A professora primária era conhecida pela sua bondade, criatividade e dedicação aos alunos. Sempre se esforçava para que crescessem curiosos, destemidos e cheios de sonhos. Todas as manhãs, a sua sala de aula estava cheia de risos e aprendizagem, com cartazes coloridos e mentes brilhantes a florir.
Uma tarde, a preparar as aulas, teve uma ideia genial: e se organizassem um Dia das Profissões? Os miúdos poderiam conhecer profissionais a sério — não apenas ler sobre eles nos livros —, fazer perguntas, ver ferramentas do ofício e, quem sabe, descobrir a sua vocação. Animada, apresentou a proposta numa reunião de professores. Aprovada! Logo, os convites foram enviados.
No grande dia, o auditório da escola estava decorado com balões e faixas. Um a um, os convidados chegaram: um médico simpático que trouxe um estetoscópio para os miúdos experimentarem, uma advogada bem-sucedida com histórias dos tribunais, um programador jovem e divertido com gadgets e jogos, um bombeiro herói de uniforme completo e, por fim, um agente da PSP com o seu fiel cão de serviço, Bóris.
As crianças estavam em êxtase. Batiam palmas, riam, faziam perguntas e até posavam para fotos com capacetes e bata branca. Tudo corria na perfeição — até que o Bóris entrou em ação.
Primeiro, farejou o ar. Depois, ficou hirto. Soltou um rosnado baixo, ergueu a cabeça e, de repente, começou a ladrar sem parar, a olhar fixamente para a professora. Murmúrios de confusão espalharam-se pela sala. O agente tentou acalmá-lo, mas o Bóris disparou em direção à professora, levantou-se nas patas traseiras e espetou o focinho no peito dela, ladrando como se tivesse visto um fantasma.
Assustadas, as crianças gritaram e agarraram-se umas às outras. A professora, branca como a parede, recuou, erguendo os braços como se fosse protegerse.
“Isto não é normal!”, disse o agente, incrédulo. “Ele é treinado para não reagir assim. É calmo em multidões… Não percebo o que se passa!”
Depois de alguma luta, conseguiram afastar o Bóris. A professora estava visivelmente abalada, quase a chorar.
“Deve ser o meu perfume… ou algo na minha roupa…”, murmurou, tentando justificar.
Mas o agente não conseguiu ignorar o seu instinto. Nessa noite, sentou-se com o Bóris e mostrou-lhe uma foto antiga, a preto e branco, de um caso por resolver — uma imagem desfocada de uma mulher envolvida num assalto violento a um banco, anos atrás. Mal o cão viu a foto, explodiu em ladridos outra vez.
Perturbado, o agente verificou os antecedentes da professora. E surpresa: a sua identidade só existia há sete anos. O passado dela era um quebra-cabeças — local de nascimento, nome antigo, tudo contraditório.
A investigação avançou. Em dias, a verdade veio à tona: quinze anos antes, ela participara num assalto armado que deixara feridos graves. Depois, fingira a própria morte num incêndio, criara uma nova vida e mudara-se para o outro lado do país, acabando por se tornar uma professora adorada.
Ninguém desconfiara. Ela escondera o passado com mestria. Mas não contava com o fator canino.
O Bóris participara na investigação original. Treinado para rastrear suspeitos, farejara a cena do crime e guardara aquele cheiro na memória. E mesmo anos depois, não esquecera.
A professora foi detida à frente dos colegas incrédulos e dos alunos devastados. Os pais estavam em choque. Para todos, ela sempre fora gentil, paciente, digna de confiança. Quem diria que, por trás daquele sorriso caloroso, se escondia o segredo mais sombrio?