Era um daqueles dias que ficam guardados na memória para sempre.
O ar estava quente, impregnado do cheiro de rosas e alecrim, enquanto o pequeno vinhedo nas colinas do Douro brilhava como num filme. O meu primo Rodrigo ia finalmente casar com Leonor, o grande amor da sua vida desde a faculdade, depois de um namoro de dez anos que os levou por três apartamentos, dois cães e uma separação de um ano que, diziam, os tornou mais fortes.
Nunca o tinha visto tão tranquilo. Tão certo.
À medida que os convidados se acomodavam nas cadeiras de madeira branca, uma suave melodia ecoava do quarteto de cordas perto do alpendre. A noiva entrou radiante, e todos — sem exceção — se emocionaram. Até os mais durões, como o Tio Duarte, pestanejaram rapidamente e desviaram o olhar.
Mas, para mim, o momento que nunca esquecerei não aconteceu junto ao altar.
Aconteceu mais tarde, no banquete.
Depois dos votos, do tilintar das taças de espumante e do discurso divertido do padrinho, o Miguel, amigo de infância do Rodrigo, as luzes baixaram e a música suavizou. O DJ anunciou a dança do filho com a mãe.
Aqui, as coisas eram delicadas. A minha Tia Mariana, mãe do Rodrigo, tinha partido quando ele tinha doze anos. Foi repentino — um aneurisma. Sem aviso. Num dia estava lá, no outro, tinha partido. Devastou a família, especialmente o Rodrigo.
Desde então, a minha mãe — a tia Carolina — tornou-se como uma segunda mãe para ele. Esteve sempre presente: em todos os aniversários, peças de teatro, desgostos de amor. Nunca tentou substituir a mãe dele, mas deu-lhe algo sólido em que se apoiar. Incondicional. Gentil. Presente.
E, no dia do casamento, ele escolheu-a para aquela dança.
Eu não sabia, até o ver atravessar o salão.
Ele caminhou devagar, com determinação, pelo piso de madeira, de smoking preto. A minha mãe estava sentada num canto, elegante num vestido preto fluido. Tinha tirado os sapatos — os pés inchavam sempre em eventos — e os olhos já brilhavam de lágrimas.
Quando o Rodrigo se inclinou, pegou na mão dela e a levou suavemente para o centro da sala, as conversas silenciaram.
Ajudou-a a levantar-se — só por um instante — e segurou-a enquanto a música começava a tocar.
“O Meu Coração é Teu” de Tony Carreira.
A sala inteira ficou em silêncio.
Ela apoiou a mão no peito dele, como fizera centenas de vezes quando ele era pequeno, e ele balançou com ela suavemente, como se fosse de vidro.
Riram baixinho, sussurraram palavras que não ouvimos. Ela inclinou a cabeça para trás, os olhos brilhantes. Foi terno. Real. O tipo de momento que não se ensaia, não se planeja — apenas se sente.
E depois, quando a música desvanecia, ela aproximou-se.
Disse algo ao ouvido dele.
Foi breve — apenas uma frase, talvez duas.
Mas vi o rosto dele mudar.
Afastou-se um pouco, olhou para ela — verdadeiramente — e os olhos arregalaram-se. Não de medo. Era como se algo tivesse encaixado. Como se uma peça do puzzle tivesse sido encontrada.
Acenou.
Depois, beijou-lhe a testa com suavidade.
Todos aplaudiram, sem perceber o que acontecera.
Exceto eu.
Tinha visto algo passar entre eles. Uma faísca. Um segredo.
Na manhã seguinte, estava planeado um brunch em casa dos pais da Leonor. Descontraído, alegre, com mimosas e conversas sobre o casamento. Mas o Rodrigo não apareceu.
Nenhuma mensagem. Nenhuma chamada.
Foi direto para casa da minha mãe e ficou lá o dia inteiro. Ninguém mais foi convidado. Nem mesmo a Leonor.
Ela não ficou zangada, surpreendentemente. Apenas… confusa. “Ele disse que precisava de falar com a Tia Carolina sobre algo”, explicou, despreocupada. “Deve ser coisa de família.”
Mas eu tinha um pressentimento de que era algo mais.
Dois dias depois, parei lá para devolver um livro que havia emprestado. A minha mãe estava no jardim, a podar as hortênsias, a cantarolar como sempre. Nada nela parecia fora do normal. Ainda assim, espreitei para dentro e reparei num envelope pardo em cima da mesa da cozinha.
Tinha uma palavra escrita na frente:
Rodrigo.
Não o toquei.
Mas, mais tarde, ele ligou-me.
A voz tremia, como se tivesse corrido uma maratona ou escalado uma montanha emocional.
“Posso contar-te uma coisa?” perguntou. “Algo que mais ninguém sabe?”
Claro que disse que sim.
E então, ele contou-me.
Afinal, a carta dentro daquele envelope mudara tudo.
Estava escrita à mão. A letra cursiva da minha mãe, firme e inclinada. Começava por recordar memórias — histórias da infância dele que só ela se lembrava. A vez que chorou por perder o seu urso de pelúcia favorito. O dia em que lhe ofereceu um buquê de dentes-de-leão depois do seu primeiro concurso de soletração.
E depois, disse-lhe a verdade.
Que a mãe dele, a Mariana, não tinha morrido de repente.
Estava doente há muito tempo.
Só não tinha contado a ninguém — exceto à minha mãe.
A Mariana escondera o diagnóstico — um tumor cerebral inoperável — porque não queria que o filho crescesse com a memória de uma mãe a morrer. Queria que as últimas memórias dele dela fossem cheias de risos, histórias antes de dormir e lanches na mochila.
E quando o fim chegou mais depressa do que esperavam, a Mariana pediu uma única coisa à minha mãe:
“Não lhe digas,” sussurrara, horas antes de partir. “Não até ele ser mais velho. Não até estar pronto. Não quero que ele carregue a minha morte. Que carregue o meu amor.”
A minha mãe cumprira essa promessa durante mais de vinte anos.
E, depois de todos esses anos, naquele salão de baile, sentindo o amor e gratidão dele, soube que o momento chegara.
Sussurrou-lhe então.
A verdade.
E ele compreendeu.
Perguntei ao Rodrigo como se sentia. Se estava zangado, triste, perdido.
“Nada disso,” disse.
“Sentí paz. Como se algo que nem sabia estar em falta tivesse sido devolvido. Como se a minha mãe me tivesse dado um último presente através da Tia Carolina.”
Naquele dia inteiro em casa dela, conversaram. Choraram. Riram. Ela mostrou-lhe fotografias antigas, mensagens de voz que a mãe dele gravara, cartas escritas em segredo e entregues à minha mãe para guardar.
Ele leu cada uma delas.
Numa, a Mariana escrevera:
“Se estás a ler isto, significa que consegui. Deixei-te com memórias de amor, não de doença. Espero ter visto-te crescer, mesmo que à distância. E espero que nunca duvides, nem por um segundo, do quanto me orgulho de ti. O amor não se mede pelo tempo — mede-se pela presença. E eu estou sempre contigo. Sempre.”
O Rodrigo disse-me que leu aquela frase uma dúzia de vezes.
Depois, dobrou-a, meteu-a no bolso e levou-a consigo para casa.
Três semanas depois, ele e a Leonor foram jantar a casa da minha mãe. Ela fez o seu famoso frango assado com limão, e o Rodrigo trouxe sobremesa — tarte de pêssego, a favorita da mãE quando o bebé nascer no outono, vão chamá-lo de João Mariano, uma homenagem às duas mulheres que o rodearam de amor e ensinaram que algumas danças não terminam quando a música acaba.