Cinco anos depois de perder a minha esposa, a minha filha e eu fomos ao casamento do meu melhor amigo. Mas o meu mundo desmoronou quando ele ergueu o véu da noiva. Quando a minha filha sussurrou, “Pai, por que estás a chorar?”, a noiva fixou os olhos em mim — e naquele instante, tudo desabou.
Nunca tinha planeado ir àquela festa. O meu amigo Marco insistiu, dizendo que me ia “tirar da fossa”. Eu tinha passado a semana a fazer horas extras no estaleiro, e o meu corpo parecia feito de cimento.
“Só uma hora”, disse ele, empurrando-me para dentro de um apartamento no centro da cidade. “Depois podes voltar para casa e ser eremita outra vez.”
Engraçado como os momentos mais importantes da vida acontecem quando menos esperamos.
A festa estava cheia de pessoas que pareciam nunca ter levantado nada mais pesado que uma taça de martini. Sentia-me deslocado, com as minhas calças de ganga gastas e a t-shirt desbotada.
Foi então que vi a Leonor.
Ela também não devia estar ali. Descobri mais tarde que só tinha ido deixar uma coisa para uma amiga.
Os nossos olhos cruzaram-se pela sala, e algo se encaixou. Faíscas, química, seja o que for — eu sabia que a queria na minha vida.
“Quem é aquela?”, perguntei ao Marco, acenando na direção dela.
Ele seguiu o meu olhar e assobiou baixinho. “Leonor. Não percas tempo, homem. A família dela é dona de metade do Porto.”
Mas eu já estava a caminhar na direção dela.
Ela sorriu quando me aproximei, e aquele sorriso atingiu-me como um murro.
“Chamo-me Rodrigo”, disse, estendendo a mão.
“Leonor”, respondeu, a voz suave mas firme. A mão era pequena na minha, mas o aperto era decidido. “Pareces tão à vontade aqui como eu me sinto.”
Conversámos durante horas. Ela não era o que eu esperava — nada de ar de menina rica, só calor genuíno e curiosidade — e, no final da noite, sabia que estava em apuros.
“Os meus pais iam odiar-te”, disse ela, enquanto a acompanhava até ao carro, o luar a brincar no seu cabelo escuro.
“Isso é um problema?”, perguntei.
Ela olhou para mim, com aqueles olhos que pareciam ver-me por dentro. “Provavelmente. Mas acho que não quero saber.”
Seis meses depois, estávamos casados. Os pais dela não compareceram ao casamento. Cortaram relações por completo: sem herança, sem férias em família, nada.
Mas a Leonor só apertou a minha mão e disse: “Não quero saber do dinheiro. Só quero a ti.”
Durante um tempo, foi suficiente.
Mudámo-nos para um apartamento pequeno de dois quartos. Eu trabalhava no estaleiro durante o dia e estudava arquitetura à noite. A Leonor arranjou emprego numa galeria local. Éramos felizes, ou pelo menos eu pensava que sim.
Depois nasceu a Sofia, e algo mudou.
O brilho nos olhos da Leonor começou a desvanecer. Ela começou a comparar a nossa vida com a que tinha deixado para trás.
“A minha colega de faculdade comprou uma casa de férias na Comporta”, comentou uma noite, enquanto comíamos esparguete com atum na nossa cozinha minúscula. A Sofia dormia no berço ao nosso lado.
“Que bom”, respondi, sem levantar os olhos dos projetos que estava a estudar.
“Ela convidou-nos para lá ir. Tive de dizer que não podíamos pagar a viagem.”
A dor das suas palavras foi aguda. “Nós estamos bem, Leonor. As coisas vão melhorar.”
“Quando?”, perguntou, a voz cortante. “Quando a Sofia for para a universidade? Quando nos reformarmos? Estou farta de esperar por ‘melhor’, Rodrigo.”
As discussões tornaram-se mais frequentes. Ela odiava contar tostões e detestava a nossa vida modesta.
“Não foi para isto que me casei”, dizia.
Como se eu a tivesse enganado. Como se o amor pagasse as contas.
“Sabias quem eu era quando casaste comigo”, lembrei-lhe numa das discussões mais brutais.
“Talvez esse tenha sido o problema”, respondeu, fria. “Pensei que já serias mais do que isto.”
No dia seguinte, cheguei a casa mais cedo, com um ramo de flores para a surpreender. O apartamento estava silencioso.
A mala da Leonor e todas as suas coisas tinham desaparecido.
No berço, encontrei um bilhete:
*Quero o divórcio. Lamento, mas o nosso casamento foi um erro. Deixei a Sofia com a Dona Anabela, no apartamento ao lado. Podes ficar com ela.*
Liguei-lhe cem vezes. Sem resposta. Fui até à mansão dos pais dela, desesperado, com os olhos a arder.
O segurança não me deixou entrar.
“Não é bem-vindo aqui, senhor”, disse, quase com pena.
“Por favor, preciso de falar com a Leonor”, implorei.
“Senhor, vai ter de sair.”
Dois dias depois, recebi os papéis do divórcio. A Leonor tinha renunciado aos seus direitos parentais sobre a Sofia. Os advogados do pai dela trataram de tudo com eficiência brutal.
E depois veio o golpe final.
Seis meses depois de ela ter partido, liguei uma última vez para casa dos pais dela.
“Ela morreu”, disse a mãe, a voz plana. “A Leonor morreu num acidente de carro. Não ligues mais. Não significavas nada para ela.”
A chamada terminou.
Desabei no chão da cozinha, a chorar até a Sofia acordar, também em lágrimas.
Nem sequer me deixaram ver a campa dela. Foi apagada da minha vida como se nunca tivesse existido.
Entreguei-me ao trabalho e a criar a Sofia. Terminei o curso e comecei a projetar casas, em vez de as construir. As pessoas repararam no meu talento.
Em três anos, tinha o meu próprio escritório. A Sofia cresceu e tornou-se uma menina inteligente e feliz, a imagem da mãe.
Passaram-se cinco anos. A vida continuou, e a dor tornou-se apenas uma pontada ocasional.
Depois chegou o convite.
O Sérgio, o meu melhor amigo de há uns anos, ia casar-se. Tínhamos perdido contacto quando ele se alistou no exército, mas agora queria-me lá.
“O que achas, Sofia? Vamos ao casamento do Tio Sérgio?”, perguntei à minha filha, enquanto ela coloria.
“Vai haver bolo?”, perguntou, séria.
Ri-me. “Vai, sim. Um bolo grande e bonito.”
“Então vamos”, decidiu, voltando ao seu desenho.
O casamento foi num resort à beira-mar, com flores brancas e brisa do oceano. O Sérgio abraçou-me com força quando chegámos.
“Meu, olha para ti! Um homem de sucesso!”, disse, dando-me uma palmada no braço. “E esta princesa deve ser a Sofia.”
A Sofia sorriu, envergonhada.
A cerimónia foi linda.
Os convidados enchiam as cadeiras brancas na praia. A Sofia sentou-se ao meu lado, a balançar os pés e a brincar com a flor que lhe pusera no cabelo.
A música começou, e todos se levantaram.
A noiva caminhou pelo corredor, o rosto coberto por um véu.
E então aconteceu.
O Sérgio sorria quando ela se aproximou. Quando chegou ao altar, ergueu-lhe o véu suavemente.
Parei de respirar. As lágrimas escorreram-me pela cara antes de perceber que estava a chorar.
A Sofia olhou para mim, confusa. “Pai, por que estás aA noiva virou-se para mim, os olhos cheios de um passado que nunca morrera, e sussurrou apenas: “Perdoa-me”, antes de desaparecer entre as sombras do corredor, deixando para trás um silêncio que, finalmente, me trouxe paz.