Hoje, saí do escritório do advogado com o rosto marcado por uma expressão de derrota. Ombros caídos. Olhos vazios. Lábios apertados num linha reta. O céu lá fora estava cinzento, nublado, como se estivesse a prometer chuva desde o amanhecer. Mal desci os degraus, o chuvisco transformou-se num aguaceiro.
Perfeito.
Se alguém me visse naquele momento, pensaria: *Lá vai mais uma mulher que perdeu tudo no divórcio.*
E deixei que pensassem.
Por dentro, porém, era uma mulher completamente diferente. O coração batia acelerado, a adrenalina a ferver no peito como espumante no Réveillon. Apertava o corrimão do elevador com força, e assim que as portas se fecharam e fiquei sozinha—algo mágico aconteceu.
Um riso. Pequeno, discreto. Escapou-me antes que conseguisse conter.
Depois, outro.
E, sem perceber, estava a rir-me—a gargalhar, a rir até as lágrimas—o eco a ressoar pelas paredes do elevador como se tivesse enlouquecido. Se alguém entrasse naquele instante, chamariam segurança.
Mas eu não me importava.
Porque este não era o fim.
Era o começo.
Que o Tiago ficasse com a casa, o carro, o dinheiro. Que se regozijasse. Que se pavoneasse como se tivesse ganho. Tudo fazia parte do plano.
Ele achou que me tinha ludibriado. Mas era apenas um peão num jogo muito maior. E a rainha?
Bem, ela estava prestes a retomar o tabuleiro.
**Algumas Semanas Antes…**
O Tiago e eu já não éramos felizes há muito tempo. Mas, ao contrário de outros casais que simplesmente se afastam, nós não nos distanciámos—partimo-nos.
O Tiago tornara-se obcecado com aparências. Status. Prestígio. Queria a imagem de uma vida perfeita.
Não lhe interessava uma ligação verdadeira, nem amor, nem sequer alegria. Não. O Tiago queria carros de luxo com estofos de couro que nunca limpava, relógios que custavam mais do que um semestre na universidade, e jantares com pessoas de quem nem gostava—só para provar que “pertencemos”.
E eu aceitei. Durante demasiado tempo.
Até que já não reconhecia a mulher no espelho.
Não era o divórcio que me assustava. Era a guerra. Conhecia o ego do Tiago. Ele não queria paz—queria ganhar. E isso significava levar tudo.
Mas eu não tinha medo. Só precisava que ele achasse que tinha vencido.
Numa quinta-feira à noite, o Tiago chegou tarde—como sempre. Eu estava à mesa da cozinha, a mexer no telemóvel, fingindo indiferença.
Ele nem sequer cumprimentou. Apenas atirou as chaves para o mármore com um tilintar seco.
“Precisamos de conversar,” disse.
Ergui uma sobrancelha. “Sobre o quê?”
“Quero o divórcio.” A voz dele era cortante, como se quisesse que as palavras doessem.
Esperei pelo impacto que nunca chegou.
“Está bem,” respondi, calmamente.
Ele pestanejou, surpreso. “Só isso? Nenhum choro? Nenhum pedido para ficar?”
Encolhi os ombros. “Para que prolongar o inevitável?”
Isso desconcertou-o. Percebi. Ele queria briga. Queria drama. Em vez disso, teve indiferença.
E nada irrita mais um homem como o Tiago do que indiferença.
**As Negociações do Divórcio**
Parecíamos negociar um acordo de guerra, dada a seriedade com que o Tiago tratou a divisão de bens.
Apareceu de fato, como se estivesse a fechar um negócio milionário. Sentou-se à minha frente, arrogante como sempre, a enumerar as exigências como se lesse uma lista de compras.
“A casa, o Mercedes, a conta-poupança, as ações, a coleção de vinhos…”
Olhou para cima, à espera da minha reação.
“Tudo bem,” disse.
A minha advogada quase se engasgou com a água.
O Tiago pestanejou. “Espera, estás… a ceder tudo?”
Recostei-me na cadeira, cruzando os braços. “Essas coisas não me importam.”
“Mas a casa—”
“Fica com ela.”
“O carro—”
“Leva-o.”
Ele estava eufórico, quase a saltar da cadeira de excitação. Achou que eu tinha enlouquecido. Achou que estava destruída emocionalmente, só querendo fugir com alguma dignidade.
Não fazia ideia de que, por dentro, eu dançava de alegria.
Assinei os papéis, entreguei-lhe a caneta, e saí daquele escritório com ar de mulher derrotada.
O que me traz de volta ao elevador. E à gargalhada.
Porque estava a acontecer.
Fase Um: Deixar o Tiago pensar que venceu. ✅
Fase Dois: Acionar a cláusula. 🔜
Nessa tarde, enviei uma mensagem à minha mãe:
“Vou a casa para arrumar as coisas. Pronta?”
A resposta veio instantaneamente:
“Nasci pronta.”
A minha mãe, a Conceição, era um furacão. Inteligente, leal como poucas, e incapaz de esquecer uma ofensa—especialmente as do Tiago.
Nunca gostou dele. Viu através do seu charme desde o primeiro dia. Mas guardou as opiniões para si—por minha causa. Até que valeu a pena.
Quando comprámos a casa, não tínhamos dinheiro para a entrada total. A Conceição ajudou, cobrindo a diferença.
Mas ela não era ingénua. Pediu ao advogado para incluir uma pequena cláusula: se o casamento terminasse, ela teria o direito de residir na casa, indefinidamente, sem pagar renda, quando quisesse.
O Tiago assinou sem ler. Estava demasiado ocupado a admirar os metros quadrados.
Fazer as malas foi estranhamente satisfatório. Não quis nada do que era caro—nem a porcelana da Vista Alegre, nem os quadros, muito menos a máquina de café de luxo que o Tiago comprara para impressionar os colegas.
Levei apenas os meus livros, alguma roupa e fotografias de tempos mais simples.
Ao pôr do sol, eu estava fora.
E a minha mãe?
Estava dentro.
**Na Manhã Seguinte**
Mal tinha terminado de arrumar o meu novo apartamento—mais pequeno, mas cheio de paz—quando o telemóvel tocou.
Tiago.
Atendi em alta-voz, recostada no sofá, a saborear o café.
“Armaste-me uma cilada!” berrou ele.
“Bom dia para ti também,” respondi, docemente.
“A tua mãe está na MINHA casa!”
“Na *nossa* casa,” corrigi. “E, legalmente falando, agora é a residência dela.”
“O que estás a dizer? Ela não pode simplesmente mudar-se para cá!”
“Devias ter lido o contrato com mais atenção.”
Ouvi-o resmungar e a andar de um lado para o outro. Depois, a voz inconfundível da Conceição ao fundo:
“Tiago, se vais andar a pisar assim, tira os sapatos. Lavei o chão agora há pouco.”
Houve uma pausa.
E depois: “Ah, e espero que vás ao supermercado. A tua despensa parece a de um estudante universitário.”
Cobri a boca para não me rir.
“Conceição, esta é a MINHA casa!” gritou ele.
“Não de acordo com a cláusula 7B. Procura. Eu tenho uma cópia eE, enquanto o Tiago ainda tentava processar a situação, a Conceição pendurou na sala um quadro enorme da Sagrada Família, sorrindo para a câmara como quem diz: “Agora, esta casa tem dona.” .