Marina dobrou cuidadosamente a última camisa e enfiou-a na mala do Rodrigo. Depois de tantos anos de casados, fazer as malas para as suas viagens de trabalho tinha-se tornado um ritual silencioso que ela adorava, arrumando cada objeto com carinho.
“Não te esqueças do carregador do portátil”, lembrou-lhe enquanto fechava a mala. Rodrigo olhou para o relógio, visivelmente tenso.
“Obrigado, amor. Tenho de ir. O táxi está à porta.” Deu-lhe um beijo rápido na face, agarrou a mala e saiu a correr.
“Liga quando chegares!”, gritou Marina. “Ligo!”, respondeu ele, enquanto a porta batia.
Ela aproximou-se da janela e viu o carro a afastar-se. A despedida apressada pareceu-lhe estranha; ele costumava demorar-se mais, mais afetuoso. Mas ignorou o pensamento; provavelmente estava só ansioso com a reunião que ia ter. O apartamento ficou instantaneamente vazio e frio. Para se distrair, Marina decidiu ir ao Colombo Shopping e comprar finalmente umas coisas que andava a adiar.
Horas depois, carregada de sacos, percorria o centro comercial. Planeava almoçar no seu café favorito, no piso três, mas o telemóvel tocou: uma colega sugeriu encontrarem-se no restaurante A Talhada, no segundo piso, para provarem o menu novo. Marina aceitou; o restaurante ficava ali mesmo, e ela gostava do ambiente, apesar de lá ir pouco.
Ao subir, conseguiu ver o interior pelas grandes janelas de A Talhada. De repente, os pés pregavam-se ao chão: Rodrigo estava sentado à mesa, junto à vidraça. À frente dele, uma mulher que Marina nunca tinha visto. Conversavam animadamente.
A mulher riu-se, tocando-lhe levemente na mão, e nos olhos do Rodrigo, Marina viu uma expressão que não via há muito tempo.
O tempo parou. O coração também, e a visão desfocou-se. O homem que supostamente estaria num voo para Berlim estava ali, a almoçar com outra.
O primeiro impulso foi entrar a gritar e exigir explicações. Mas algo—orgulho, talvez medo—impediu-a. Respirou fundo, virou-se devagar e afastou-se.
Com dedos trémulos, cancelou o almoço com a colega e ligou à sua melhor amiga.
“Inês, podes aparecer? Agora”, disse, a voz a falhar.
“O que aconteceu?”, perguntou Inês, alarmada.
“Acabei de ver o Rodrigo com uma mulher num restaurante. Devia estar num avião.”
“Onde estás?”
“No Colombo.”
“Espera por mim no café Nicolau, no piso zero. Chego aí em quinze minutos.”
Marina sentou-se num canto, mexendo distraidamente o chá gelado. As questões multiplicavam-se. Quem era a mulher? Há quanto tempo isto se passava? As viagens do Rodrigo eram reais? As chamadas à meia-noite, as noites fora, a nova password do telemóvel…
“Marina!”, interrompeu a voz de Inês. Sentou-se à frente dela e apertou-lhe as mãos.
“Conta-me tudo.”
Marina descreveu a cena, tentando controlar a voz.
“Não sei o que fazer, Inês. Parte de mim nem quer saber a verdade.”
“E se não for o que parece? Talvez haja uma explicação.”
Marina sorriu com amargura. “Que explicação há para um homem que mente sobre uma viagem e almoça com outra?”
“Não sei”, admitiu Inês. “Mas antes de decidires, talvez devas investigar?”
“O quê? Confrontá-lo?”
Inês pensou. “Que tal seguirmos os dois? Vamos ver para onde vão.”
Espiar o marido era humilhante, mas a incerteza doía ainda mais. Marina concordou.
Refugiaram-se na livraria em frente ao restaurante, fingindo espreitar livros. Quarenta minutos depois, Rodrigo e a acompanhante saíram. A mulher era uma elegante morena, de cerca de trinta anos, figura impecável.
“Estão a sair”, sussurrou Inês.
Mantendo distância, seguiram-nos. Lá fora, a mulher entrou num táxi. Rodrigo ajudou-a, trocaram um breve aperto de mão—nada mais—e o carro partiu. Ele ficou no estacionamento, ligou a alguém e depois chamou outro táxi.
“Vamos atrás dele”, disse Marina.
O táxi seguiu o de Rodrigo até ao Edifício Atlântico, onde ficava o escritório da empresa dele. Lá dentro, ele falou tensamente com a rececionista antes de desaparecer no gabinete do chefe.
“Talvez a viagem tenha sido cancelada em cima da hora”, sugeriu Inês.
—Então quem é a mulher? E por que não ligou?
Esperaram. Meia hora depois, Rodrigo saiu com uma pasta e desceu. Marina e Inês esconderam-se atrás de uma coluna e correram para outro táxi.
“Casa”, disse Marina ao motorista. Acertou: o táxi de Rodrigo parou à porta do prédio deles. Marina dispensou Inês e entrou sozinha.
Rodrigo estava na cozinha, a olhar para o portátil.
“Marina! Já estás em casa?” Parecia genuinamente surpreendido.
“Como vês”, respondeu ela, fria. “Não devias estar num avião?”
Ele ficou tenso. “A viagem foi cancelada em cima da hora. Ia ligar, mas foi tudo uma correria.”
“Tão corrida que não deste um toque?”
“Desculpa.” Baixou os olhos. Marina sentou-se à frente dele.
“Quem é ela, Rodrigo?”
“Quem?” Ele franziu a testa.
“A mulher com quem almoçaste n’A Talhada.”
Ele empalideceu. “Estiveste a seguir-me?”
“Não. Vi-te por acaso.”
O silêncio prolongou-se. Finalmente, ele falou: “Não é o que estás a pensar.”
“O que é que eu devo pensar? Disseste que ias viajar, e no entanto estás a almoçar com outra!”
“Chama-se Ana Sofia. Representa uns investidores alemães.”
“E por isso mentiste sobre a viagem?”
“Não menti. A viagem foi cancelada quando eu já estava no aeroporto. O meu chefe ligou: uma investidora estava de passagem. Tive de a encontrar.”
“Por que não me disseste?”
Ele hesitou. “Porque… não era uma reunião normal.”
O coração de Marina apertou-se. “Eu sabia.”
“Não, não é isso! O meu chefe disse-me: se eu a convencesse a assinar o contrato com condições especiais, seria promovido a diretor de vendas.”
“E não podias ter mandado uma mensagem?”
“Queria surpreender-te se resultasse. Se não, para quê preocupar-te à toa?”
“E resultou?” perguntou Marina.
Rodrigo sorriu. “Sim. Assinou um acordo preliminar. A delegação principal vem no próximo mês.”
Ela ainda duvidava. Abriu a pasta: lá estava o contrato, assinado por Ana Sofia Müller. Depois, tirou uma caixa de veludo; dentro, um colar de safiras que Marina tinha admirado há tempos.
“Comprei-o na semana passada e ia dar-to esta noite, junto com a notícia.”
A raiva arrefeceu, mas uma questão persistiu: “Por que estavas tão feliz com ela?”
“Ela aceitou as nossas condições; foi alívio, nada mais.”
Apertou-lhe a mão. “És a única mulher na minha vida. As minhas viagens são reais.”
Ela quis acreditar. “Posso fazer algumas perguntas?”
“Claro.”
“O que é que comeram?”
“Ela pediu a salada da casa e o bife com molho de trufa. Eu pedi o peixe.”
“E falaram de quê?”
“Da culturaMarina abraçou-o, aliviada, e pensou que, afinal, o maior perigo não era ele mentir, mas ela deixar de acreditar no amor que os unia.