**17 de Maio, 2024**
“Leonor, vamos ter de seguir caminhos diferentes.”
André disse isso com aquela brandura paternal na voz que usava sempre que ia pregar uma rasteira.
Recostou-se na cadeira imponente, os dedos entrelaçados sobre a barriga.
“Decidimos que a empresa precisa de uma nova imagem. Sangue novo. Tu entendes.”
Olhei para ele—para o rosto bem cuidado, para a gravata cara que eu própria o tinha ajudado a escolher para o último evento da empresa.
Será que eu entendia? Ah, sim. Eu entendia que os investidores tinham começado a falar numa auditoria independente, e ele precisava de se livrar da única pessoa que via o quadro completo. Eu.
“Entendo,” respondi, serena. “Sangue novo—quer dizer a Carolina da receção, que confunde débito com crédito, mas tem vinte e dois anos e ri-se de todas as tuas piadas?”
Ele estremeceu.
“Não é questão de idade, Leonor. É que… a tua abordagem está desatualizada. Estamos a nadar em círculos. Precisamos de um salto.”
Um “salto.” Andava a repetir essa palavra há seis meses. Eu ajudara a construir esta empresa com ele, desde o zero, quando nos amontoávamos num escritório minúsculo com paredes descascadas.
Agora que o escritório brilhava, eu já não combinava com o cenário.
“Tudo bem,” levantei-me com leveza, sentindo tudo dentro de mim ficar parado. “Quando devo desocupar a minha secretária?”
A minha calma deixou-o desconcertado. Ele esperava lágrimas, súplicas, um escândalo. Tudo o que lhe daria o direito de se sentir um vencedor magnânimo.
“Podes fazê-lo hoje. Sem pressa. Os RH vão preparar a papelada. Indemnização, tudo como deve ser.”
Acenei com a cabeça e dirigi-me à porta. Com a mão já no puxador, voltei-me.
“Sabes, André, tens razão. A empresa realmente precisa de um salto. E acho que eu vou proporcioná-lo.”
Ele não percebeu. Limitou-se a sorrir com condescendência.
No espaço aberto, onde cerca de quinze pessoas trabalhavam, o ambiente estava tenso. Todos sabiam tudo.
As raparigas desviaram o olhar, envergonhadas. Fui para a minha secretária. Uma caixa de cartão já estava lá. Eficiente.
Comecei a arrumar as minhas coisas em silêncio: fotos dos meus filhos, a minha caneca preferida, uma pilha de revistas profissionais.
No fundo da caixa, coloquei um pequeno ramo de lírios-do-vale que o meu filho me tinha oferecido no dia anterior, sem motivo.
Depois, tirei da mala o que tinha preparado com antecedência: doze rosas vermelhas—uma para cada colega que esteve comigo todos estes anos. E uma pasta preta grossa, amarrada com cordões.
Percorri o escritório, entregando uma flor a cada um.
Dizia palavras simples de agradecimento. Alguns abraçaram-me, outros choraram. Parecia uma despedida de família.
Quando regressei à minha secretária, só a pasta me restava nas mãos. Peguei nela, passei pelos olhares perplexos dos colegas e voltei ao gabinete de André.
A porta estava entreaberta. Ele estava ao telefone, a rir.
“Sim, a velha guarda está a sair… Sim, é hora de seguir em frente…”
Não me dei ao trabalho de bater. Entrei, aproximei-me da secretária dele e coloquei a pasta em cima dos papéis.
Ele ergueu o olhar, surpreendido, e tapou o auscultador com a mão.
“O que é isto?”
“É a minha despedida, André. Em vez de flores. Aqui estão todos os teus ‘saltos’ dos últimos dois anos.”
“Com números, faturas e datas. Acho que vais achar interessante estudar com calma. Principalmente a parte sobre as ‘metodologias flexíveis’ para transferir fundos.”
Virei-me e saí. Sentia o olhar dele a queimar primeiro a pasta e depois as minhas costas.
Ele disse qualquer coisa ao telefone e desligou. Mas não olhei para trás.
Percorri o escritório com uma caixa de cartão vazia nas mãos. Agora, todos me observavam.
Nos seus olhos, li uma mistura de medo e admiração secreta. Uma rosa vermelha estava em cada mesa. Parecia um campo de papoilas depois de uma batalha.
À saída, o chefe de TI, o Sérgio, alcançou-me. Um rapaz calado que o André considerava apenas um funcionário.
Há um ano, quando ele tentou impor-lhe uma multa pesada por uma falha no servidor que tinha sido culpa do próprio André, eu apresentei as provas e defendi-o. Ele não esquecera.
“Dona Leonor,” disse baixinho, “se precisar de alguma coisa… dados… cópias na nuvem… sabe onde me encontrar.”
Apenas acenei em agradecimento. Era a primeira voz de resistência.
Em casa, o meu marido e o meu filho, que está na universidade, esperavam por mim. Viram a caixa nas minhas mãos e perceberam tudo.
“Então, resultou?” perguntou o meu marido, tirando-me a caixa.
“O primeiro passo está dado,” respondi, tirando os sapatos. “Agora esperamos.”
O meu filho, futuro advogado, abraçou-me.
“Mãe, és incrível. Revisei todos os documentos que compilaste. Não há como escapar. Nenhum auditor vai contestar.”
Foi ele que me ajudou a sistematizar o caos da contabilidade paralela que eu andava a recolher em segredo há um ano.
A noite inteira esperei uma chamada. Ele não ligou. Imaginei-o sentado no escritório, página após página, e o seu rosto bem cuidado a ficar cada vez mais pálido.
A chamada chegou às onze da noite. Atendi em altifalante.
“Leonor?”—não havia um traço da brandura anterior na voz dele. Apenas pânico mal disfarçado. “Olhei para os teus… documentos. Isto é uma piada? Chantagem?”
“Porquê palavras tão duras, André?” respondi, calma. “Isto não é chantagem. É uma auditoria. Uma oferta.”
“Tu percebes que posso destruir-te? Por difamação! Por roubo de documentos!”
“E tu percebes que os originais desses documentos já não estão nas minhas mãos? E que se acontecer alguma coisa a mim ou à minha família, estes papéis vão automaticamente parar a sítios muito interessantes? Por exemplo, às Finanças.”
“E aos teus principais investidores.”
Respiração pesada do outro lado da linha.
“O que queres, Leonor? Dinheiro? Voltar a trabalhar?”
“Quero justiça, André. Quero que devolvas tudo o que roubaste à empresa. Até ao último cêntimo. E que te afastes tu mesmo. Em silêncio.”
“Estás louca!” gritou. “Esta é a minha empresa!”
“Era a NOSSA empresa,” cortei. “Até decidires que o teu bolso era mais importante. Tens até amanhã de manhã.”
“Às nove em ponto, espero notícias da tua demissão. Se não as houver, a pasta começa a sua viagem. Boa noite.”
Desliguei antes de ouvir os seus insultos.
A manhã não começou com notícias. Às nove e quinze, recebi um e-mail do André.
Reunião urgente às dez em ponto. E uma nota dirigida a mim: “Aparece. Vamos ver quem vence.” Ele decidira apostar tudo.
“E o que vais fazer?” perguntou o meu marido.
“Aparecer, claro. Não se pode perder a própria estreia.”
Vesti o meu melhor fato. Entrei no escritório às nove e cinquenta e cinco. Todos já estavam na sala de reuniões.
André estavaO André ficou paralisado diante da tela, os documentos expostos como um tribunal sem juiz, e eu saí dali sabendo que, por fim, a justiça não precisa de grito, só de verdade.