Beijei meu marido ao voltar da viagem; horas depois, o vi com outra mulher.

Beatriz dobrou cuidadosamente a última camisa e colocou-a na mala do João. Depois de tantos anos de casados, arrumar as coisas para as suas viagens de trabalho tinha virado um ritual que ela adorava, cuidando de cada detalhe com carinho.

“Não esqueças o carregador do portátil,” lembrou-lhe, enquanto ele fechava a mala. João olhou para o relógio, visivelmente apertado.

“Obrigado, amor. Tenho de ir. O táxi já chegou.” Deu-lhe um beijo rápido na bochecha, agarrou a mala e correu para a porta.

“Ligas quando chegares!” gritou Beatriz. “Ligo sim!” respondeu ele, enquanto a porta batia.

Ela aproximou-se da janela e viu o carro a afastar-se. A despedida apressada parecia estranha; ele costumava demorar mais, ser mais carinhoso. Mesmo assim, ignorou—devia estar nervoso com a reunião. O apartamento ficou vazio e frio de repente. Para se distrair, Beatriz decidiu ir ao Centro Colombo e comprar umas coisas que andava para comprar há tempos.

Horas mais tarde, carregada de sacos, caminhava pelo centro comercial. Tinha planeado almoçar no seu café preferido no terceiro piso, mas o telemóvel tocou: uma colega sugeriu encontrarem-se no restaurante Aromas, no segundo piso, para experimentar o menu novo. Beatriz aceitou; o restaurante ficava mesmo ali, e ela gostava do ambiente, apesar de não ir lá muitas vezes.

Ao subir para o segundo piso, conseguiu ver o interior do Aromas pelas janelas grandes. Foi então que os pés pareciam grudar no chão: João estava sentado a uma mesa junto à janela. Em frente dele estava uma mulher que Beatriz nunca tinha visto. Conversavam animadamente.

A mulher riu-se, tocando-lhe levemente na mão, e nos olhos do João, Beatriz viu uma expressão que não via há muito tempo.

O tempo parou. O coração parou, e a visão desfocou-se. O homem que supostamente estava num voo para o Porto estava a almoçar com outra.

O primeiro impulso foi entrar a exigir explicações. Mas alguma coisa—orgulho, talvez medo—impediu-a. Respirou fundo, virou-se devagar e afastou-se.

Com os dedos a tremer, cancelou o almoço com a colega e ligou à sua melhor amiga.

“Inês, estás livre? Agora mesmo,” disse, com a voz a falhar.

“O que aconteceu?” perguntou Inês, alarmada.

“Acabei de ver o João com uma mulher num restaurante. Ele devia estar num avião.”

“Onde estás?”

“No Colombo.”

Espera por mim no Café Pastelaria, no piso térreo. Estou aí em quinze minutos.

Beatriz sentou-se num canto, mexendo distraidamente o chá gelado. Perguntas invadiram-na. Quem era ela? Há quanto tempo isto acontecia? As viagens do João eram mesmo reais? As chamadas à noite, as horas extras, a palavra-passe nova no telemóvel…

“Beatriz!” A voz de Inês interrompeu-a. Sentou-se à frente e apertou-lhe as mãos.

“Conta-me tudo.”

Beatriz descreveu a cena, tentando controlar a voz.

“Não sei o que fazer, Inês. Parte de mim nem quer saber a verdade.”

“E se não for o que parece? Talvez haja uma explicação.”

Beatriz sorriu com amargura. “Que explicação há para um homem que mente sobre uma viagem e almoça com outra?”

“Não sei,” admitiu Inês. “Mas antes de decidires, talvez devas investigar?”

“Como? Perguntar-lhe diretamente?”

Inês pensou. “E se os seguirmos? Vamos ver para onde vão.”

Espiar o marido era humilhante, mas a dúvida doía mais. Beatriz anuiu.

Refugiaram-se na livraria em frente ao restaurante, fingindo ver livros. Quarenta minutos depois, João e a acompanhante apareceram. A mulher era elegante, morena, com uns trinta anos, figura impecável.

“Estão a sair,” sussurrou Inês.

Mantendo distância, seguiram-nos. Lá fora, a mulher entrou num táxi. João ajudou-a, cumprimentaram-se com um aperto de mão, e o táxi partiu. João ficou no estacionamento, ligou a alguém, e depois entrou noutro táxi.

“Vamos atrás dele,” disse Beatriz.

O táxi delas seguiu o dele até ao Edifício Atlântico, onde ficava o escritório da empresa dele. Lá dentro, falou tenso com a rececionista antes de desaparecer no gabinete do chefe.

“Talvez a viagem tenha sido cancelada à última hora,” sugeriu Inês.

“Então quem era ela? E porque é que não me ligou?”

Esperaram. Meia hora depois, João saiu com uma pasta e desceu. Beatriz e Inês esconderam-se atrás de uma coluna e correram para apanhar outro táxi.

“Casa,” disse Beatriz ao motorista. Acertou: o táxi dele parou à porta do prédio. Deixou Inês ir e entrou sozinha.

João estava na cozinha, a olhar para o portátil.

“Beatriz! Já estás em casa?” Parecia genuinamente surpreendido.

“Como vês,” respondeu ela, friamente. “Não devias estar num avião?”

Ele ficou tenso. “A viagem foi cancelada à última hora. Ia ligar, mas tudo ficou caótico.”

“Tão caótico que não pudeste mandar uma mensagem?”

“Desculpa.” Ele baixou os olhos. Beatriz sentou-se em frente.

“Quem era ela, João?”

“Quem?” Ele franziu a testa.

“A mulher com quem almoçaste no Aromas.”

Ele ficou pálido. “Estiveste a seguir-me?”

“Não. Vi-te por acaso.”

O silêncio pesou. Finalmente, ele falou: “Não é o que estás a pensar.”

“O que é que eu devo pensar? Disseste que ias viajar e em vez disso estás a almoçar com outra!”

“Chama-se Ana Sofia. Representa investidores alemães.”

“E por isso mentiste sobre a viagem?”

“Não menti. A viagem foi cancelada quando já estava no aeroporto. O meu chefe ligou—um investidor estava de passagem. Tive de me encontrar com ela.”

“Porque é que não me disseste?”

Ele hesitou. “Porque… não era uma reunião normal.”

O coração de Beatriz afundou. “Eu sabia.”

“Não, não é isso! O chefe disse-me: se eu a convencesse a assinar o contrato com condições especiais, seria promovido a diretor comercial.”

“E nem uma mensagem podias mandar?”

“Queria surpreender-te se desse certo. Se não, para quê preocupar-te?”

“Deu certo?” perguntou Beatriz.

João sorriu. “Sim. Ela assinou um acordo preliminar. A delegação principal vem no próximo mês.”

Mesmo assim, ela duvidava. Abriu a pasta: lá estava o contrato, assinado por Ana Sofia Müller. Depois, tirou uma caixa de veludo—dentro estava um colar de safiras que Beatriz tinha admirado.

“Comprei isto na semana passada e ia dar-to hoje à noite, junto com a notícia.”

A raiva acalmou, mas uma pergunta ficou: “Porque é que estavas tão feliz com ela?”

“Ela aceitou os nossos termos—foi um alívio, nada mais.”

Ele apertou-lhe a mão. “És a única mulher na minha vida. As minhas viagens são reais.”

Ela quis acreditar. “Posso fazer-te umas perguntas?”

“Claro.”

“O que é que comeram?”

“Ela pediu salada da casa e bife com molho de trufas. Eu pedi peixeBeatriz abraçou-o com lágrimas nos olhos, decidida a acreditar nele e a reacender a chama que os unira desde o início.

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