Sabes, há dias em que acordas com a sensação de que algo vai acontecer. Nem bom, nem mau, apenas uma mudança no ar. Foi assim naquela segunda-feira de fevereiro. A manhã começou como sempre: preparei o café, e o Carlos já estava à mesa, mergulhado no telemóvel. Calado. Só os dedos batiam nervosamente na mesa.
— Inês, olha — finalmente quebrou o silêncio —, amanhã vou viajar.
A colher quase me escapou das mãos.
— Para onde?
— Para o Algarve. Sol, praia, descansar finalmente. Já comprei o bilhete.
Fiquei parada, mexendo o café que arrefecia, sentindo os pensamentos a embaraçarem-se. Dois anos a poupar para uma viagem juntos! Todos os meses a fazer sacrifícios, a privarmo-nos de tudo. Até o casaco que ele sempre me prometeu deixei de lado por causa desta viagem.
— E eu? Ainda não me confirmaram as férias.
— E então? — encolheu os ombros. — Achas que é fácil para mim? Os nervos já não aguentam mais esta monotonia.
Os nervos… E os meus não contam?
— Mas o dinheiro é dos dois, poupámos juntos…
— E daí? — levantou-se bruscamente. — Eu também trabalho e decido quando descansar!
Foi quando suspeitei que algo não batia certo. Nos últimos meses, tornara-se um estranho. O telemóvel sempre à mão, até na casa de banho. Antes, deixava-o em qualquer lado sem preocupação.
Vejo-o a arrumar a mala. Um fato de banho novo, que reparei no armário, e uma camisa colorida — nada do seu estilo. Quando é que comprou tudo aquilo?
— Se sobrar dinheiro, trago-te um íman — disse, fechando a mala.
Um íman… Que generoso.
A porta bateu. Fiquei sozinha. Pensei: será que estou a exagerar? Talvez ele só precise mesmo de desligar. Só não pensou em mim.
Estava a refletir quando o telemóvel dele tocou. Esquecera-o na pressa. O ecrã acendeu — chegara uma mensagem. A senha escondia o texto, mas as primeiras palavras eram visíveis: «Meu gatinho, estou no aeroporto. Espero por ti no…»
«Meu gatinho». Há cinco anos que não me chamava assim. Dizia que éramos adultos, que palavras doces eram infantis.
Dez minutos depois, voltou — pelo telemóvel. Viu-me e o olhar ficou desconfiado.
— O que estás a fazer aqui?
— Estou em casa — respondi. — Não posso?
Agarrou no telemóvel, verificou se o tinha mexido. Deu-me um beijo paternal na testa:
— Não faças drama. Quando voltar, trago-te qualquer coisa.
E foi-se embora.
E eu fiquei ali sentada. O coração batia forte: quem era essa «gatinha»? Porque estava ele tão nervoso?
Num certo momento, acordei do transe. Vestir-me rapidamente e apanhar um táxi para o aeroporto. Caro? Não me importava. Queria a verdade.
E vi-a. Abraços, risos, uma rapariga de uns vinte e cinco anos — cabelo comprido, corpo escultural, vestida com a camisa que eu vira no nosso armário. Carlos sussurrava-lhe algo ao ouvido, ela ria-se, encostada a ele.
Um ano e meio a poupar para estarmos juntos. E ele planeava tudo com outra.
Quis aproximar-me, dizer-lhe tudo, talvez até bater-lhe. Mas já se encaminhavam para o embarque. Tarde demais.
Saí para a rua, sentei-me num banco e desabei. Não chorei — soluçava como se me arrancassem o coração. Os transeuntes olhavam, mas eu não ligava.
Começou a chover — primeiro fino, depois mais intenso. Fiquei sentada, gelada, mas sem forças para me levantar.
Ouvi uma voz:
— Menina, desculpe…
Virei-me — um homem estava à minha frente. Roupa desgastada, rosto gelado, cabelo desalinhado.
— Precisa de ajuda? — perguntou, preocupado.
— Eu? — ri-me amargamente. — Nada me pode ajudar agora.
— As coisas nunca são tão más como parecem — disse ele, suavemente. — Por acaso… não sabe de algum trabalho? Nem que seja temporário?
Olhei para ele e pensei: ambos perdemos hoje. Só ele, pelo menos, não esconde a derrota.
— Sabe que mais — decidi —, venha comigo. Vamos lá para casa, aquece-se.
— A sério? — surpreendeu-se. — Mas eu nem a conheço.
— É algum psicopata? — perguntei.
— Não — sorriu. — A vida apenas me deu esta volta.
— Então venha. De qualquer forma, não há nada em casa — o Carlos comeu tudo antes de partir.
No táxi, o motorzi resmungava, mas ofereci mais dinheiro e ele acalmou-se.
A caminho, apresentou-se — Ricardo. Formado em engenharia, perdera o emprego e depois a casa. A mulher fora para casa da mãe, dizendo: «Quando arranjares trabalho, voltas.»
Compreendi. Cada um com a sua dor.
Em casa, ele aproximou-se do aquecedor, esfregando as mãos.
— Pode tomar banho — ofereci. — As toalhas estão no armário, o roupão do Carlos também.
— Tem a certeza? — hesitou.
— Tenho. O meu marido está agora num resort com a amante, por isso o roupão está livre.
Enquanto ele tomava banho, aqueci a sopa. Pensei: terá enlouquecido? Trazer um desconhecido para casa? Mas o dia tinha virado tudo de pernas para o ar, como se o mundo tivesse perdido o equilíbrio.
Quando saiu da casa de banho, não acreditei. Era outra pessoa. Uns quarenta anos, em forma, olhos inteligentes. No roupão do Carlos, parecia um pouco ridículo — o meu marido era baixo e magro.
— Tem mesmo a certeza de que não é sem-abrigo? — perguntei, observando-o.
— Claro que não — sorriu. — Apenas passei por uma fase difícil.
À mesa, comecei a conversar. Ricardo trabalhara como engenheiro numa empresa de construção, dedicado a projetos. Depois, veio a má fase: a empresa faliu, não pagou salários durante seis meses, e depois fechou. Procurar outro emprego foi em vão — só queriam jovens, e ele já passava dos quarenta.
— As poupanças duraram pouco — suspirou. — A mulher aguentou algum tempo, mas depois disse: «Não quero viver na pobreza.»
— Amor até às primeiras dificuldades — concordei.
— Pois.
Contei-lhe a minha história: o aeroporto, a mensagem da «gatinha», o ano e meio de poupanças e a partida súbita do Carlos.
— E agora? — perguntou.
— Vou pedir o divórcio. O apartamento foi herança da avó, tenho trabalho. Vou-me safar.
— E filhos?
— Nunca aconteceu — suspirei. — Ele sempre adiava, dizendo que era cedo. Agora percebo: ele simplesmente não queria.
— Talvez tenha sido melhor — disse ele, cautelosamente. — Com um marido assim…
— Pois. Pelo menos não tenho de explicar a uma criança porque é que o pai foi passear com outra.
Depois do jantar, pediu para ver as notícias — há muito que não via. Concordei. Fui para a cozinha arrumar, e quando voltei, sentei-me na poltrona e adormeci. Acordei de manhã — alguém me cobrira com um cobertor. Ricardo já não estava. Sobre a mesa, umE no dia do nosso casamento, quando olhei nos olhos do Ricardo e vi a paz que faltara durante tantos anos, soube que a vida, por mais dura que seja, sempre encontra uma forma de nos surpreender.