**18 de Junho, um dia que nunca esquecerei**
A Joana estava sentada na cadeira de vime na varanda, separando os morangos que tinha colhido de manhã. O sol quente de junho entrava por entre as folhas da macieira, desenhando sombras dançantes no chão de madeira. Pela janela aberta, o riso das crianças ecoava como música. A sua sobrinha e o seu sobrinho, o Tiago e a Sofia, corriam pelo quintal com pistolas de água, gritando de alegria cada vez que a água fresca lhes molhava as costas.
Era o verão que a Joana tinha imaginado durante os longos meses de inverno — dias tranquilos na casa de campo, manhãs lentas no jardim, noites cheias de chá e conversas com a sua irmã, a Margarida.
“Queres mais chá?”, chamou a Joana para a cozinha.
“Não, obrigada!”, respondeu a Margarida. “Vou fazer uma torta com as tuas groselhas. Espero não estragá-la!”
“Nunca estragas”, riu-se a Joana. “Tu até de ervas daninhas fazes um banquete.”
A Margarida espreitou pela porta, limpando as mãos no avental. “E tu farias crescer um jardim no cimento. Somos uma boa equipa.”
Tudo parecia perfeito. Quase tudo.
Todas as noites, acontecia algo estranho. O cão delas, o Nero, um labrador velhinho e tranquilo que já fazia parte da família há mais de dez anos, começava a rosnar baixinho, mas com um tom ameaçador — sempre à mesma hora, sempre parado à porta do quarto do bebé.
A primeira vez que aconteceu, a Margarida tinha acabado de deitar a sua filha, a Beatriz, de oito meses. O Nero entrara no quarto, parara perto do berço e rosnara — um rosnar profundo, de aviso, que nunca lhe tinham ouvido antes.
“Deve ter sido um pesadelo”, sussurrou a Margarida na manhã seguinte. “Ou talvez tenha visto o seu reflexo na janela.”
Mas aconteceu outra vez. E outra. Todas as noites. À mesma hora. No mesmo lugar. Aquele rosnar baixo.
Repreenderam o Nero com suavidade, sem saber o que pensar. Ele nunca fora agressivo, nunca ladrara ou mostrara os dentes, ficando ali como um guardião silencioso, com o corpo tenso e alerta.
Até que, numa noite, a Margarida não conseguiu dormir. O comportamento do Nero perturbava-a. Levantou-se por volta da meia-noite para ver a Beatriz. O Nero já lá estava.
Estava à porta do quarto, a rosnar — desta vez mais alto. Mas, quando a Margarida acendeu a luz, viu algo que lhe gelou o sangue.
Uma cobra negra e grossa deslizara por uma fenda no soalho antigo e estava agora enrolada a escassos centímetros do berço.
Sem hesitar, o Nero avançou e ladrou ferozmente, assustando a cobra. A Margarida agarrou a Beatriz e gritou pela Joana. Juntas, conseguiram afastar a cobra e vedaram a fenda no chão.
Na manhã seguinte, com o sol a nascer, a Joana ajoelhou-se ao lado do Nero, que agora descansava calmamente na varanda, abanando o rabo devagar.
“Estavas a tentar avisar-nos o tempo todo”, murmurou, passando a mão pela sua cabeça. “Sabias que ela estava em perigo.”
A Margarida teve os olhos cheios de lágrimas enquanto apertava a bebé. “Pensámos que ele estava a agir de maneira estranha. Mas estava a protegê-la.”
Naquele dia, arranjaram o soalho e inspecionaram toda a casa. Marcaram também uma consulta no veterinário — não porque o Nero estivesse doente, mas porque queriam garantir que o herói estava saudável e forte.
A partir daquela noite, o Nero nunca mais rosnou para o berço. Ainda se deitava perto da porta, por vezes, os olhos calmos e atentos, a vigiar a Beatriz como o guardião leal que sempre fora.
**LiE, desde então, sempre que o vento soprava suavemente pela varanda, lembrava-me que até os mais silenciosos podem ser os nossos maiores protetores.