Havia muito tempo, quando o nosso cão da raça Serra da Estrela, Bento, não parava de latir para a babá, pensámos que era ciúme. Talvez até agressividade. Chegámos a sussurrar sobre encontrá-lo um novo lar. Mas uma noite, revi as imagens da câmara de segurança. O que vi deixou-me gelado até aos ossos. Bento não estava a portar-se mal. Estava a proteger a nossa filha.
A minha esposa, Rosa, e eu esperámos anos pelo nosso milagre, a pequena Leonor. A vida finalmente parecia perfeita — até que o comportamento de Bento mudou.
Recusava-se a sair de perto do berço de Leonor, vigiando-a como um soldado. A princípio, achámos graça. Mas quando contratámos uma babá, Cláudia, tudo mudou.
Desde o momento em que ela entrou, Bento rosnou. Bloqueou-lhe o caminho, ladrou quando ela pegou em Leonor, chegou até a mostrar os dentes. Estávamos divididos entre o cansaço e o medo — talvez Bento tivesse enlouquecido.
Até que uma noite, Cláudia ligou-nos em pânico, enquanto estávamos fora: “O Bento tentou atacar-me!” Corremos para casa e encontrámo-la pálida, abraçando Leonor, enquanto Bento se sentava calmo atrás do portão. Algo não batia certo.
Puxei as imagens da segurança. Foi então que a verdade me caiu em cima.
Cláudia tinha escondido um tablet e estava a transmitir ao vivo a hora de dormir de Leonor para estranhos na internet. Ignorou quando Leonor tossiu — quase se engasgou — porque estava vidrada no ecrã. Bento ladrou, empurrou o berço e, por fim, rosnou perto da perna dela para a assustar. Só então é que pegou em Leonor.
Ele não estava a atacar. Estava a salvar a nossa bebé.
Na manhã seguinte, Rosa entregou a Cláudia uma captura das imagens. Ela gelou, virou costas e saiu sem uma palavra. Denunciámos a transmissão e cortámos todo o contacto.
Nessa noite, Bento deitou-se ao lado do berço de Leonor, a cauda a abanar devagar. Colocámos uma medalha de prata na coleira dele, gravada com as palavras: “Guardião da Leonor.”
Porque Bento não era o problema.
Era o herói.