**Cansada de Ser Conveniente**
— Mãe, não precisa… — sussurrou Leonor.
— Preciso. Hoje vou dizer tudo. Sabem quanto custou a educação desta menina? Três empregos ao mesmo tempo.
Renunciei a tudo o que faz uma mulher feliz. Economizei em roupa e sapatos para pagar explicadores.
Peguei empréstimos para os estágios dela.
E sonhava apenas com um “obrigada”.
A voz tremia, mas ela continuou:
— Mas em vez de gratidão, recebi vergonha.
O envelope branco com detalhes dourados estava sobre a mesa, como se zombasse daquela mulher que temia abri-lo.
Maria do Carmo passou os dedos pela superfície lisa. Sabia que, dentro, havia palavras que a fariam sofrer. A filha ia casar-se, e a mãe era a última a saber.
O telemóvel tocou de repente, estridente.
— Mãe, recebeste? — a voz de Leonor soava tensa, como um fio prestes a arrebentar.
— Recebi.
— Escuta, há um pequeno problema. Disse a todos que estás gravemente doente. À beira da… morte, digamos.
As mãos tremeram. O envelope escapou-se, caiu no chão.
— Porquê?
— Ora, porquê?! — a irritação na voz cortou como uma faca. — O Guilherme trabalha numa empresa importante, vão estar lá pessoas influentes.
Estão acostumados a um certo nível. E tu… bem, tu compreendes.
Compreendia. Quarenta anos como contabilista — isso não era nível.
Três turnos seguidos para pagar explicadores — não era nível.
Empréstimos para os estágios da filha no estrangeiro — também não.
— Então… não vou?
— Claro que não! Como poderias, se estás doente? — Leonor riu-se com ironia. — As pessoas perguntariam por que a mãe da noiva se levantou da cama. Seria constrangedor.
Constrangedor. Quarenta anos de maternidade — era cômodo. Mas um lugar à mesa de casamento — isso já não.
— Leonor, querida…
— Chega, mãe, está decidido. Entendes, é importante para o meu futuro. Para o futuro do Guilherme e para o meu. Não me forces a escolher entre ti e o marido.
O silêncio da chamada terminada ecoou.
Maria do Carmo pegou no envelope, abriu-o finalmente. Um convite elegante, letras douradas:
*”Leonor e Guilherme têm o prazer de convidar…”* Amanhã. Sete da tarde. Restaurante *”O Dourado”*.
Olhou pela janela. No pátio, a vizinha Amélia regava flores, sorrindo ao telemóvel — a filha, como sempre, ligava. Maria sentiu um nó na garganta.
O telemóvel tocou novamente.
— Maria do Carmo? É a Júlia, do trabalho. A Leonor disse que estás muito mal. Precisas de médico?
O coração apertou-se. A filha já espalhara a mentira, garantindo que ninguém veria a mãe saudável da noiva.
— Obrigada, Júlia. Vou descansar.
— Melhoras. E dá os parabéns à Leonor, se puderes.
Após a chamada, Maria ficou a olhar para uma fotografia antiga. Leonor, universitária, num vestido que ela costurara de madrugada.
Naquela altura, a filha abraçava-a e dizia: *”Mãezinha, amo-te tanto.”*
Amava-a. Até se tornar bem-sucedida.
— Mãe, porque insistes nestes eventos? — dizia Leonor nos últimos anos. — Vais ficar entediada.
Gente moderna, assuntos atuais. É melhor ficares em casa.
Em casa. Sozinha. Para não envergonhar a filha bem-sucedida.
Na manhã seguinte, Maria acordou descansada, tomou o pequeno-almoço com calma. Depois, refletiu, levantou-se e abriu o guarda-roupa.
O único vestido elegante pendurado — azul-marinho, discreto.
Passou a mão pelo tecido. Por que era pior que os outros? Não se vestia pior que as amigas da filha, não era menos inteligente. Apenas… não era moderna.
Imaginou o jantar no restaurante. Os convidados, os discursos. Os noivos, bonitos e felizes.
E ninguém perguntaria pela mãe da noiva. Todos saberiam: estava doente. À beira da morte.
Maria pegou no telemóvel e marcou o número de um táxi.
— Preciso ir ao centro. À *Boutique das Flores*.
— Em quinze minutos, está lá.
Vestiu-se, maquilhou-se. No espelho, uma mulher diferente. Não cansada, não humilhada. Digna.
Na boutique, mostravam-lhe vestidos. Escolheu um esmeralda — a cor realçava-lhe os olhos.
— Excelente escolha — sorriu a vendedora. — Para uma ocasião especial?
— Para o casamento da minha filha.
— Que maravilha! Ela deve estar muito nervosa.
Nervosa. Para que a mãe não aparecesse.
Parou depois no cabeleireiro. O estilista, um rapaz simpático, falava sem parar.
— A minha mãe é um amor! — disse ele, enquanto penteava. — Criou-me sozinha, trabalhou em dois empregos.
Agora vive como uma rainha. Comprei-lhe um apartamento, ligo-lhe todos os dias. Em agosto, levo-a à praia. Não se pode abandonar uma mãe!
Não se pode. Mas abandonavam.
— Faz muito bem — murmurou Maria.
— Claro! Se não cuidarmos delas, quem o fará? Ela deu-me a vida toda.
A vida toda. Dedicada.
Quando terminou, o espelho refletiu uma senhora elegante, rejuvenescida. Só a ruga entre as sobrancelhas denunciava a angústia. Uma mãe que tinha o direito de estar no casamento da filha. Ou não?
Quem decidia? A mãe ou a filha?
O restaurante *O Dourado* brilhava com luzes e elegância. À entrada, os convidados riam-se em grupos. Reconheceu alguns — amigos de Leonor, colegas.
— Bem-vinda! — cumprimentou a rececionista. — Vem para o nosso evento?
— Para o casamento da Rocha.
— Desculpe… qual é o seu nome?
— Maria do Carmo Rocha. Mãe da noiva.
A rececionista pestanejou, confusa.
— Mas disseram-nos que a mãe da noiva estava… indisponível. Doente.
— Estou disponível — respondeu Maria, calma. — Totalmente.
Entrou no salão. A festa estava no auge — música, risos, brindes.
No centro, Leonor e Guilherme sorriam, felizes.
Mas faltava alguém naquela imagem perfeita.
Maria parou à entrada. Alguns convidados viraram-se, curiosos.
— Desculpe — aproximou-se um empregado. — Acho que se enganou no salão.
— Sou a mãe da noiva — anunciou ela, em voz alta. — Maria do Carmo Rocha.
O silêncio caiu como um véu. As conversas pararam. Leonor, pálida, levantou-se.
— Mãe? O que estás a fazer aqui?
— Vim para felicitar a minha filha.
— Mas tu… estás doente! Muito doente!
Maria caminhou até ao centro. A música cessou, todos observavam.
— Caros convidados — começou ela, voz firme. — Sou Maria do Carmo Rocha. Mãe da noiva. Aquela que, segundo vos disseram, está à beira da morte.
Cada palavra pesava como uma sentença.
— Quero tranquilizá-los: estou viva e saudável. Passe— Mas em vez de gratidão, recebi apenas a vergonha de ser uma mãe inconveniente.