Quase não atendi o telefone naquela sexta-feira de manhã.
O nome do Pedro a brilhar no ecrã parou-me o coração—como ver um fantasma em plena luz do dia. Três anos tinham passado desde que ele saíra sem aviso, escolhendo outra mulher e uma vida nova a apenas algumas ruas de distância. Nem um adeus. Nem uma explicação. Apenas… desapareceu.
Mas desta vez, ele soava diferente.
“Mafalda,” disse, com a voz baixa, como se o remorso tivesse finalmente batido à porta. “Tenho pensado muito… na Leonor. Quero vê-la. Quero fazer as coisas direito.”
Falou sobre fins de semana, sobre recuperar o tempo perdido, e como nunca deixou de a amar. Parte de mim queria desligar, fechar aquela porta para sempre. Mas a outra parte—a que viu a Leonor adormecer a abraçar um ursinho que ela própria chamou de “Papá”—não podia negar-lhe a chance que tanto desejava.
Por isso, disse que sim.
A Leonor ficou radiosa. Ajudou a fazer a mala: pijamas brilhantes, bolachas de animais, o coelhinho de peluche já gasto, e um desenho que dizia “Senti a tua falta, Papá.” Sorriu-me com aquela esperança infantil que parte e conserta o coração ao mesmo tempo.
“Vou pedir-lhe se podemos comer panquecas e ir ao Jardim Zoológico!” disse, toda animada.
Eu sorri, forçando-me a acreditar que isso era bom. Que até podia sarar feridas.
O sábado passou com mensagens alegres—fotos da Leonor nos baloiços, com algodão doce, a andar no carrossel. Pela primeira vez em anos, senti um lampejo de paz no peito.
Mas a paz pode enganar.
No domingo à tarde, a minha irmã ligou. Nunca vou esquecer o pânico na voz dela.
“Mafalda, vê o Instagram. Agora.”
“O que se passa?” perguntei, já a abrir a aplicação.
“Ele casou-se. Hoje. A tua filha—ela esteve no casamento.”
Congelei.
Ali, no meu ecrã, estava o Pedro, sorridente num fato impecável, ao lado de uma mulher de branco—a Sofia. E no meio deles, a Leonor. Vestida com um vestido branco cheio de rendas que eu nunca lhe tinha visto, a segurar um buquê quase do seu tamanho, a olhar para o nada com olhos arregalados.
A legenda dizia:
#MelhorDiaDaMinhaVida #FamíliaMisturada #NossaPrincesa
As minhas mãos ficaram geladas. Senti o nó na garganta.
Liguei. Ele não atendeu. Liguei outra vez. Caixa de voz. Outra vez.
Depois, peguei no carro.
O local era uma quinta nos arredores, cheia de rosas brancas na entrada. Champanhe a correr, música a tocar. O Pedro dançava com a Sofia sob luzinhas brilhantes enquanto os convidados brindavam ao “para sempre.”
E ali—sozinha num banco, longe das gargalhadas—estava a Leonor. A coroa torta, o coelhinho apertado contra o peito.
Quando me viu, correu. “Mamã,” sussurrou, enterrando o rosto no meu casaco, “podemos ir para casa?”
Não disse uma palavra. Peguei nela e virei-me para sair. Foi aí que a Sofia apareceu à minha frente, toda perfumada e postura de princesa.
“Espera!” disse, animada. “Ainda não tirámos a foto de família!”
Olhei para ela.
“Ela não é um enfeite,” respondi, a voz a tremer de raiva. “É uma criança. Não é um acessório para a tua fantasia de Instagram.”
O sorriso da Sofia nem vacilou. “Calma. Ela estava adorável. Nós só precisávamos de uma florzinha.”
Foi aí que uma das madrinhas se aproximou, hesitante.
“Ela planeou isto,” murmurou. “A Sofia disse que ia convencer o Pedro a ‘pedir a menina emprestada’ para as fotos ficarem perfeitas. Disse-nos que tu ias cair nisso.”
Senti o mundo desabar.
Não olhei para o Pedro. Não gritei. Apenas carreguei a minha filha para o carro, protegendo-a de uma sala cheia de estranhos que não a mereciam conhecer.
Em casa, deitei-a na cama. Ela não chorou. Apenas segurou a minha mão e perguntou: “Mamã… eu sou mesmo a princesinha dele?”
Engoli as lágrimas.
“Não, minha querida. És a minha princesa. E nunca mais vou deixar que te usem assim.”
Na manhã seguinte, as fotos do casamento desapareceram das redes sociais. O conto de fadas da Sofia desfez-se enquanto os amigos em comum começaram a deixar de a seguir. Ninguém ligou. Nem o Pedro.
Aquele fim de semana foi a última vez que ele viu a Leonor.
E talvez seja mesmo para melhor.
Porque algumas pessoas não voltam para amar—voltam para usar. E algumas mães não criam só os filhos—protegem-nos daqueles que deviam ter sabido melhor.
Posso não ser perfeita, e já tropecei no caminho. Mas eu nunca fui embora. Nunca usei a minha filha para consertar a minha imagem ou tapar uma mentira.
A Leonor vai crescer sabendo que o amor não é algo que se ganha por ser “fofinha” o suficiente para uma foto de casamento. É algo que se dá livremente. Com tudo.
E quando ela olhar para trás, não vai lembrar-se de quem não ficou.
Vai lembrar-se de quem nunca saiu.