O relógio na parede do corredor tiquetaqueava suavemente, ecoando pela mansão imponente. O silêncio da noite era interrompido apenas por um som quase imperceptível—soluços abafados, que desciam pela escadaria como murmúrios.
Carolina Mendes, vinte e sete anos, parou no meio do degrau. Estava a caminho do quarto de empregada, no canto mais distante da propriedade. Mas agora ficara imóvel, ouvidos atentos.
Eram três da manhã. E o choro vinha, mais uma vez, do quarto de Leonor Sousa.
Há duas semanas, Carolina trabalhava na mansão dos Sousa, substituindo a irmã mais velha, Ana, que adoeceu durante as férias anuais. Os Sousa eram uma das famílias mais ricas da cidade. Rui Sousa, o patriarca, era um empresário bilionário, recasado após o divórcio, e raramente estava em casa, exceto em breves fins de semana. A filha, Leonor, catorze anos, vivia na mansão com ele e a noiva, Tatiana.
O acordo parecera simples quando Carolina aceitou: limpar em silêncio, passar despercebida e não cruzar limites. O salário era extraordinário—muito mais do que conseguiria no bairro humilde onde morava. Os filhos de Ana, Mariana, catorze anos, e o pequeno Vicente, seis, dependiam daquele dinheiro.
Mas ninguém a avisara sobre as noites. Noites em que Leonor ficava sozinha na mansão silenciosa enquanto o pai e Tatiana viajavam. Noites em que seus soluços abafados ecoavam pelo corredor, impedindo Carolina de dormir.
Carolina dizia a si mesma para ignorar. Não fora contratada para ser psicóloga. Mas nesta noite, os soluços pareciam mais desesperados.
Com um suspiro, endireitou os ombros, caminhou em silêncio pelo corredor e parou diante da porta de Leonor.
Hesitou, lembrando-se do aviso severo de Ana: “Nunca se mostre. Nunca se envolva com a família. Mantenha-se discreta.”
Mas a consciência falou mais alto. Bateu levemente na porta.
Nenhuma resposta—apenas o som do choro baixinho.
Carolina abriu a porta.
O quarto estava escuro, iluminado apenas por uma luz noturna em forma de estrela. Leonor sentou-se na cama, assustada.
“O que estás a fazer aqui?!”, gritou, agarrando uma almofada e atirando-a. “Sai daqui! Chamo a segurança!”
Carolina pegou a almofada com facilidade, devolveu-a à cama e cruzou os braços. “É impossível dormir nesta casa”, disse. “Alguém está sempre a chorar. Queres explicar porquê?”
“Como te atreves! Vou contar ao meu pai—serás despedida!”, respondeu Leonor, a voz a tremer entre raiva e pânico.
“Então que ele me despeça”, retorquiu Carolina. “Mas diz-me, Leonor—o que é tão terrível? O teu pai esqueceu-se de te comprar a pulseira de diamantes certa? Ou lascou-se o esmalte?”
Os olhos de Leonor alargaram-se, enchendo-se de lágrimas. “Não percebes nada! Se soubesses o quanto eu sofro!”
“Oh, acredito”, disse secamente. “Com certeza é horrível—seres levada a todo lado por um motorista, viveres num palácio como este.”
Leonor pestanejou, confusa. “Porque é que isso seria terrível?”
Carolina suavizou o tom. “Quando tinha a tua idade, eu e as minhas amigas íamos a pé da escola, parávamos para um gelado, nadávamos no lago. Não tínhamos muito, mas ao menos tínhamos umas às outras. E tu? Tens amigos que te visitem?”
Os lábios de Leonor tremeram. Abanou a cabeça.
“Nenhum?”, perguntou, surpreendida.
“Não um sequer. Tive uma mãe, uma vez”, sussurrou. “Mas depois do divórcio, ela… desapareceu. O meu pai mandou-me estudar para fora. Fiquei doente e ele trouxe-me de volta. Agora sou só eu.”
Carolina sentou-se na borda da cama. “Porque não vives com a tua mãe?”
Os olhos de Leonor baixaram-se. “Ela não me quer. Tem uma nova família agora—um marido, filhos pequenos. Foi o que o meu pai me disse.”
O coração de Carolina apertou. Lembrou-se da própria infância, dos momentos em que também se sentira esquecida. As palavras saíram-lhe antes que pudesse pará-las: “Que coisa horrível para um pai dizer. Nenhum homem decente diria algo assim ao próprio filho.”
E então—
Uma voz grave e autoritária cortou o ar.
“Estás a falar de mim?”
Ambas congelaram.
Rui Sousa estava na porta, alto, de ombros largos, expressão impenetrável.
Leonor recuou, puxando o cobertor sobre a cabeça. “Pai—já estás de volta?”
O olhar de Rui fixou-se em Carolina. “Quem és tu e o que fazes no quarto da minha filha?”
“Sou a empregada”, gaguejou. “Só queria ver se já estava a dormir.”
“Foste avisada das regras”, disse ele, friamente. “Não entras no quarto dela. Se ouvires algo, chamas a Dona Beatriz. Não te intrometas.”
“Sim… fui avisada”, murmurou, olhando para Leonor, que se encolhia sob os lençóis.
“Estás dispensada”, disse Rui, sem hesitar. “Faz as malas. Estás despedida.”
O coração de Carolina acelerou. Despedida? Assim? A família dela precisava desesperadamente daquele dinheiro. Mas mais do que isso, olhou para os olhos assustados de Leonor e algo dentro dela revoltou-se.
“Está bem”, disse calmamente. “Despeça-me. Mas antes—olhe para a sua filha. Percebe que ela chora todas as noites? Que se sente sozinha nesta casa enorme? Que acredita que a mãe a abandonou porque você lhe disse isso?”
“Chega”, cortou Rui, o maxilar tenso.
A voz abafada de Leonor interrompeu: “Pai… é verdade? A mãe não me queria mesmo? Ou… foste tu que disseste?”
O silêncio pesou. Por um momento, Rui pareceu quase humano—os ombros caíram, os olhos escureceram.
Finalmente, disse roucamente: “Volta a dormir, Leonor. Falaremos de manhã.”
Virou-se e saiu.
Carolina ficou junto à porta, dividida entre ir e ficar. A mão de Leonor agarrou-lhe a manga.
“Por favor”, sussurrou. “Não vás.”
Carolina ficouE, na manhã seguinte, enquanto o sol entrava suavemente pela janela, Carolina percebeu que, às vezes, as melhores famílias são aquelas que construímos com amor e coragem.