A tempestade lá fora era um reflexo da que rugia dentro da casa. Leonor permanecia imóvel, os dedos brancos enquanto segurava o pequeno Tomás contra o peito. O marido, Duarte Mendes, magnata milionário e cabeça da família Mendes, encarava-a com uma fúria que ela nunca vira nos seus dez anos de casamento.
—Duarte, por favor — sussurrou Leonor, a voz trémula. — Não sabes o que estás a dizer.
—Sei perfeitamente — cuspiu ele. — Aquele menino… não é meu. Fiz o teste de ADN na semana passada. Os resultados são claros.
A acusação doeu mais que um tapa. As pernas de Leonor quase cederam.
—Fizeste um teste… sem me dizer?
—Tive de o fazer. Ele não se parece comigo. Nem age como eu. E já não podia ignorar os rumores.
—Rumores? Duarte, é um bebé! E é teu filho! Juro por tudo o que tenho.
Mas Duarte já decidira.
—As tuas coisas vão ser enviadas para a casa do teu pai. Não voltes aqui. Nunca.
Leonor ficou mais um momento parada, esperando que fosse apenas mais um daqueles impulsos dele, aqueles que passavam no dia seguinte. Mas o gelo na voz não deixava margem para dúvidas. Virou-se e saiu, os saltos ecoando no mármore enquanto um trovão estrondava sobre a mansão.
Leonor crescera numa casa modesta, mas entrara num mundo de privilégios ao casar com Duarte. Era elegante, discreta e inteligente — tudo o que as revistas celebravam e a alta sociedade invejava. Mas nada disso importava agora.
Enquanto o carro a levava a ela e a Tomás para o chalé do pai no campo, a mente dela girava. Fora fiel. Amara Duarte, apoiara-o quando os mercados caíram, quando a imprensa o destruiu, até quando a própria mãe a rejeitou. E agora, era expulsa como uma estranha.
O pai, Artur Ribeiro, abriu a porta, os olhos arregalados ao vê-la.
—Leonor? Que aconteceu?
Ela caiu nos braços dele. — Disse que o Tomás não é dele… Expulsou-nos.
Artur cerrou o maxilar. — Entra, filha.
Nos dias seguintes, Leonor adaptou-se à nova realidade. A casa era pequena, o seu quarto quase inalterado. Tomás, alheio a tudo, brincava e balbuciava, dando-lhe momentos de paz no meio da dor.
Mas uma coisa a atormentava: o teste de ADN. Como podia estar errada?
Desesperada por respostas, foi ao laboratório onde Duarte fizera o teste. Ela também tinha contactos — e favores por cobrar. O que descobriu deixou-a gelada.
O teste fora adulterado.
Entretanto, Duarte ficara sozinho na mansão, atormentado pelo silêncio. Convencera-se de que fizera o certo — que não podia criar o filho de outro homem. Mas a culpa roía-o por dentro. Evitava entrar no quarto de Tomás, até que um dia a curiosidade falou mais alto. Vendo o berço vazio, a girafa de peluche e os sapatinhos na prateleira, algo dentro dele estalou.
A mãe, Dona Amélia, não ajudava.
—Eu avisei, Duarte — disse, tomando o chá. — Essa Ribeiro nunca foi a mulher certa para ti.
Mas até ela estranhou o silêncio dele.
Os dias passaram. Depois, uma semana.
Até que chegou uma carta.
Sem remetente. Apenas uma folha e uma fotografia.
As mãos de Duarte tremiam enquanto lia.
“Duarte, estavas enganado. Muito. Querias provas? Aqui as tens. Encontrei os resultados originais. O teste foi alterado. E esta é a foto que encontrei no escritório da tua mãe… Tu sabes o que significa.” — Leonor
Duarte olhou para a foto. Era antiga. A preto e branco. Um rapazinho, idêntico ao pequeno Tomás, ao lado de Amélia Mendes.
Não era ele. Era o pai dele.
E o parecido era inegável.
De repente, tudo fez sentido.
A rejeição de Amélia. A hostilidade para com Leonor. Os subornos discretos aos empregados. E agora — a prova adulterada.
Ela sabia.
Ela fizera isto.
Duarte levantou-se tão bruscamente que a cadeira caiu. Cerrou os punhos e, pela primeira vez em anos, sentiu medo — não do escândalo ou da reputação, mas do que ele mesmo se tornara.
Expulsara a mulher. O filho.
Por uma mentira.
Duarte entrou no quarto privado da mãe sem bater. Dona Amélia lia junto à lareira e ergueu o olhar com desdém.
—Alteraste o teste de ADN — disse ele, a voz de aço.
Ela ergueu uma sobrancelha. — A sério?
—Vi os resultados originais. Vi a foto. O meu filho tem os olhos do avô. E os teus também.
Amélia fechou o livro com calma e levantou-se.
—Duarte, por vezes um homem tem de tomar decisões duras para proteger o legado da família. Essa mulher — a Leonor — estragaria tudo.
—Não tinhas esse direito — rosnou ele. — Não tinhas direito de destruir a minha família.
—Ela nunca foi uma de nós.
Ele aproximou-se, trémulo de raiva.
—Não magoaste só a Leonor. Magoaste o teu neto. Transformaste-me num monstro.
Mas Amélia olhou-o friamente. — Faz o que tens a fazer. Mas lembra-te: o mundo vê o que eu permito que vejam.
Duarte bateu com a porta. Já não lhe importava o mundo. Nem os rumores, nem as manchetes. Agora só uma coisa importava: reparar o estrago.
No chalé do pai, Leonor estava no jardim a observar Tomás perseguir uma borboleta. Sorriu levemente, mas ainda havia dor nos seus olhos. Todos os dias revivia as palavras de Duarte, o momento em que os rejeitara como se fossem nada.
O pai trouxe-lhe uma chávena de chá. — Ele vai voltar — disse suavemente.
—Não sei se quero que volte — respondeu ela.
Mas ouviu-se o fechar de uma porta de carro lá fora.
Leonor virou-se e viu Duarte — desgrenhado, os olhos cheios de arrependimento — parado à entrada.
—Leonor… — a voz dele quebrou.
Ela levantou-se, tensa, o coração aos saltos.
—Eu errei — disse ele. — Errei terrivelmente. A minha mãe adulterou os resultados. Descobri a verdade tarde demais. Eu…
—Expulsaste-me, Duarte — interrompeu ela, a voz trémula. — Olhaste-me nos olhos e disseste que o Tomás não era teu.
—Eu sei. E vou arrepender-me disso a vida toda.
Aproximou-se, devagar, cautelosamente.
—Falhei como marido… e como pai.
Tomás viu-o e bateu palmas, rastejando em direção à porta. Duarte caiu de joelhos quando o menino tropeçou até ele.
Quando Tomás caiu nos seus braços, Duarte desfez-se em lágrimas.
—Não mereço isto — sussurrou no cabelo do filho. — Mas juro que vou conquistá-lo.
Nas semanas seguintes, Duarte empenhou-se em provar que podia mudar. Saiu da mansão, cancelou reuniões e passou todo o tempo livre com Tomás e Leonor. Aprendeu a dar-lhe de comer, a mudar fraldas e até cantava cantigas de embalar — mal, mas com o coração.
Leonor observava-o com cautela no início. A dor ainda não passara, mas via algo novo nele. Uma ternE, quando as portas da mansão se fecharam pela última vez atrás de Dona Amélia, finalmente Duarte e Leonor encontraram nos braços um do outro a verdadeira riqueza que o dinheiro nunca poderia comprar.