A Agente ia Prender Alguém—Mas Salvou um Filhote no Caminho

Estava na minha varanda a beber um café morno quando a viatura da polícia estacionou do outro lado da rua. Parou mesmo em frente à casa da Dona Amélia—aquela com as persianas descascadas e um letreiro de “PROIBIDO VENDER” mais velho que eu.

Achei que fosse por causa da reclamação do barulho no fim de semana passado, ou talvez o neto dela, o Ricardo, finalmente tivesse sido apanhado por pôr aquela música com baixo ensurdecedor às três da manhã. Mas depois o agente saiu do carro—calmo, seguro, daqueles que não precisam de levantar a voz para resolver as coisas.

O que eu não esperava era vê-lo passar direto pela casa… e ajoelhar-se ao lado dos caixotes do lixo.

Franzi os olhos. Foi então que vi um pequeno movimento—um cachorrinho cor de canela, só costelas e patas trémulas, enfiado entre os contentores como se estivesse ali há dias.

O agente não hesitou. Pegou no bichinho como se fosse de vidro, encostando-o ao peito. O cão simplesmente derreteu nele. Sem latidos. Sem resistência. Um silêncio estranho e pungente, como se finalmente tivesse parado de fugir.

E a parte mais inesperada? A expressão dele mudou completamente. Dava para ver a mudança. Ele não estava ali por uma ocorrência. O motivo que o levara até ali… de repente, era a coisa menos importante da rua.

Depois, olhou para mim.

“Sabia deste cão?” perguntou, voz baixa.

Abri a boca. Fechei. Porque eu tinha visto o cachorro. Dois dias atrás. Mas não disse nada. Convenci-me de que ele encontraria o caminho de casa.

Ele começou a caminhar na minha direcção, ainda com o cãozinho no colo.

E quando chegou ao meu portão, disse:

“—Podia tê-lo salvo se tivesse dito algo.”

Aquilo atingiu-me em cheio. Não pela forma como falou, mas precisamente por não ter sido em tom de crítica. A voz dele era só factos. Como se já tivesse visto cenas assim mil vezes e soubesse como a história costuma acabar.

“Eu… pensei que ele tivesse fugido. Ou que tivesse dono,” murmurei. “Não imaginei que estivesse em apuros.”

O agente olhou para o cachorro, que começara a lamber o uniforme como se fosse a primeira coisa limpa que tocava em dias. Depois, fitou-me. “Contamos-nos mentiras para evitar envolvermo-nos.”

Não havia como discutir. Estava a começar uma desculpa mal-explicada quando a porta de rede da Dona Amélia rangeu do outro lado da rua. Ela nem saiu—apoiou-se no batente, como se lhe doessem os ossos ao endireitar-se.

“Isto é por causa do Ricardo?” rosnou. “Se for, já lhe disse que não lhe dou nem migalhas do jantar se trouxesse mais lixo para casa.”

O agente olhou para ela, depois para mim. “Disse que esta casa era da Dona Amélia?”

Anuí. “É ela. O Ricardo é o neto. Mora aqui de vez em quando.”

Ele não pareceu impressionado.

“Obrigado,” disse, e atravessou a rua.

Observei enquanto ele equilibrava o cachorro num braço e batia à porta com o outro. A Dona Amélia examinou-o como se ele fosse um vendedor de aspiradores.

“Minha senhora,” ele disse, “sou o Agente Silva. Estou aqui devido a uma denúncia de abandono animal.”

Ela riu-se. Uma gargalhada seca, como se ele tivesse contado uma piada.

“Abandono? Aquela coisinha magricela? Nem sequer é meu. O Ricardo trouxe-o para cá bêbado na semana passada e esqueceu-se dele. Disse-lhe para se livrar daquilo.”

Não estava perto o suficiente para ouvir o resto, mas pela postura do Agente Silva, percebi que não estava a correr bem. Não gritou. Não levantou a voz. Apenas assentiu, fez mais umas perguntas e voltou para o carro—com o cachorro ainda ao colo.

Devia ter acabado ali.
Mas não acabou.

Na manhã seguinte, encontrei um bilhete na minha caixa de correio.

“Obrigado por não se ter virado desta vez. —Silva.”

Não havia morada de retorno. Nem número de telefone. Só aquilo, e uma pequena foto do cachorro enrolado numa caminha. Já parecia mais limpo. Mais feliz.

E eu… bem, não consegui parar de pensar nisso.

Aquele pequeno ser estivera ali mesmo, no beco atrás da minha casa. Ouvira-o choramingar. Pensei em ver. Não o fiz. Era mais fácil não saber.

Mas agora sabia. E não conseguia ignorar.

Três dias depois, vi o Silva outra vez.

Desta vez, não estava fardado. Estava de jeans e uma camisa xadrez desbotada, na fila do mercado municipal com um saco de pêssegos numa mão e uma trela na outra. O cachorro—limpo, com coleira—cheirava um monte de batatas como se nunca tivesse visto o mundo.

Toquei-lhe no ombro.
“Olá,” disse. “Cão bonito.”

Ele virou-se, surpreendido, depois sorriu.

“Ora você,” respondeu. “Ainda bem que veio falar comigo.”

Encolhi os ombros. “Ando a pensar nele. E no que você disse.”

O Silva não se vangloriou. Não disse “eu avisei”. Apenas assentiu.

“Quer pegá-lo?” perguntou, estendendo a trela.

Não hesitei.

O cachorro saltou assim que me agachei. A linguinha lambia-me o queixo, a cauda abanava tão depressa que quase não se via. Não parecia o mesmo bichinho frágil de trás dos caixotes do lixo.

“Qual é o nome dele?” perguntei.

“Sortudo,” disse o Silva. “Porque, honestamente, ele estava a uma hora de morrer de frio quando o encontrei.”

Engoli em seco. Aquele peso voltou ao estômago.

“Vai ficar com ele?” perguntei.

O Silva desviou o olhar. “Queria. Mas faço turnos longos. Ele precisa de mais do que isso.”

Não disse directamente, mas percebi a pergunta por trás das palavras.

“Talvez eu possa ajudar,” disse sem pensar muito.

O sorriso dele alargou-se. “A sério?”

“Sim,” respondi. “Talvez possa dividir o tempo entre nós.”

Começámos uma rotina depois disso.

De manhã, o Sortudo ficava comigo. Dava-lhe de comer, levava-o a passear, deixava-o dormir na varanda enquanto eu trabalhava. O Silva buscava-o à tarde, antes do turno. Aos fins de semana, íamos todos ao jardim juntos.

Era estranho como rapidamente se tornou normal.

Mais estranho ainda como comecei a ansiar por isso.

Num sábado, o Silva perguntou se eu queria acompanhá-lo numa ronda comunitária. Apenas sentar no carro, ver como era o trabalho. Disse que sim.

Passámos por bairros a que nunca prestara atenção. Ele mostrou-me como falava com crianças à porta das lojas, fazendo perguntas em vez de ameaças.

“Este trabalho… não é só prender pessoas,” disse. “É sobre ver o que os outros têm medo ou cansaço de dizer.”

Aquilo ficou comigo.

Especialmente quando passámos por um prédio com janelas tapadas e duas crianças no patamar. Deviam ter sete e nove anos, descalças e caladas. O Silva abrandou o carro.

“É a casa dos Andrade,” comentou. “Já fiz cinco relatórios de proteção este ano. Nada muda. Mas continuo a tentar.”

Algo mudou em mim naquele dia.

EraE agora, sempre que passo por alguém que parece precisar de ajuda, lembro-me de que às vezes a diferença entre o desespero e a esperança é tão simples quanto alguém que decide parar e perguntar: “Está tudo bem?”.

Leave a Comment