Deixando o amor para trás, ele seguiu para casa

Depois de deixar a amante no carro, Marcelo despediu-se dela com um beijo suave e seguiu para casa. Parou por um instante à porta do prédio, pesando mentalmente cada palavra que diria à esposa. Subiu as escadas e abriu a porta.

— Olá — cumprimentou Marcelo. — Inês, estás em casa?

— Estou — respondeu a esposa, com indiferença. — Olá. Então, vou fritar os bifes?

Marcelo decidiu agir com firmeza, como um homem que não tem medo de enfrentar a verdade! Era hora de pôr fim à vida dupla, enquanto ainda sentia nos lábios o calor dos beijos da amante, antes que a rotina o engolisse de novo.

— Inês — ele pigarreou. — Preciso dizer-te… que temos de nos separar.

A reação de Inês foi mais do que tranquila. Aliás, nunca fora fácil tirá-la do sério. No início do casamento, até a chamava de “Inês de Gelo” por causa disso.

— O quê? — perguntou Inês, parada na porta da cozinha. — Não frito os bifes, então?

— Isso fica ao teu critério — respondeu Marcelo. — Se quiseres, frita. Se não quiseres, não frites. Mas eu vou-me embora. Estou com outra mulher.

A maioria das mulheres ou atacaria o marido com uma frigideira ou montaria um escândalo. Mas Inês não era como a maioria.

— Que drama — disse ela, encolhendo os ombros. — Trouxeste os meus sapatos da sapateira?

— Não… — Marcelo ficou confuso. — Se é tão importante, posso ir buscar agora mesmo!

— Ah, Marcelo… — resmungou Inês. — É sempre a mesma coisa. Mando-te buscar os sapatos e, no fim, trazes os velhos.

Marcelo sentiu-se ofendido. A conversa sobre o fim do casamento não estava a correr como esperado. Onde estavam as lágrimas, os gritos, as acusações? Mas, claro, o que mais se podia esperar de uma mulher com o temperamento de uma estátua?

— Inês, acho que não estás a perceber! — insistiu. — Estou a dizer-te que vou embora, que te troco por outra, e tu preocupas-te com sapatos?

— Exactamente — disse Inês. — Ao contrário de mim, tu podes ir aonde quiseres. Os teus sapatos não estão no conserto. Porque não os usas e vais-te embora?

Viveram juntos por anos, mas Marcelo nunca soube distinguir quando a esposa estava a ironizar ou a falar a sério. No início, fora precisamente o seu equilíbrio, a falta de conflito e a discrição que o atraíram. Sem contar com a sua habilidade doméstica e as suas formas agradáveis.

Inês era segura, fiel e fria como um bloco de mármore. Mas agora Marcelo amava outra. Amava com paixão, pecado e desejo! Era hora de pôr um ponto final e partir para uma nova vida.

— Então, Inês — disse ele, com um tom solene e pesaroso. — Sou-te grato por tudo, mas vou-me embora porque amo outra mulher. Já não te amo.

— Que exagero — respondeu Inês. — Não me ama, coitadinha de mim! A minha mãe, por exemplo, amava o vizinho. O meu pai amava o dominó e o bagaço. E olha só, ainda assim virei esta maravilha.

Marcelo sabia que argumentar com Inês era inútil. Cada palavra dela tinha o peso de uma pedra. Todo o seu ânimo desapareceu, e até a vontade de discutir se esvaiu.
— Inês, tu és mesmo incrível — disse ele, amargamente. — Mas eu amo outra. Amo-na com paixão, pecado e desejo. Vou-me embora, percebes?
— Outra? Quem? — perguntou a esposa. — A Sara Mendes, não será?

Marcelo recuou. Há um ano, tivera um caso secreto com a Sara, mas nunca imaginara que Inês a conhecesse!
— Como é que tu sabes…? — começou, mas interrompeu-se. — Não importa. Não, Inês, não é a Sara.

Inês bocejou.

— Então talvez seja a Joana Fonseca? É para ela que estás a cair de amores?

Marcelo sentiu um arrepio. A Joana também fora sua amante, mas isso ficara no passado. Se Inês sabia… por que não dissera nada? Ah, sim, ela era fechada como um cofre.

— Erraste outra vez — respondeu ele. — Nem a Sara nem a Joana. É uma mulher diferente, maravilhosa, o ápice dos meus sonhos. Não consigo viver sem ela e vou-me embora. Nem tentes mudar a minha decisão!

— Então deve ser a Rita — concluiu Inês, com um suspiro. — Marcelo, Marcelo… que trapalhão. Achas que é segredo? O ápice dos teus sonhos é a Rita Almeida. Trinta e cinco anos, um filho, dois abortos… Acertei?

Marcelo levou as mãos à cabeça. O tiro foi certeiro! Era mesmo a Rita com quem ele andava.

— Mas como?! — balbuciou. — Quem te contou? Andaste a espiar-me?

— Elementar, Marcelo — respondeu Inês. — Querido, sou ginecologista há anos. Já examinei todas as mulheres desta cidade, enquanto tu só conheces uma fração delas. Basta-me um olhar para saber onde estiveste, palerma!

Marcelo respirou fundo, tentando manter a compostura.
— Suponhamos que adivinhaste! — declarou, altivo. — Mesmo que seja a Rita, não muda nada. Vou-me embora.

— Ingénuo, Marcelo — retorquiu Inês. — Podias, pelo menos, ter-me perguntado! Aliás, não há nada de especial na Rita, é uma mulher comum, e digo isto como médica. Já viste o histórico clínico da tua “mulher dos sonhos”?

— N-não… — admitiu ele.

— Pois é! Primeiro, vai já tomar um banho. Depois, amanhã ligo ao Dr. Manuel para te atender no centro de saúde sem espera — disse Inês. — E depois conversamos. Que vergonha: o marido de uma ginecologista e não consegue arranjar uma mulher saudável!

— E o que é que eu faço agora? — perguntou Marcelo, em tom lamuriento.

— Vou fritar os bifes — respondeu Inês. — E tu vai lavar-te e faz o que quiseres. Se quiseres uma “mulher dos sonhos” sem doenças, avisa, eu recomendo-te umas quantas…

No fim, Marcelo percebeu que, por vezes, a maior ilusão não está no que procuramos, mas no que pensamos já ter encontrado.

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