Aos seus catorze anos, Inês sentou-se na varanda da casa da família nos subúrbios de Coimbra, uma mochila aos pés e o telemóvel com 12% de bateria. O vento trazia o frio de um novembro precoce, mas não era o arrepio do inverno que a fazia tremer—era o silêncio por trás da porta fechada.
Duas horas antes, a mãe estivera na cozinha, pálida e rígida, segurando o teste de gravidez que Inês jogara fora, embrulhado duas vezes em lenços de papel.
“Mentiste-me,” dissera a mãe com uma voz monótona, estranha. “Todo este tempo. Há quanto tempo estás grávida?”
Inês não conseguira responder de imediato. Ainda estava a processar. Nem sequer contara a Miguel, o rapaz com quem andava às escondidas há quatro meses.
“Oito semanas,” sussurrara.
A mãe fitara-a, depois virara-se para o padrasto, António, que parara a meio da entrada. Por momentos, nada dissera, apenas cruzara os braços.
“Não vais ficar com ele,” a mãe declarara por fim.
Inês erguera os olhos, surpreendida. “O quê?”
“Ouviste-me. E se pensas que vais continuar nesta casa enquanto arrastas o nome desta família pela lama—”
“Ele tem catorze anos,” interrompera António com um suspiro. “Precisa de consequências, Ana.”
“Eu não—” Inês começara, mas a frase desvanecera-se. Sabia que nada do que dissesse importava.
Ao cair da noite, estava na varanda. Sem gritos. Sem súplicas. Apenas a mochila, fechada e cheia do que conseguira agarrar à pressa: dois pares de calças, três camisolas, o caderno de matemática e um frasco quase vazio de vitaminas pré-natais que comprara na farmácia local.
O único sítio em que conseguira pensar fora a casa da amiga Beatriz. Enviara uma mensagem, depois ligara. Ninguém atendera. Era noite de escola.
O estômago revirava-se—não só por causa das náuseas, que se tornaram uma companhia indesejada, mas pelo peso do que agora se avizinhava: a falta de um lar.
Apertou os braços em volta do corpo e olhou para o bairro. Tudo estava calmo, cada casa uma caixa de luz dourada e normalidade. Atrás dela, a luz da varanda apagou-se. A mãe sempre a programava no temporizador.
Era isso.
Não voltaria a entrar.
Inês desistira de contactar Beatriz. Os dedos estavam dormentes para digitar. Quase às onze da noite, pôs-se a caminhar. Passou pelo jardim onde costumava encontrar-se com Miguel. Passou pela biblioteca onde pesquisara “sintomas de gravidez” pela primeira vez. Cada passo parecia mais pesado.
Não chorou. Ainda não.
O abrigo municipal para jovens ficava a oito quilómetros. Lera sobre ele num folheto na escola. “Refúgio seguro para jovens. Sem perguntas.” “Sem julgamento.” Aquilo ficara-lhe na memória.
Quando lá chegou, os pés estavam em bolhas e a cabeça leve. A porta estava trancada, mas havia um interfone. Uma mulher de cabelo curto e grisalho abriu ao fim de um minuto, observando-a de alto a baixo.
“Nome?”
“Inês. Não tenho para onde ir.”
Dentro, estava mais quente do que imaginara. Não acolhedor, mas calmo. A mulher, Dona Leonor, deu-lhe um cobertor, uma barra de cereais e um copo de água. Sem sermões. Sem ameaças. Inês comeu devagar, o estômago em tumulto.
Naquela noite, dormiu num beliche partilhado com duas outras raparigas: Sara, de dezasseis anos, que estudava para os exames, e Carolina, que falava pouco. Nenhuma fez perguntas. Compreendiam, cada uma à sua maneira.
Na manhã seguinte, Dona Leonor levou-a a um gabinete pequeno. “Estás segura aqui, Inês. Terás uma assistente social. Acesso a cuidados médicos. Apoio escolar. Não contactamos os teus pais a menos que estejas em perigo.”
Inês acenou.
“E… sei que estás grávida,” acrescentou Dona Leonor, com doçura. “Também te ajudaremos com isso.”
Foi a primeira vez que Inês sentiu um pouco de ar regressar aos pulmões.
Nas semanas que se seguiram, aprendeu o que era autonomia. Conheceu a assistente social, Filipa, que a ajudou a marcar consultas, a organizar terapia e a inscrevê-la numa escola alternativa para jovens grávidas.
Inês estudava com afinco. Não queria ser apenas “a rapariga que engravidou aos catorze.” Queria ser mais. Por si. E pelo bebé que crescia dentro dela.
No Natal, Miguel finalmente enviou-lhe uma mensagem: “Ouvi que te foste embora. É verdade?”
Ela fitou o ecrã. Depois apagou a mensagem.
Ele sabia. Apenas não se importava o suficiente para aparecer.
Em março, a barriga já arredondava. Vestia calças de maternidade doadas pelo abrigo e lia todos os livros sobre parentalidade na biblioteca. Algumas noites, o medo regressava. Que mãe poderia ser aos catorze?
Mas havia momentos—como quando ouviu o coração do bebé na consulta ou quando Carolina, normalmente silenciosa, pousou a mão na sua barriga e sorriu. Eram esses os momentos que guardava.
Em maio, apresentou um trabalho final na escola sobre estatísticas de gravidez adolescente em Portugal. A voz estava firme. Os dados, convincentes. Não parecia uma rapariga que perdera tudo. Parecia uma rapariga a construir algo novo.
Quando o bebé nasceu em julho—a filha, que chamou Esperança—Inês não estava rodeada pelos pais, mas por aqueles que escolheram cuidar dela: Dona Leonor, Filipa, Sara, Carolina. A sua nova família.
Ainda tinha catorze anos. Ainda sentia medo. Mas já não estava sozinha.
Enquanto embalava Esperança no quarto do hospital, com o sol de verão a encher a janela, Inês sussurrou: “Começamos daqui.”