O milionário vê a sua ex-namorada, a quem abandonou há 6 anos, à espera de um Uber com três crianças idênticas a ele. O que ele não sabia era que aquelas crianças eram…
João Mendes acabara de sair de uma reunião em Polanco, uma daquelas reuniões intermináveis onde todos se sentiam importantes e falavam como se estivessem a salvar o mundo. Ele só queria sair dali. Entrou na sua carrinha blindada, deu as instruções habituais ao motorista e pegou no telemóvel para ver as mensagens enquanto avançavam por uma rua entupida. Olhou pela janela sem grande interesse, foi então que a viu.
Lá estava ela, parada no passeio, em frente a uma farmácia, com um rosto cansado e um pouco de desespero. O cabelo estava apanhado à pressa, vestia roupa simples e abraçava um saco de compras meio rasgado ao lado dela. Três crianças. As três com os mesmos olhos, a mesma boca, a mesma expressão de quem olha para todo o lado à espera que algo aconteça. E aqueles olhos… eram os dele.
Não podia ser. Não podia ser.
Inclinou-se para ver melhor, mas nesse momento outro carro atravessou-se entre eles e a imagem desapareceu.
— Para! — gritou João sem pensar.
O motorista travou a fundo e virou-se preocupado. João abriu a porta sem esperar por resposta, desceu até ao nível da rua e olhou desesperadamente. O passeio estava cheio de gente como sempre, mas ela já não estava lá. Caminhou rapidamente entre os transeuntes, ignorando os comentários de quem o reconhecia. O coração batia-lhe loucamente. Era ela. Era a Carolina. E aquelas crianças.
Passados alguns minutos, viu-a a atravessar a rua de mãos dadas com as três crianças, entrando num carro cinzento que claramente era um Uber. Ele ficou paralisado, sentiu o estômago apertar. Não sabia se devia correr, gritar o nome dela ou simplesmente deixá-la ir.
O carro arrancou e desapareceu no trânsito da tarde.
João não se mexeu. Ficou ali, a tremer como se aquela cena o tivesse deixado em pedaços. Voltou para a carrinha como se estivesse no automático. Não disse nada. O motorista olhou para ele pelo espelho, mas João não proferiu uma palavra. Estava completamente perdido. A única coisa em que pensava era naquelas três crianças com o seu rosto.
Agarrou a testa, fechou os olhos e soltou um suspiro que vinha das profundezas.
Não via a Carolina há 6 anos. Não desde aquela madrugada em que decidiu ir-se embora sem se despedir. Não lhe deixou uma mensagem, nada. Tinha os seus motivos, sim, mas também tinha planos. Estava prestes a fechar um negócio que mudaria tudo. Foi-se embora pensando que ela entenderia, que mais tarde haveria tempo para acertar as coisas.
Mas esse tempo nunca chegou.
A carrinha continuou o caminho até ao seu apartamento em Santa Fe. Quando João chegou, tirou o casaco com fúria e atirou-o para o sofá. Serviu-se de uma bebida, apesar de ainda não serem sequer 5 da tarde.
Caminhou de um lado para o outro, recordando tudo o que tinha vivido com a Carolina. O seu riso, a forma como ela o olhava quando ele falava dos seus sonhos, a maneira como o abraçava quando ele chegava tarde e só queria dormir. E depois pensou naquelas crianças. Como era possível que fossem tão parecidas com ele?
Pegou no telemóvel e procurou nas redes sociais. Nada. Nem uma foto, nem uma pista. Carolina tinha desaparecido do mundo digital como se nunca tivesse existido. Isso deixou-o com um aperto no peito. Ele tentara esquecê-la, mas no fundo nunca conseguira. Era daquelas paixões que se guardam numa caixinha que não se quer abrir porque se sabe que vai doer.
Sentou-se em frente ao computador, abriu uma pasta encriptada onde guardava arquivos pessoais e procurou as fotos antigas. Lá estavam elas. Carolina na praia. Carolina no seu apartamento. Carolina de pijama a rir com a boca cheia de pipocas. Olhou para elas uma a uma até se deparar com uma em que ela o abraçava por trás, com o rosto colado ao pescoço dele. A foto que ela própria tinha tirado com o telemóvel.
Observou-a durante um longo tempo e depois apertou os lábios. Sabia o que tinha de fazer.
Marcou o assistente, o Miguel.
— Preciso que encontres alguém. Chama-se Carolina Silva. Não tenho morada, só sei que vive em Lisboa e tem três filhos. E mais uma coisa… sim, essas crianças podem ser minhas.
Houve um silêncio constrangedor do outro lado da linha.
— Entendido, senhor.
Miguel desligou e João ficou a olhar para a cidade através da janela. Milhares de luzes, milhares de pessoas, mas naquele momento só uma importava. Não sabia se ela estava zangada, se o odiava ou se simplesmente já tinha superado. Mas aquelas crianças… ele não podia deixar aquilo assim. Não podia ficar com a dúvida. Porque se elas fossem o que ele pensava, então a sua vida estava prestes a mudar completamente.
Na manhã seguinte, acordou com uma única coisa em mente: encontrá-la. E desta vez não planejava ir embora sem respostas.
João não dormira bem naquela noite. Revolveu-se na cama, olhou para o teto, levantou-se, caminhou pelo apartamento, atirou-se outra vez para os lençóis, fechou os olhos e viu outra vez aquela cena. Carolina parada na rua com os três filhos, tão parecidos com ele que até doía. Era como se o passado tivesse voltado de repente, sem aviso, e lhe tivesse dado um murro na cara.
No dia seguinte, antes das 8 da manhã, já estava no escritório. A sua equipa cumprimentou-o como sempre, com sorrisos respeitosos e falsos. Ele mal respondeu, foi direto para o gabinete, fechou a porta e ficou a olhar pela janela.
Toda a cidade seguia a sua rotina. Carros, pessoas, barulho. Mas dentro dele tudo era caos.
Sentou-se à secretária, pegou no telemóvel e começou a verificar as redes outra vez. Procurou o nome dela, o rosto, qualquer rasto da Carolina. Nada no Facebook. Nada no Instagram. Nada em lado nenhum. Era como se a terra a tivesse engolido. Isso deixou-o mais irritado. Como é que alguém desaparecia tão facilmente? Como é que ele, com todos os seus recursos, não sabia de nada?
Miguel chegou com um café e uns papéis. João mal olhou para ele.
— Já perguntaste alguma coisa? — perguntou, bruscamente.
— Ainda não, chefe. Estamos a tentar localizá-la através de registos de nascimento e escolas, mas se ela mudou de morada e de apelido, vai demorar.
João acenou com a cabeça. Não estava com disposição para conversas. Quando Miguel saiu, ele ficou sozinho outra vez. Apoiou os cotovelos na secretária, agarrou a cabeça com as duas mãos e fechou os olhos.
As memórias começaram a vir como se alguém estivesse a passar um filme na sua mente.
Viu-se há 6 anos, mais novo, menos cansado, com aquela ambição que quase lhe saía pelos poros. Na altura, ele e a Carolina viviam juntos num pequeno apartamento em Alvalade. Não tinham luxos, mas tinham tudo. Ele trabalhava em casa, a montar apresentações, a procurar investidores, a tentar arrancar com a sua primeira empresa. Ela era professora primária. Chegava exausta, mas sempre com um sorriso.
Riam-se de coisas parvas, encomendavam pizza à noite, às vezesJoão encontrou a Carolina dias depois, confessou que nunca a esqueceu, e os dois, juntos com os três filhos, começaram uma nova vida cheia de amor e segundas chances.