O sol de julho queimava Sintra como um martelo incandescente sobre o asfalto, derretendo os últimos vestígios de frescor. O ar tremia acima do chão, como se a própria cidade sufocasse sob o peso do calor. Até as sombras das árvores, normalmente tão reconfortantes, pareciam uma ilusão—faixas finas de frescura que não conseguiam proteger do sol implacável. Foi neste meio-dia sufocante que Inês, como sempre, se apressava para o trabalho, mas hoje decidiu cortar caminho—através de um pequeno bosque que acompanhava uma antiga estrada.
Ela caminhava rápido, tentando abrigar-se sob as copas esparsas, quando um som estranho chamou sua atenção. Não era o canto de um pássaro, nem o farfalhar das folhas. Era algo vivo, fraco, angustiante—um ganido abafado, como um pedido de ajuda vindo do fundo de um pesadelo. Inês parou. O coração disparou. Escutou novamente. O som repetiu-se—tênue, ofegante, cheio de desespero.
Olhou para cima. E então viu.
A quase dois metros de altura, amarrado por um laço curto a um carvalho robusto, pendia um cão grande. Castanho-avermelhado, com peito largo e pelo comprido, ele estava preso à árvore como se fosse uma punição medieval. As patas quase não tocavam o chão. A língua pendia, seca e escura. Os olhos—enormes, úmidos, cheios de dor e terror—imploravam por socorro. Insetos zumbiam em torno do focinho, e o pelo estava emaranhado, molhado de suor e medo.
—Meu Deus… quem fez isso contigo?!— Inês exclamou, sem pensar.
Ela correu para frente, o coração batendo como se quisesse escapar do peito. O cão tentou latir, mas só saiu um som rouco—sinal de que gritara tanto que a voz o abandonara.
Inês pegou o telemóvel, as mãos trêmulas, e ligou para o serviço de resgate animal. A resposta foi a esperada: só chegariam dali a uma hora. Uma hora. Naquele calor, era uma sentença de morte.
—Não. Não posso esperar— murmurou, olhando ao redor.
Havia um galho seco no chão. Inês agarrou-o, tentando alcançar o nó. A corda estava apertada, encharcada de suor e saliva. Ela bateu, empurrou, tentou soltá-lo, até que, após longos minutos de esforço, o nó afrouxou.
A corda cedeu. O cão caiu no chão, pesado, ofegante, tremendo.
—Calma, calma, estás seguro—sussurrou Inês, ajoelhando-se.
Passou um minuto. Depois outro. E então, devagar, o cão levantou-se. Vacilou, mas ficou em pé. E, pela primeira vez em muito tempo, seus olhos brilharam. Ele aproximou-se de Inês, encostou o focinho em sua mão e lambeu seus dedos com doçura.
—Como te chamas, meu herói?—perguntou ela, verificando a coleira.
Nada. Sem identificação, sem número, sem contato. Apenas pele suja e marcas da corda no pescoço.
Duas horas depois, no abrigo da ONG “Coração da Floresta”, havia um novo hóspede. O cão, ainda trêmulo, mas já bebendo água e deitado numa cama macia, conquistou os voluntários.
—Precisamos dar-lhe um nome—disse uma das raparigas, acariciando-lhe o dorso. —Algo forte. Algo da natureza.
—Tupan—sugeriu a voluntária mais experiente. —Em honra do protetor das florestas.
A veterinária Joana examinou-o cuidadosamente.
—Vejam só—disse, abanando a cabeça. —Ele é um cão de casa. Pelo cuidado, dentes limpos, musculatura. Não é um vadio. Foi amado. Alguém cuidou dele, alimentou-o, levou-o ao veterinário.
—Então como acabou amarrado a uma árvore como um criminoso?—perguntou outra voluntária, cerrando os punhos.
A foto de Tupan—com olhos fundos, marcas da corda no pescoço—espalhou-se nas redes sociais.
“Quem seria capaz disto?”
“Isto não é crueldade—é tortura!”
“Se descobrirem o culpado, que pague por isto!”
Os posts viralizaram. Milhares de partilhas, centenas de chamadas para o abrigo, ofertas de ajuda. As pessoas exigiam justiça.
Enquanto isso, a milhares de quilómetros de Sintra, no Algarve, a família Mendes aproveitava as férias. Pedro e Leonor estavam deitados em espreguiçadeiras, ouvindo o mar. O filho, João, construía um castelo de areia.
—Estás a pensar no Tomás?—perguntou Leonor, terminando o café.
—Não te preocupes—Pedro sorriu. —O senhor Alberto é de confiança. O Tomás adora-o. São como velhos amigos.
Mas a verdade era outra.
O senhor Alberto, o vizinho do andar de baixo, gostava mesmo do Tomás. O cão visitava-o frequentemente, deitava-se a seus pés, ganhava biscoitos. Ele aceitara cuidar do animal enquanto a família estava de férias.
Mas naquela noite fatídica, tudo deu errado.
Tomás saíra para o passeio habitual. De repente—um movimento. Um gato atravessou o quintal. O cão disparou com tanta força que a trela escapou das mãos do idoso.
—Tomás! Para! Vem!—gritou o senhor Alberto, correndo atrás.
Mas o cão era jovem, forte, o impulso levou-o para longe. Atravessou o bairro, desapareceu numa rua movimentada.
O velho procurou até tarde. Perguntou a transeuntes, revirou quintais, ligou para abrigos. Tomás sumira.
—O que vou dizer ao Pedro?—murmurou, sentado num banco. —Como pude perder o filho deles…
Três dias de busca. Cartazes nos postes. Chamadas a clínicas. Nada.
Enquanto isso, Tomás vagueava pela cidade. Um cão caseiro, acostumado ao calor humano, à comida certa, enfraquecia rapidamente. O açaime que o senhor Alberto pusera para segurança impedia-o de beber água das poças. Passava fome. Sofria o calor. Temia as pessoas.
E alguém—nunca se soube quem—amarrou-o ao carvalho.
Talvez alguém que pensou estar ajudando—”protegendo” um cão vadio. Ou um sádico. Ou apenas um indiferente que quis “afastar o incómodo”.
O mistério permanece.
Uma semana depois, Pedro voltou. Ao saber que Tomás desaparecera, empalideceu.
—Como?!—gritou. —Onde procuraram? Porque não chamaram a polícia?!
O senhor Alberto chorou. Leonor soluçou. João perguntou:
—Mãe, onde está o Tomás? Porque não veio receber-nos?
Ninguém respondeu.
As buscas recomeçaram. Pedro tirou dias do trabalho, visitou abrigos, espalhou cartazes.
E então—na página de uma ONG—viu a foto.
O coração parou.
Era Tomás. Mas não o Tomás que conhecia. Era a sombra dele—magro, olhos apagados, marcas no pescoço. A legenda:
“Tupan procura casa. Foi encontrado amarrado a uma árvore. Ajude-o a acreditar nas pessoas de novo.”
—Leonor!—Pedro gritou. —É ele! É o nosso Tomás!
Meia hora depois, estava à porta do abrigo.
—E assim, entre lágrimas e abraços, Tomás regressou para casa, onde o seu coração finalmente encontrou paz.