar. Todos os dias revivia as palavras de Rodrigo, o momento em que os rejeitara como se nada fossem.
O pai trouxe-lhe uma chávena de chá. “Ele vai voltar,” disse suavemente.
“Não sei se quero que o faça,” respondeu ela.
Mas ouviu-se o bater de uma porta de carro lá fora.
Beatriz virou-se e viu Rodrigo — desgrenhado, os olhos cheios de remorsos — parado no portão.
—Bia… — a voz quebrou.
Ela ergueu-se, tensa, o coração aos pulos.
“Estive errado,” disse ele. “Errado como nunca. A minha mãe adulterou o teste. Descobri a verdade tarde demais. Eu…”
“Expulsaste-me, Rodrigo,” interrompeu, a voz a tremer. “Olhaste-me nos olhos e disseste que o Tomás não era teu.”
—Sei. E vou arrepender-me disso para sempre.
Aproximou-se, devagar, cautelosamente.
—Falhei como marido… e como pai.
Tomás viu-o e bateu palminhas, rastejando em direção ao portão. Rodrigo ajoelhou-se quando o menino tropeçou na sua direção.
Quando Tomás caiu nos seus braços, Rodrigo desfez-se em lágrimas.
“Não mereço isto,” sussurrou, enterrando o rosto no cabelo do filho. “Mas juro que vou conquistá-lo.”
Nas semanas seguintes, Rodrigo empenhou-se em provar que podia mudar. Saiu da mansão, dispensou reuniões e passava todo o tempo livre com Tomás e Beatriz. Aprendeu a dar-lhe comida, mudar fraldas e até a cantar cantigas de embalar — mal, mas do coração.
Beatriz observava-o, cautelosa aE, sob o céu tingido de dourado pelo pôr do sol, os três caminharam de mãos dadas, deixando para trás as sombras do passado, enquanto o vento sussurrava promessas de um recomeço.