Enquanto o marido desperdiçava nossa poupança em luxos com a amante, acolhi um estranho misterioso.

**Diário Pessoal**

Sabe aqueles dias em que acordamos com a sensação de que algo vai acontecer? Nem bom, nem mau, apenas uma mudança no ar. Foi assim naquela segunda-feira de fevereiro. A manhã começou como sempre: preparei o café, e o Eduardo já estava à mesa, grudado no telemóvel. Silêncio. Apenas os dedos tamborilando nervosamente sobre a mesa.

— Inês, olha… — ele finalmente quebrou o silêncio. — Amanhã vou viajar.

A colher quase escorregou da minha mão.

— Para onde?

— Para o Algarve. Sol, praia, finalmente descansar. Já comprei o bilhete.

Fiquei parada, mexendo o café que já esfriava, sentindo os pensamentos se embaralharem. Passámos dois anos a poupar para uma viagem juntos! Todos os meses, sacrifícios, deixámos tanto de lado. Até o casaco que ele me prometeu há anos ficou para depois.

— E eu? Ainda não aprovaram as minhas férias.

— E então? — ele encolheu os ombros. — Achas que é fácil para mim? Os nervos já não aguentam esta rotina.

Os nervos dele… E os meus?

— Mas o dinheiro era para os dois…

— E daí? — levantou-se de repente. — Eu também trabalho e decido quando descansar!

Foi aí que desconfiei. Nos últimos meses, ele tinha mudado. O telemóvel nunca saía do bolso, nem para o duche. Antes, deixava-o em qualquer lugar.

Observei-o a arrumar a mala. Um fato de banho novo e uma camisa colorida, nada do estilo dele. Quando é que comprou isto?

— Se sobrar dinheiro, trago-te um ímã, — disse, fechando a mala.

Um ímã… Que generosidade.

A porta bateu. Fiquei sozinha. Será que estava a exagerar? Talvez ele só precisasse de desanuviar. Só não pensou em mim.

Sentada a refletir, o telemóvel dele tocou. Esquecido na pressa. O ecrã acendeu: uma mensagem. O código escondia o texto, mas vi as primeiras palavras: *«Gatinha, já estou no aeroporto. Espero por ti em…»*

*Gatinha.* Há cinco anos que ele não me chamava assim. Dizia que nomes infantis eram para crianças.

Dez minutos depois, voltou — para buscar o telemóvel. Viu-me com um olhar desconfiado.

— O que estás a fazer aqui?

— Estou em casa. Não posso?

Agarrou o telemóvel, verificando se o tinha mexido. Deu-me um beijo paternal no topo da cabeça:

— Não fiques chateada. Trago-te qualquer coisa.

E foi-se embora.

Fiquei sentada, o coração aos pulos. Quem era essa *gatinha*? Porque é que ele estava tão nervoso?

De repente, decidi agir. Vestida às pressas, fui para o aeroporto. O táxi foi caro, mas já não me importava. Queria a verdade.

E vi-a. Abraços, risos. Uma rapariga de 25 anos, cabelo comprido, corpo esbelto, vestindo a camisa que vi no nosso armário. O Eduardo sussurrava-lhe ao ouvido, e ela ria-se, colada a ele.

Um ano e meio a poupar para estarmos juntos… e ele planeava com outra.

Quis enfrentá-lo, dizer-lhe tudo, ou até bater-lhe. Mas já iam a caminho da porta de embarque. Tarde demais.

Saí, sentei-me num banco e chorei. Não apenas lágrimas — soluços que vinham de um lugar partido. Os transeuntes olhavam, mas eu nem ligava.

Começou a chover. Primeiro fina garoa, depois gotas pesadas. Fiquei ali, encharcada, gelada, sem forças para me levantar.

— Menina, desculpe…

Olhei para cima. Um homem, roupa puída, rosto gelado, cabelo despenteado.

— Precisa de ajuda? — perguntou, preocupado.

— De mim? — ri-me amargamente. — Já nada me salva.

— Nunca é tão mau como parece. — A voz era suave. — Mas… não haverá trabalho? Nem que temporário?

Olhei para ele e pensei: ambos perdemos hoje. Pelo menos ele não esconde a derrota.

— Ora bem, — decidi. — Venha a minha casa. Come-se algo decente, aquece-se.

— A sério? — surpreendeu-se. — Mas nem me conhece.

— É algum psicopata?

— Não. A vida é que não tem sido fácil.

— Então venha. De qualquer forma, o Eduardo comeu tudo antes de partir.

No táxi, o motorio resmungou, mas ofereci mais dinheiro e ele acalmou-se.

Pelo caminho, apresentou-se: Rui. Engenheiro de formação, desempregado, depois sem casa. A mulher tinha ido para casa da mãe: *«Quando tiveres emprego, voltas.»*

Compreensível. Cada um com sua cruz.

Em casa, ele aqueceu as mãos no radiador.

— Pode tomar um banho, — sugeri. — As toalhas estão no armário, e há um roupão do Eduardo.

— Tem a certeza?

— Tenho. Ele está num resort com a amante, por isso o roupão está livre.

Enquanto ele se lavava, esquentei a sopa. Será que enlouqueci? Trazer um estranho para casa? Mas o dia tinha virado tudo de pernas para o ar.

Quando saiu da casa de banho, mal acreditei. Outra pessoa. Uns 40 anos, porte atlético, olhos inteligentes. No roupão do Eduardo, parecia ridículo — o meu marido era baixo e magro.

— Não é sem-abrigo, pois não?

— Claro que não. — Sorriu. — A vida às vezes prega-nos partidas.

À mesa, começámos a conversar. Ele fora engenheiro numa construtora, até a empresa falir. Seis meses sem salário, depois o desemprego. Ninguém queria contratar alguém da sua idade.

— As poupanças duraram pouco. A minha mulher aguentou, mas depois cansou-se da pobreza.

— Amor até à primeira dificuldade, — concordei.

Contei-lhe a minha história: o aeroporto, a mensagem da *gatinha*, o dinheiro poupado e a partida repentina do Eduardo.

— E agora?

— Divórcio. A casa é minha, herança da avó. Vou sobreviver.

— E filhos?

— Nunca veio a acontecer. Ele adiava sempre. Agora percebo porquê.

— Talvez tenha sido melhor, — disse ele, cauteloso. — Com um homem assim…

— Pois. Assim não tenho de explicar ao filho porque o pai foi passear com outra.

Depois do jantar, pediu para ver as notícias. Concordei. Enquanto ele via, arrumei a cozinha. Quando voltei, adormeci na poltrona. Acordei de manhã — alguém tinha-me coberto com um cobertor. O Rui já não estava. Uma nota na mesa: *«Obrigado. Salvou-me. Quando tiver emprego, retribuo.»*

E senti um vazio. Como se algo luminoso tivesse partido.

As semanas seguintes passaram num nevoeiro. Entreguei os papéis do divórcio. Juntei as coisas do Eduardo, mudei as fechaduras — que saiba que esta casa já não é dele.

No trabalho, ficava até tarde. Os colegas estranhavam. Mas em casa era pior — demasiadas memórias, demasiado vazio.

O Eduardo ligou algumas vezes. Ignorei. Depois mandou mensagens a pedir para conversar. Mas não havia nada a dizer.

Um dia, voltava com sacos pesados das compras. Ao entrar no prédio, lá estava ele, vermelho de raiva.

— O queE foi então que percebi que, às vezes, as melhores histórias começam quando as portas erradas se fecham.

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