**Diário de uma vida compartilhada**
Imaginem viver cinquenta anos ao lado de alguém. Quase uma vida inteira… Para uns, parece impossível; para outros, é a escolha que fazem. Mas e quando, depois de tanto tempo, descobrimos que estávamos ao lado da pessoa errada?
No aniversário de bodas de ouro, os filhos organizaram uma festa para os pais. Alugaram uma quinta acolhedora no Alentejo, encheram o lugar de amigos e familiares. Todos riam, dançavam, brindavam com vinho do Porto e celebravam aquele dia especial.
Depois dos discursos, o marido, António Mendes, olhou para a esposa, Joana Teixeira, e a convidou para dançar. Soou um fado, o mesmo que tinham dançado no seu casamento, há meio século. Moviam-se devagar, como se o tempo tivesse parado. Os convidados emocionaram-se, alguns até enxugaram lágrimas. Parecia perfeito.
Mas, quando a música acabou, António afastou-se e disse-lhe, alto e claro:
— Perdoa-me, mas nunca te amei. Os meus pais obrigaram-me a casar contigo. Agora que os filhos estão criados, quero viver em paz, longe desta mentira.
O salão ficou em silêncio. Joana empalideceu, os convidados estavam chocados. Alguém deixou cair uma taça, outro cobriu a boca com a mão. Todos esperavam que ela se desesperasse…
Mas Joana ergueu a cabeça, fitou-o nos olhos e respondeu com calma:
— Sabes, eu sempre soube. Mas escolhi ficar. Não por ti, mas pelos nossos filhos, pela nossa casa, por mim. Aprendi a ser feliz mesmo sem o teu amor, porque o meu era suficiente para encher este lar.
Houve um suspiro coletivo. António baixou o olhar, arrependido.
Ela virou-se para os convidados, sorrindo:
— Mas se hoje te libertas, eu também me liberto. Vou viver o que resta para mim. Porque eu, ao contrário de ti, sei amar e ser amada.
Os aplausos ecoaram. António percebeu, tarde demais, o que perdeu. Joana ergueu a taça:
— Agora, meus amigos, dancemos. A vida não acaba aqui.