O silêncio na sala era mais denso que o contrato de couro nas mãos de Rodrigo. Ele mantinha-se ereto, trajando um terno azul-marinho, segurando os papéis do divórcio como se fossem um troféu.
“Aqui,” disse friamente, atirando a pasta azul sobre a mesa de vidro.
Beatriz permanecia imóvel no sofá cor de creme, a postura impecável, os dedos entrelaçados no colo. Vestia um paletó marfim, sem uma ruga ou tremor nas mãos.
“Não vais dizer nada?” Rodrigo perguntou. “Nenhum pedido, nenhuma pergunta, nenhuma lágrima?”
Ela ergueu os olhos para ele, serena, quase… distraída.
“Não, Rodrigo,” respondeu. “Acabei de jogar esse jogo.”
Ele franziu o sobrolho. “Que jogo?”
“Aquele em que finges que ainda és o homem com quem casei, e eu finjo que não sei da Inês há seis meses.”
O maxilar dele contraiu. “Sabias?”
“Sempre soube,” disse com um leve encolher de ombros. “Só pensaste que eu não faria nada porque estava confortável. Porque me calei.”
Rodrigo emudeceu, perturbado pela sua calma.
“Bem,” afirmou com força. “Isso facilita as coisas. Vamos oficializar e seguir em frente.”
Ela levantou-se, graciosa como sempre, e dirigiu-se à cómoda junto à janela. Abriu uma gaveta e retirou um envelope grosso.
“O que é isso?” ele perguntou.
“A minha resposta,” respondeu. “Mandei preparar há semanas.”
Ele abriu-o e franziu a testa. Era o seu próprio conjunto de condições para o divórcio.
“Estes termos são absurdos,” zombou. “Queres a casa, os dois carros e cinquenta por cento das ações da empresa?”
Os olhos dela encontraram os dele, afiados e decididos.
“Correção—quero a casa, os carros e os teus cinquenta por cento das ações da minha empresa.”
Rodrigo soltou uma risada descrente. “A tua empresa? Queres dizer o negócio que ajudei a começar? Eu investi o capital!”
“E eu transformei-o num império de milhões,” replicou. “O teu nome não está em nenhum documento. Verifiquei.”
“Estás a blefar.”
Beatriz virou-se para o portátil, abriu uma pasta chamada “Jurídico – Inquebrável” e mostrou contratos de propriedade, registos comerciais e e-mails com datas.
“Tudo está em meu nome desde o início,” disse. “Tu foste apenas o espectador.”
Rodrigo parecia ter levado um murro.
“Esperaste por este momento,” gritou.
“Esperei,” confirmou. “Porque sabia que um dia mostrarias quem realmente és.”
Ele começou a andar de um lado para o outro, confuso. “Achas que vais ganhar tudo em tribunal?”
“Não vai ser preciso,” respondeu. “Isto é uma carta do marido da Inês. Ele está mais do que disposto a testemunhar a meu favor—especialmente depois de ler as tuas mensagens.”
O rosto de Rodrigo empalideceu.
“E há mais,” acrescentou, “mas acho que isto é suficiente para repensares quem tem o poder.”
“Nunca me amaste,” disse ele, amargurado.
Ela inclinou a cabeça. “Não, Rodrigo. Amei. Até que fizeste questão de acabar com isso.”
**Recordação: Sementes de Força**
Seis meses antes, Beatriz encontrou a primeira mensagem.
A princípio, convenceu-se de que era apenas trabalho. Inês trabalhava na empresa de Rodrigo. Mas à medida que as mensagens se tornavam mais significativas—e depois explícitas—Beatriz deixou de fingir.
Em vez de confrontá-lo, começou a preparar-se.
Transferiu os bens da empresa para fundos seguros, contratou um contabilista forense para documentar as finanças e, silenciosamente, comprou a parte silenciosa de Rodrigo num dos seus projetos. Ele nem sequer notou.
Depois, contratou a melhor advogada de divórcios de Lisboa. Uma mulher conhecida pela precisão e pelo gosto pela justiça.
E esperou.
**Agora**
Rodrigo sentou-se na beirada do sofá, as mãos apertadas. “O que queres?”
“Quero que assines,” disse ela. “Assines tudo pacificamente. Em troca, mantemos a imprensa fora disso. Sem escândalo público. Sem vergonha nas reuniões.”
Ele hesitou.
“Vais sair com dinheiro,” acrescentou. “Mas sem legado. Esse agora é meu.”
Pela primeira vez em anos, Beatriz sentiu-se livre. O peso desaparecera. Não levantara a voz. Não chorara. Apenas… assumira o controlo.
“Espero que ela tenha valido a pena,” disse.
“Não valeu,” ele gritou.
Beatriz recolheu os documentos e guardou-os na pasta. “Adeus, Rodrigo.”
Virou-se e saiu, os saltos ecoando com confiança.
“O que vais fazer agora?”
Ela parou.
“Estou a construir algo maior.”
E então desapareceu.
**Três semanas depois**
As manchetes nunca surgiram—cumprindo a sua palavra, Beatriz manteve o nome de Rodrigo longe dos jornais. Mas nos círculos da indústria, falava-se.
Baixinho. Com respeito.
A mulher que fora “a esposa elegante de Rodrigo” era agora Beatriz Mendes, CEO, investidora e arquiteta de uma das tomadas de poder mais audaciosas de que se tinha memória. Não queimara pontes—apenas redirecionara o rio.
**A Reunião do Regresso**
Beatriz sentou-se à cabeceira duma mesa de reuniões num arranha-céus de Lisboa, rodeada por investidores e membros do conselho. Desta vez, vestia um cinza-escuro—linhas duras, sem suavidade.
“Quero transformar a Mendes & Cia. em mais do que uma empresa de design de luxo,” declarou.
Alguns sobrolhos ergueram-se. Um homem inclinou-se, intrigado. “Mais?”
“Vamos expandir,” disse. “Não só para o imobiliário, mas para designs sustentáveis. Arquitetura modular. Casas inteligentesE no final, enquanto o sol se punha sobre Lisboa, Beatriz sorriu, sabendo que a verdadeira vitória não estava no que conquistara, mas em quem se tornara.