O relógio na parede do corredor tiquetaqueava suavemente, ecoando pela mansão cavernosa. O silêncio da noite era quebrado apenas pelo som mais leve — soluços abafados, pairando pela escadaria grandiosa como sussurros.
Leonor Costa, vinte e sete anos, parou no meio do degrau. Estava a caminho do quarto dos empregados, no fundo da propriedade. Mas agora ficara imóvel, ouvidos atentos.
Eram três da manhã. E o choro vinha, mais uma vez, do quarto de Matilde Sousa.
Há duas semanas, Leonor trabalhava na mansão dos Sousa, substituindo a irmã mais velha, Beatriz, que adoeceu durante as férias anuais. Os Sousa eram uma das famílias mais ricas da cidade. Bernardo Sousa, o patriarca, era um empreendedor bilionário, recasado depois do divórcio, e raramente em casa, exceto em breves fins de semana. A filha Matilde, catorze anos, vivia na mansão com ele e a noiva, Carlota.
O acordo parecera simples quando Leonor aceitou: limpar em silêncio, permanecer invisível e não ultrapassar limites. O salário era extraordinário — muito mais do que Leonor poderia ganhar no seu bairro humilde. Os filhos de Beatriz, Joana, catorze anos, e o pequeno Gabriel, seis, dependiam desse dinheiro.
Mas ninguém a avisara sobre as noites. Noites em que Matilde ficava sozinha na mansão vazia enquanto o pai e Carlota viajavam. Noites em que os soluços abafados atravessavam o corredor, impedindo Leonor de dormir.
Leonor dizia a si mesma para ignorar. Não fora contratada para ser conselheira. Mas, naquela noite, os soluços soavam crus, desesperados.
Com um suspiro, endireitou os ombros, caminhou em bicos de pés pelo corredor e parou à frente da porta de Matilde.
Hesitou, lembrando-se do aviso severo de Beatriz: “Nunca te mostres. Nunca te metas com a família. Mantém-te discreta.”
Mas a consciência venceu a cautela. Bateu à porta suavemente.
Nenhuma resposta — apenas o som do choro baixinho.
Leonor empurrou a porta e entrou.
O quarto estava escuro, iluminado apenas por uma luz noturna em forma de estrela. Matilde sentou-se na cama, assustada.
“O que estás a fazer aqui?!”, gritou a menina, agarrando numa almofada e atirando-a. “Sai! Vou chamar a segurança!”
Leonor apanhou a almofada com facilidade, devolveu-a à cama e cruzou os braços. “É impossível dormir nesta casa”, disse. “Alguém está sempre a chorar. Queres explicar porquê?”
“Como te atreves! Vou dizer ao meu pai — és despedida!”, berrou Matilde, a voz trémula entre raiva e pânico.
“Então que ele me despeça”, retorquiu Leonor. “Mas diz-me, Matilde — o que é tão horrível? O teu pai esqueceu-se de te comprar a pulseira de diamantes certa? Ou a manicure lascou-se?”
Os olhos de Matilde encheram-se de lágrimas. “Não percebes nada! Se ao menos soubesses como eu sofro!”
“Ah, eu acredito”, disse Leonor secamente. “Quero dizer, deve ser terrível — ter um motorista a levar-te para todo o lado, viver num palácio como este.”
Matilde piscou os olhos, confusa. “Porque é que isso seria terrível?”
Leonor suavizou o tom. “Quando eu tinha a tua idade, os meus amigos e eu caminhávamos juntos da escola, parávamos para um gelado, nadávamos no lago. Não tínhamos muito, mas pelo menos tínhamos uns aos outros. E tu? Alguma vez tens amigos aqui?”
Os lábios de Matilde tremeram. Abanou a cabeça.
“Nenhum?”, perguntou Leonor, surpresa.
“Nem um. Tive uma mãe uma vez”, sussurrou Matilde. “Mas depois do divórcio, ela… desapareceu. O meu pai mandou-me estudar para o estrangeiro. Fiquei doente lá, então ele trouxe-me de volta. Agora sou só eu.”
Leonor sentou-se na beira da cama. “Porque não vives com a tua mãe?”
Os olhos de Matilde baixaram-se. “Ela não me quer. Tem uma família nova agora — um marido, crianças pequenas. O meu pai disse-me.”
O coração de Leonor apertou-se. Lembrou-se da própria infância, dos momentos em que também se sentira esquecida. As palavras saíram-lhe antes que pudesse pará-las: “Que coisa horrível para um pai dizer. Nenhum homem decente diria isso a um filho.”
E então —
Uma voz profunda e autoritária cortou o ar.
“Estás a falar de mim?”
Ambas congelaram.
Bernardo Sousa estava na porta, alto, de ombros largos, a expressão impenetrável.
Matilde arfou e puxou o cobertor sobre a cabeça. “Pai — já voltaste?”
O olhar de Bernardo fixou-se em Leonor. “Quem és tu, e o que estás a fazer no quarto da minha filha?”
“Sou a empregada”, gaguejou Leonor. “Só queria ver se ela estava a dormir.”
“Foram-te ditas as regras”, disse Bernardo friamente. “Não entras no quarto dela. Se ouvires algo, chamas a senhora Teixeira. Não te intrometas.”
“Sim… fui avisada”, murmurou Leonor, olhando para Matilde, que permanecia imóvel sob o cobertor.
“Estás despedida”, declarou Bernardo. “Faz as malas. Não trabalhas mais aqui.”
O coração de Leonor disparou. Despedida? Assim, sem mais? A família dela precisava desesperadamente daquele dinheiro. Mas, mais do que isso, ao ver os olhos assustados de Matilde espreitando por debaixo do cobertor, algo dentro dela revoltou-se.
“Tudo bem”, disse Leonor calmamente. “Despeça-me. Mas antes disso — olhe para a sua filha. Percebe que ela chora todas as noites? Que se sente sozinha nesta casa enorme? Que acha que a mãe a abandonou porque o senhor lhe disse isso?”
“Chega”, cortou Bernardo, o maxilar tenso.
A voz abafada de Matilde rompeu o silêncio: “Pai… é verdade? A mãe não me quis mesmo? Ou… foste tu que disseste isso?”
O silêncio era pesado. Por um instante, Bernardo pareceu quase humano — os ombros curvaram-se, os olhos escureceram.
Finalmente, disse roucamente: “Volta a dormir, Matilde. Falamos de manhã.”
Virou-se e saiu do quarto.
Leonor ficou junto à porta, dividida entre ir e ficar. A mão de Matilde esticou-se, agarrando-lhe a manga.
“Por favor”, sussurrou a menina. “Não vás.”
Leonor ficou com ela até adormecer, exausta de tanto chorar. Ajeitou-lhe um fio de cabelo e murmurou: “Não estás sozinha. Lembra-te disso.”
Na manhã seguinte, Leonor esperava ser acompanhada para fora da propriedade. Fez as malas e esperou na cozinha dos empregados.
Mas, em vez de um segurança, foi Bernardo quem apareceu.
Parecia diferente à luz do dia — menos intimidante, mais cansado. Pousou uma pasta em cima do balcão.
“Fui duro ontem à noite”, admitiu. “Ultrapassaste um limite, sim. Mas talvez fosse um limite que precisava de ser ultrapassado.”
Leonor pestanejou, surpresa.
Ele continuou: “Tenho… protegido a Matilde da mãe. Não porque a mãe não se importe, mas porque… não quE quando Matilde finalmente reencontrou a mãe, descobrindo que nunca fora abandonada, abraçou Leonor e disse, com os olhos brilhantes: “Afinal, a família também se escolhe.”